Jorge Trabulo Marques - Jornalista, natural desta região - C
Viajar por Foz-Côa,
Pocinho, é viajar por dois Patrimónios da Humanidade - É vogando à flor da tranquilidade
do Douro telúrico e primevo, sob o côncavo dos grandes ou confinados espaços da
singular tipologia da sua geológica monumentalidade, que ora ascendem ora
mergulham em vales profundos, que os olhos se pasmam e maravilham. Que o
coração se apazigua de todas as suas máculas, a alma se purifica e engrandece
É no Douro monumental,
suave, alcantilado e agreste, que os mais nobres sentimentos casam com a
espiritualidade enérgica e rejuvenescedora - Este é o “Doiro sublimado de
Miguel Torga: o prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se
desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso da natureza.
(… )Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela
harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora
a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o
seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta." - “é,
no mapa da pequenez que nos coube, a única evidência incomensurável com que
podemos assombrar o mundo”. Em 2001, a UNESCO concedeu-lhe a distinção de
Património da Humanidade, como paisagem viva, evolutiva e cultural.
“E é aqui que nos
reencontrámos com a terra, com os ritmos da natureza, com a quietude e o
sossego que dela emanam, sentindo o passo do dia e da noite, do sol, da lua e
das estrelas, longe das luzes artificiais da cidade..
Viajar por Foz-Côa é
viajar por dois Patrimónios da Humanidade, é percorrer os trilhos da memória e
contemplar as formas deslumbrantes da natureza, da história e da arte
paleolítica. Mais que um lugar-comum, a luta e os confrontos épicos do passado
com o presente fazem estas gentes resistentes, heróis e autênticos construtores
de sonhos e de esperança. As oportunidades perdidas rapidamente se transformam
em olhares cativos, e as paisagens das rudes encostas do Douro e do Côa, com os
seus vinhedos, mais não foram, no passado, do que janelas abertas à imaginação
e à criatividade. Se o Museu do Côa narra uma história com uma riqueza
imaterial invulgar e os socalcos do Douro respiram uma civilização ancestral
ímpar, então, podemos alavancar um caminho turístico sustentável idealizando a
conjugação destes dois fatores".
A construção da
embarcação “SENHORA DA VEIGA” propriedade do Município de Vila Nova de Foz Coa
desde 2004, tem como objetivo desenvolver a oferta turística local. Este barco
RABELO é uma réplica dos tradicionais barcos denominados “rabelos”, que
transportavam as pipas de Vinho do Porto do Alto Douro, até às caves em Vila
Nova de Gaia – Porto. Aqui, o vinho era armazenado e, posteriormente,
comercializado e enviado para outros países. Fazer um cruzeiro de barco no
Douro é viajar, segundo Torga, no “… reino maravilhoso já não existe. Existem –
em seu lugar – paisagens, declives, montanhas, enseadas junto do rio mais belo
que conheço, esconderijos pelas colinas, florestas que resistem ao granizo do
tempo. E existe a luz, a luz fantástica do Douro, a luz misteriosa das suas
águas e da poeira que vai de uma margem a outra (...).”
O Douro vem através dos
séculos definindo o seu caminho, num caldeamento das margens, contribuindo para
a ligação do Homem e da terra ao rio. Ao longo das escadarias dos socalcos,
nestas montanhas desmesuradas, aparecem testemunhos de civilizações e culturas
diversas.
Da ementa possível constam as tradicionais “migas de peixe à moleiro”, os “peixes do rio fritos em molho de escabeche com salada mista” e o “lombo assado com batata assada e arroz”. A Sobremesa é Fruta da época e os vinhos servidos são sempre do Concelho de Vila Nova de Foz Côa.
DOIRO - De Mguel Torga
Suor,
rio, doçura.
(No
princípio era o homem ...)
De
cachão em cachão,
O
mosto vai correndo
No
seu leito de pedra.
Correndo
e reflectindo
A
bifronte paisagem marginal.
Correndo
como corre
Um
doirado caudal
De
sofrimento.
Correndo,
sem saber
Se
avança ou se recua.
Correndo,
sem correr,
O
desespero nunca desagua ...
DOIRO
Corre,
caudal sagrado,
Na
dura gratidão dos homens e dos montes!
Vem
de longe e vai longe a tua inquietação...
Corre,
magoado,
De
cachão em cachão,
A
refractar olímpicos socalcos
De
doçura
Quente.
E
deixa na paisagem calcinada
A
imagem desenhada
Dum
verso de Frescura
Penitente
Miguel Torga
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