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sábado, 20 de janeiro de 2018

Tributo a Aclav Havel – Ao intelectual e politico – escritor e dramaturgo checo, homem de princípios e de sólidas convicções, que teve de pagar caro em cinco anos de prisão – O primeiro Chefe de Estado, no seu país, após a queda do muro de Berlim - Praga, 5 de outubro de 1936 — Praga, 18 de dezembro de 2011

O MUNDO DESUMANIZA- SE E JÁ PERDEU MUITO DO SEU SENTIDO INICIAL - MAS HOUVE QUEM EM SUA VIDA NÃO SE RESIGNASSE A ESSA FATALIDADE E PAGASSE CARA A SUA OUSADIA COM 5 ANOS DE PRISÃO  - Aclav Havel foi um desses heróicos resistentes que não se compadeceu com degenerescência do ser humano reduzido à "identificação cega com a corrente irracional do “mundo da aparência”
"O ser humano apropriou-se do mundo de uma maneira que, de facto, o perdeu; submeteu-se de uma tal modo que acabou por destruí-lo (tal como o cientista que mata um ser vivo para que esteja quieto debaixo do microscópio)!
Hoje, ao reler o Cartas a Olga, escritas na clausura de uma prisão, tão impressionado fiquei, com uma das suas reflexões que não resisti a transcrever algumas passagens e   recordar a memória de  Aclav Havel, o ex-presidente checo e herói da luta que pôs fim à Guerra Fria, morreu na  madrugada, de 18 de Dezembro, aos 75 anos, durante o sono, na sua casa de fim-de-semana no norte do seu país


O mistério dos caminhos da vida são um permanente desafio que urge decifrar e descobrir

Uma vez que a Lanterna de Deus me serviu de amparo e de farol na mais sinistra solidão tempestuosa dos mares, espero que um dia - mesmo que seja no último suspiro da minha vida - me privilegie com o dom da sublimidade 


UMA FIGURA EXEMPLAR

Escritor, intelectual e dramaturgo checo. Foi o último presidente da Checoslováquia e o primeiro presidente da República Checa. - Firme defensor da resistência não-violenta (tendo passado cinco anos preso por suas convicções), tornou-se um ícone da Revolução de Veludo em seu país, em 1989. Em 29 de dezembro de 1989, na qualidade de chefe do Fórum Cívico, elegeu-se presidente da Checoslováquia pelo voto unânime da Assembleia Federal – O primeiro Chefe de Estado, no seu país, após a queda do muro de Berlim.

As características mais peculiares dos registos de Havel são o calor humano, a descrição bem concreta e crua das suas condições físicas e de ânimo e um inabalável sentido existencial de responsabilidade histórica, referido tanto a si e à sua obra quanto a seu tempo, à sua sociedade e a um sentido de cultura fundado sobre a construção solidária de uma liberdade contingente, de que é ele mesmo um dos mais sublimes propositares e fundadores. Estas Cartas representam, nesse sentido, o mais autêntico resgate daquele renascimento tcheco pioneiro, aquele grito rebelde jamais abafado, que proclamava a vontade irredutível da autonomia, na utopia plural, aberta e relativista de Praga. cartas a olga -


Querida Olga:  6 de Março de 1982

"Ao ver há dias na televisão uma reportagem de uma vacaria, tomei consciência de que a vaca já não é um animal. É uma máquina que tem o seu input (forragem) e o seu output (leite), o seu plano de produção e o seu operador mecânico, cujo objetivo é o mesmo que o da nossa economia politica global; diminuir o input e aumentar o output. A vaca adquire assim uma verdadeira eficiência , mas o custo é que deixa de ser vaca – processo semelhante ao que acontece com a Boémia Setentrional , que é para nós uma parte importante  do combustível  (se isso se pode chamar à terra com uma mistura de lignite) ao preço de deixar de ser uma parte integrante da nossa terra-mãe  (qualquer coisa a meio caminho entre a luva e um vazadouro de lixo). Estas “miudezas”, penso eu, ilustram de uma forma óbvia o que se passou com esta civilização e a razão pela qual  (se não acontecer “algo”, porque todos esperemos, sem imaginar o que será), mais tarde ou mais cedo ela acabará por desaparecer. 

O ser humano apropriou-se do mundo de uma maneira que, de facto, o perdeu; submeteu-se de uma tal modo que acabou por destruí-lo (tal como o cientista que mata um ser vivo para que esteja quieto debaixo do microscópio). Creio que são evidentes  as razões profundas desta trágica ocorrência. A crise da experiência do horizonte absoluto que nasce da estrutura espiritual da nossa civilização e por ela  é constantemente aprofundada, conduz à perda do sentido da integridade do ser, da independência de tudo quanto existe, da sua singularidade. 

Os fenómenos do mundo perdem a sua plenitude significativa  e misteriosa ( não misteriosos nem significativos). Tudo se converte em “mero facto”  e o que ainda é  mais importante : a crise da experiência do horizonte absoluto leva normalmente à crise da responsabilidade existencial do ser humano perante o mundo e pelo mundo – o que significa também perante si próprio e perante si próprio. E onde não existe tal responsabilidade  - como fundamento da relação do ser humano com o seu meio ambiente – desaparece comprovadamente a identidade  como lugar imutável num mundo em que lhe foi dado por esta relação. 

Assim se fecha o circulo  que poderemos resumir aforisticamente: pelo facto do ser humano ter tirado à vaca  o último resto da sua animalidade, matou também em si a sua humanidade e tornou-se semelhante a um animal. E o que é importante : a vida em rebanho da sociedade de consumo, cuja expressão mais vistosa são os modernos bairros de habitação e cujo instrumento mais ostensivo é a televisão: a degenerescência do ser humano reduzido às suas funções isoladas, tornadas anónimas (produtor, consumidor, doente, eleitor, etc); a sua total impotência  perante as macroestruturas sociais  anónimas; a sua adaptação complexa à norma “moral” generalizada, a resignação perante tudo que implica uma superação um horizonte da vida em rebanho – tudo isso são meios que conduzem a identidade humana a uma crise cada vez mais profunda e alargada. 

Como é que crise se faz sentir? De mil e uma maneiras: o ser humano enredado numa estrutura social em movimento autónomo, transforma-se  numa molécula com uma marca assimilada. Ou seja, perde o rosto, a vontade e o discurso próprios  e torna-se, em certa medida, numa frase materializada e acaba por sofrer um processo de idenfiticação, que de novo representa uma desistência de  si mesmo. Despojado do horizonte histórico, do qual  e enquanto sujeito   se poderia articular  criativamente, acaba por cair na “atemporalidade”; despojado do “horizonte concreto” do lar (quando vivemos num bairro habitacional, é indiferente a sua localização; os bairros de habitação são iguais em toda a parte),  o ser humano encontra-se numa espécie de “não espaço”  anónimo (o caso do espaço e do tempo existenciais e o caso da identidade são vasos comunicantes ). 

A identificação cega com a corrente irracional do “mundo da aparência”  e a resignação perante uma visão própria do mundo e também em relação à responsabilidade  e por ele confundem e desestabilizam o “eu” humano. Toda a articulação do que foi ou que deve ser  com aquilo que é, já o localizou, de uma vez por todas, fora de si próprio e fora da área que lhe compete gerir. O que implica que qualquer articulação daquilo que é em determinado momento com o que é noutro momento qualquer foi certamente destruída. Deste modo, o ser humano – na medida em que deixa de responder  por si próprio e pela sua vida, perde necessariamente, a consciência de si próprio e a dignidade de personalidade  responsável e converte-se num pedaço de barro que indica a sua origem pantanosa

18/12/2011 – PÚBLICO  - Há muito afastado da vida pública por causa da sua doença, Havel foi um escritor de intervenção contra o regime, o artesão da “Revolução de Veludo” anticomunista de 1989 e o primeiro chefe do Estado democraticamente eleito após quatro décadas de repressão, entre 1989 e 2003.

Foi, aliás, durante a sua presidência, em 1993, que a Checoslováquia se dividiu pacificamente entre a República Checa e a Eslováquia. Vaclav Havel foi o responsável pela transição do anterior sistema soviético para um regime democrático e uma economia de mercado – um processo acidentado, mas pelo qual recolheu elogios, galardões e homenagens no seu país e no mundo.

Nascido em Praga a 5 de Outubro de 1936, Vaclav Havel viu as posses da sua família abastada serem confiscadas durante as nacionalizações comunistas de 1948. Apesar de ficar inesperadamente pobre, a família ainda era considerada "burguesa" pelo regime, pelo que não foi permitido a Vaclav prosseguir os estudos secundários. Havel matriculou-se na escola nocturna e terminou a trabalhar no teatro.

Tímido e estudioso – e também um jovem do seu tempo, que tinha entre os seus preferidos o músico norte-americano Frank Zappa – Havel tornou-se um escritor e dramaturgo. A sua intervenção política começou logo após a invasão soviética de 1968 que pôs fim à chamada Primavera de Praga – um processo de reformas encetado por Alexander Dubcek e outros líderes comunistas da então Checoslováquia. O seu método foi sempre o da literatura: Vaclav Havel escreveu uma série de peças, ensaios e análises sobre o comunismo, que imediatamente foram proibidas por Moscovo
.
O mês de Janeiro de 1977 marca o arranque do seu activismo político, com a assinatura do manifesto pelos direitos humanos “Capítulo 77”. Um ano mais tarde, o seu ensaio “O Poder e os Sem Poder”, que consagrou o seu estatuto de dissidente político, abria com uma citação do Manifesto Comunista: “Há um espectro a assombrar a Europa de Leste; o espectro daquilo que no Ocidental

A sua aberta oposição ao regime custou-lhe vários anos passados nas cadeias comunistas. “Cartas para Olga”, um livro reunindo as cartas que escreveu à sua mulher da prisão, tornou-se uma das suas obras mais conhecidas (Olga Havlova morreu de cancro em 1996).

Foi durante as manifestações de Praga em Agosto de 1988 – durante o 20º aniversário do Pacto de Varsóvia – que o seu estatuto político ficou claro. Milhares de jovens saíram para a rua, gritando o seu nome e do seu herói, Tomas Garrigue Masaryk, o primeiro Presidente da Checoslováquia depois da fundação do país em 1918.
A onda de protestos populares em seu nome levou-o mais uma vez à prisão. Em Janeiro de 1989, com o regime comunista já em colapso, o seu julgamento atraiu as atenções internacionais, e a pressão política foi de tal maneira intensa que as autoridades aceitaram a sua libertação.

Uma semana após a queda do muro de Berlim, em Novembro de 1989, Vaclav Havel e outros famosos opositores checoslovacos criavam um movimento político. As manifestações na rua prosseguiram, reclamando a mudança de regime.

A 29 de Dezembro, o Parlamento da Checoslováquia (ainda comunista) elegia Vaclav Havel para a Presidência do país. Na sua mensagem de Ano Novo à população, transmitida pela televisão, o escritor resumia numa metáfora os efeitos de 40 anos de repressão comunista: “Éramos um povo soberano e talentoso, e o regime transformou-nos em pequenos parafusos de uma máquina monstruosa, podre e barulhenta”.

Havel liderou, então, o movimento de transição para um novo regime aberto e democrático, nunca se abstendo de denunciar as deficiências da sociedade checoslovaca, fiel à sua máxima “O que o coração pensa, a língua diz”.

Mas os desafios pós-revolucionários foram tremendos, e pouco tempo depois Vaclav Havel apresentou a demissão, classificando como um “falhanço pessoal” o irreversível processo de desagregação da federação checoslovaca.

O eleitorado não lhe deu razão, e apoiou-o para um novo mandato como Presidente da recém-criada República Checa, um cargo que ocupou até 2003. – Prossegue em -  Inspirador da Revolução de Veludo desaparece aos 75 anos. Morreu ...

Quando Soares ofereceu um carro a Václav Havelm- Refere o DN – que, Mário Soares, já presidente da República,  ofereceu a Václav Havel um carro para que não usasse as limusinas de fabrico soviético, e José Pedro Aguiar-Branco e Álvaro Beleza, ainda sem cabelos brancos, a manifestarem-se em Praga pela democracia em dezembro de 1989.
Está tudo isto e um pouco mais testemunhado em fotografias e filmes na exposição, em Lisboa, na Fundação Mário Soares, a amizade entre o histórico líder português e o falecido dissidente checoslovaco que aproveitou a boleia da queda do Muro de Berlim para derrubar o comunismo no seu país.

Antes da inauguração, conversei com Michael Zantovsky, autor da mais reputada biografia de Havel e sobretudo seu amigo e durante algum tempo porta-voz, até o dramaturgo, já presidente checoslovaco, o ter nomeado para embaixador nos Estados Unidos. Falou-me dos jovens portugueses que se juntaram em 1989 aos manifestantes pró-democracia e de como Soares foi o primeiro chefe de Estado europeu, indo mesmo a Praga, a apoiar a Revolução de Veludo que fez de Havel o presidente pós-comunista da Checoslováquia e depois de 1993 da República Checa.

Há muito em comum entre Soares e Havel, a começar logo pela passagem pela prisão, perseguidos um por uma ditadura fascista outro por uma comunista. E se o português também conheceu o exílio, o checo teve de resistir muito a deixar o país, pois o regime comunista pressionava-o a partir para se livrar de uma voz incómoda. Também partilhavam as origens burguesas e o perfil intelectual, algo que, por outro lado, distinguia muito o dramaturgo checo do polaco Lech Walesa, o metalúrgico que foi a outra grande figura da revolta da Europa de Leste contra o Kremlin.-Excerto de  https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/leonidio-paulo-ferreira/interior/quando-soares-ofereceu-um-carro-a-vaclav-havel-5459289.html





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