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segunda-feira, 20 de março de 2017

Celebrado hoje, 20 de Março-2017 – O Equinócio da Primavera, num dos Templos do Sol, aldeia de Chás, Foz Coa, numa bela manhã de luz e de intensos perfumes de vastas manchas de brancas das giestas, com poemas do mítico surrealista, poeta e pintor Mário Cesariny e de Manuel Daniel -Figura singular desta região, donde é natural

Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista - Autor da descoberta -  Organizador e coordenador do evento)


O Equinócio da Primavera 2017, ocorreu, hoje, dia 20, às 10h29min.TMG – Instante esse que marcava o início da Primavera no Hemisfério Norte. Os dias vão a partir de agora a ser maiores que as noites, por 92,79 dias até ao próximo Solstício que ocorre no dia 21 de Junho às 05h24min. Nós celebrámo-lo, de uma forma singela mas de profundo significado mistifico astronómico e histórico, momentos depois de se levantar no alto das colinas e ladeiras  do Rio Coa -  do Vale Sagrado - No altar sacrificial da Pedra da cabeleira de Nª Srª 

Havia noticias que diziam que a Primavera ia entrar nebulosa e fria, e até com possibilidades de chuva ou de aguaceiros, poderá ser amanhã ou depois, mas  por estas bandas, ainda não foi hoje 
Mas por acaso até foi  essa a ideia que me turbou o pensamento, ao levantar-me da cama e ao espreitar pela janela, à seis da manhã-  De facto, quando sai de casa e vi a aldeia, imersa em nevoeiro, quase me apeteceu rogar umas pragas à a S. pedro  ou à meteorologia pela partida, que parecia querer despontar-me
Mas, felizmente, que, à medida que me afastava do fundo do povo, por um artigo caminho romano (já sem a acalçada de outros tempos , mas ainda assim, bem convidativo à evocação e a ser palmilhado), sim, à medida que ia caminhando em direção ao maciço das Quebradas e Tambores, constatava que o mesmo se ia dissipando, que a lua, em fase de quarto-minguante, se descobria num céu límpido e sem uma névoa e que, a ocidente, se ia levantando um clarão luminoso, sinal de que o nascer do sol, poderia brindar-nos com a ascensão dos seus esplendorosos raios atravessando a cripta do Santuário Rupestre da Pedra da Cabeleira de Nª Sra, que, o investigador, Adriano Vasco Rodrigues, em meados dos anos 50, classificaria como antigo local de culto ou de sacrifícios – No entanto, sem ainda alguém saber, que, a par dessa função, o enorme penedo, escondia outros mistérios: o de, simultaneamente, se tratar de um verdadeiro calendário solar, tal como outros antigos alinhamentos sagrados, que ainda persistem em vários pontos do globo,  heranças de ancestrais civilizações, que há milénios nos antecederam, sendo o mais famoso o já mítico e monumental círculo de Stonhenge, na Inglaterra.
Quis um feliz caso, que eu pudesse ser o privilegiado dessa fabulosa descoberta, em 2001, tal como a dos monumentos megalíticos que se seguiram, especialmente o da Pedra do Solstício, mercê de continuada investigação, este alinhado com o solstício do Verão, junto do qual, graças a algumas boas vontades, têm decorrido outras celebrações.
 O objetivo destes eventos, não visa  promover qualquer espécie de culto ou de sacrifício, como talvez os povos, que se abrigavam por estas penedias, o terão feito,  mas tão somente o de recuperar, o que,  esses ancestrais costume ou rituais, teriam de mais belo, energético, sagrado e purificador: o estreitamento com as maravilhas concedias pela Mãe-natureza, de que a sociedade atual, tanto se tem divorciado, em favor do supérfluo,  do superficial e do ruidoso




LÁ ESTIVEMOS PARA RECEBER AS ENERGIAS BENFAZEJAS E PURIFICADORAS  DO LENDÁRIO E EGÍPCIO  OLHO DE HORUS  - Não como mero amuleto de tatuagem ou de trazer ao peito, como sucede na atualidade mas vivificantemente coroado de raios de luz e de esplendor




Referem estudiosos que OS EGÍPCIOS utilizavam vários amuletos protetores, tanto em vida quanto em suas múmias. Entre os mais antigos encontra-se o Olho Uedjat que já aparece no Império Antigo (c. 2575 a 2134 a.C.) e é um dos mais comuns em todos os períodos da história egípcia. Ele simbolizava o olho direito do falcão, isto é, de Hórus,  - Pois bem, o mais certo é os egípcios  - berço de uma das mais avançadas  civilizações - terem herdado esse conhecimento de outras civilizações ainda mais rciadas.

VALEU A PENA LEVANTAR CEDINHO 

Levantei-me cedinho para estar, a tempo e horas, no local,  porque o relógio do tempo não pára, e, os antigos calendários solares, não precisam de ser substituídos, mantem-se inalteráveis na sua perene e pétrea  monumentalidade De saco na mão, com o Didjeridu, o equipamento fotográfico, várias túnicas para eventuais visitantes, que as quisessem envergar – Ao contrário da maioria das  celebrações anteriores,   desta vez caminhava sozinho, e, quando me plantei, envergando uma das túnicas, frente ao altar sacrificial do imponente  enigmático bloco granítico,   cada vez mais me  mentalizava de que ia cumprir o programa, sem mais ninguém, mas pouco depois, lá apareciam os mais dedicados participantes e colaboradores habituais: 

António Lourenço, ex-autarca da freguesia, o homem que, ao longo de mais de 30 anos, mudaria, no bom sentido da palavra,  completamente  a face da aldeia, desde o ´saneamento, ao abastecimento de água e de eletricidade, entre tantas outras valiosas obras e melhoramentos. 

– É o atual Presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros voluntários de V. N. de Foz Côa, onde têm desempenhado um excelente trabalho de reconhecido louvor e mérito  – Natural do vizinho concelho de Meda, casou nesta minha aldeia, com a prof. Amélia Lourenço (outra das pessoas voluntariosas a lavar as túnicas ou a prestar-nos a sua colaboração no que for preciso), pois, sim senhor, embora quase sobre a  hora, mas ainda assim a tempo de se associar,  ele  que até já havia cortado algumas silvas no recinto, num dos dias anteriores, ali estava a parar a sua carinha para vir ao meu encontro – Tal como sucederia com outros amigos e colaboradores habituais, que não têm faltado 

O Prof. José Lebreiro, natural de Foz Côa, um dos cofundadores da Foz Côa Friends - Associação e também, um dos seus principais dinamizadores: uma homem de cultura e de sensibilidade, que durante vários anos, ligado à Universidade de Coimbra, um coração magnânimo, voluntarioso e sensível, sempre muito empenhado nas mais diversas questões culturais do concelho – Acompanhá-lo, também o inconfundível José Andrade, uma figura também muito dedicada e voluntariosa, um talentoso fadista, grande animador e conversador – E também uma quase enciclopédia de histórias do que observa e retém a sua memória.  


Poucos mas de espírito muito alegre e participativo – Prevejo, que,  um dia chegará, em que o local será visitado por muita gente: oxalá não em jeito de romaria, como acontece em tudo quanto é demasiado publicitado mas ao mesmo tempo dessacralizado – Certamente, no dia em que, alguma televisão estrangeira, de expressão internacional ou produção cinematográfico, souber dar a devida importância às maravilhas pré-históricas, existentes os Tambores, Quebradas  Mamcheia

 Na qualidade de coordenador e organizador  das várias festividades, já ali juntamos várias centenas de participantes, já ali, levámos até grupos de ballet e promovemos várias manifestações artísticas, já ali se fizeram reportagens televisivas (SIC;TVI e RTP ) em direto e gravadas, nos primeiro eventos, , pois, mas, como se sabe, em Portugal, de um modo geral, a cultura continua a ser um parente pobre – E, como já não é novidade, deixou de interessar. Se calhar, ainda bem: valem mais pouco de muitos e ruidosos – E os momentos, que pude desfrutar com os três amigos, talvez não fosse possível na confusão de muita gente.

No sul, o Verão despede-se para dar entrada ao Outono, cá pela latitude onde nos encontramos, é o Inverno, do nosso descontentamento, que se deseja que seja esquecido, o mais depressa possível, com a chegada  de uma temperatura  mais amena  da estação primaveril – Só por este facto, vale a pena o sacrifício de levantar cedinho da cama – Em poder estar, tal como  estivemos, esta manhã, junto ao altar sacrificial do Santuário da Pedra da Cabeleira de Nª Srª, frente ao majestoso frontispício e aos pés de um dos mais belos monumentos  do género, onde quisemos dar as boas vindas à mais florida e perfumada estação do ano  e, uma vez mais,  desfrutar  do privilégio de  contemplar momentos de raro esplendor solar  e de ancestral matriz  histórica
No Outono, como é o horário do Verão, não custa tanto, mas por esta altura as manhãs, costumam ainda ser  um bocado frescotas e pouco motivadoras para festas ao nascer do sol – A celebração do solstício, como ocorre ao pôr-do-sol, é mais participada  - , Naturalmente, não deixaremos de a organizar.

CELEBRÁMOS O EQUINÓCIO DA PRIMAVERA COM POEMAS DE MÁRIO CESARINY do livro “Primavera Autónoma das Estradas" e de "A Porta do Labirinto" de MANUEL DANIEL -  Tudo começou com a recordação da visita que  Fernando Assis Pacheco, o poeta, jornalista e escritor, aqui fizera um mês antes da sua morte


Celebração do Solstício do Verão

Um dos objetivos destas nossas iniciativas, tem sido também prestarmos homenagem a  poetas e escritores: a ideia surgiu-nos na pedra, a que demos o nome de o Alltar dos Poetas, batizado com esta designação pelo facto de ali ter erguido os braços o poeta , escritor e jornalista, Fernando Assis Pacheco, um mês  antes da sua morte, no regresso a Lisboa, depois de ter ido ao vale do Côa a fazer uma reportagem para a revista Visão - 


Convidei-o a dar ali um asseio para visitar aquele local: nomeadamente a Pedra da Cabeleira e o Castro do Curral da Pedra: - também gostaria de o ter levado ao Castelo Velho, Cova da Moura e fazer uma incursão por outros locais do maciço dos Tambores, onde há muita curiosidade para ver, mas a o fim da tarde desse dia, galopava e ele ainda tinha pela frente uma viagem muito longa. Mesmo assim, ainda deambulou por ali um bocado: ao retomarmos o caminho de regresso, sugeri-lhe para se despedir com um breve ritual, subindo para uma pedra, que parecia mesmo talhada para altar e ali prenunciar umas palavrinhas, que eu lhe transmitira, voltando-se ao mesmo tempo para todos os quadrantes: assim fez, partindo dali radiante e entusiasmado pelos agradáveis e reconfortantes mementos que ali passou – Mas, pelos vistos, naquele dia, o gesto acabaria pro ser premonitório, dado ter falecido um mês depois.


Em sua homenagem, e em sua memória, a pedra passou a ter um significado especial  - Precisamente, no mesmo dia em que tomei conhecimento da sua morte, gravaria as iniciais do seu nome, entre um pequeno triangulo – Pois tem sido, nessa pedra - especialmente na celebração do solstício do Verão,  - que  se têm recordado e prestado várias homenagens  - No entanto, também o fazemos na Pedra da Cabeleira de Nª Sra ou mesmo em ambos os locais, se o homenageado for vivo e estiver presente: - Entre outras figuras, foi o caso do poeta, Manuel Daniel, na pose da fotografia, com que aqui recordamos a sua presença – Por razões de saúde – particularmente da sua vista – tem podido ali voltar – Mas nós achamos que continua a ser merecedor da nossa distinção – Eis, pois, a razão pela qual, de vez em quando, ali gostamos de ler alguns do seus belos poemas, tal como hoje sucedeu, simultaneamente  com a leitura de alguns poema de Mário Cesariny, a que me referi noi post anterior.

MULTIFACETADA – ADVOGADO, POETA, ESCRITOR, DRAMATURGO E O HOMEM AO SERVIÇO DA CAUSA PÚBLICA

  Manuel Daniel, natural de Meda, figura bem conhecida e muito estimada no seu  concelho e de Vila Nova de Foz Côa, onde se fixou desde 1971, aliás, em toda a nossa região, é um amigo das celebrações dos Templos do Sol - Por várias vezes, nos deu a sua preciosa colaboração. E, quando não pode participar (por razões de saúde) há-de arranjar forma de nos estimular com as suas amistosas palavras, que muito lhe agradecemos 

Advogado, escritor, poeta, dramaturgo,  estudioso, um homem de cultura, tendo dedicado muitos anos da sua vida  à função pública e à  vida autárquica.  A par de vários livros de poesia, colaborações de artigos e poemas na imprensa regional e nacional, bem  como em jornais brasileiros,  prefácios e a coordenação em várias obras, é também autor de 40 peças de teatro, nomeadamente para crianças, 20 das quais ainda inéditas. Muitos dos seus poemas foram lidos por Carmem Dolores e Manuel Lereno, aos microfones da extinta Emissora Nacional, em “ Música e Sonho”,  de autoria de Miguel Trigueiros – Considerado, na época, o programa radiofónico mais prestigiado  - Mesmo assim objeto de exame censório, tal como atestam os arquivos.
Mas não menos relevantes são as letras que vêm a ser musicadas e gravadas  em discos e cassetes -   Interpretadas por  Ramiro Marques, em EP nas canções   “Amor de Mãe” e “Amor de Pai”, pela Imavox, em 1974 – E, também, anos mais tarde, as letras para um “Missa da Paz” e coletâneas temáticas sobre “Natal e Avós” E, com  música de Carlos Pedro, as “Bolas de Sabão”, “Ciganos”, “Silêncio” e outros poemas.

 O HOMEM PERANTE O UNIVERSO

“No fundo, com tudo isto, nós queremos interrogar o Universo para saber quem somos e o que fazemos aqui. Em todo este esforço à volta da contemplação do sol, do fenómeno da vida e dos movimentos dos astros, em tudo isto há uma interrogação latente: que é o homem que se está a perguntar a si mesmo, quem é ele e o que faz sobre a terra. Queremos saber através destas celebrações, ainda que o não pensemos, a nossa total identidade"  - Palavas de do poeta  Manuel Pires Daniel, pronunciadas na celebração do solstício do Verão, em 2011

OBRIGADO PELO SEU CALOROSO POEMA E POR ESTAS SUAS PALAVRAS AMIGAS.

"Nos dias de Equinócio ou de Solstício, tenho sempre uma lembrança especial da sua pessoa, pelo exemplo que resuma do seu esforço no sentido de valorizar o observatório milenar que descobriu e vai revelando persistentemente no Santuário Rupestre dos Tambores, nas Chãs.

Lamento não possuir capacidade visual para poder acompanhar as suas iniciativas, e não deixo de me sentir reconhecido pelo trabalho que vem desenvolvendo por um importante valor histórico das nossas terras.

A HOMENAGEM A MÁRIO CESARINY -  FOI TAMBÉM O TRIBUTO A UM BOM AMIGO

Jorge Trabulo Marques - Mário Cesariny

Tive oportunidade de ser amigo de Mário Cesariny de Vasconcelos, de ter partilhado com ele variadíssimos e inesquecíveis momentos de agradável convívio; daí o duplo prazer, quer pela admiração da sua personagem como da sua obra, com que, juntamente com o poeta Manuel Daniel,  associámos a  poesia de ambos à celebração do Equinócio da Primavera

"Passados dez anos, sobre a sua morte - "é uma voz que ainda ecoa" e o seu surrealismo uma revolta que ainda não perdeu o sentido”  - Entre os amigos mais chegados, a sua presença continua tão forte quanto antes. Como naqueles tempos passados em redor de uma mesa de café a falar de literatura, de política, de arte, de tudo. Sempre certeiro, Cesariny chegava e com uma palavra era capaz de mudar a temperatura de uma sala, sobretudo de pensar fora da caixa porque ele nunca soube o que era estar dentro dela.

Isso — essa ânsia de liberdade noutro Portugal — trouxe-lhe muitos problemas, mas também fez com que se tornasse autor de uma das obras mais importantes do modernismo português. E não só literário, mas também pictórico. Porque a poesia e a pintura andaram sempre de mãos dadas com Cesariny — faziam parte dele. E assim diz quem o conheceu” - .Diz num interessante artigo, Rita Cipriano, publicado no Observador – Do qual extraímos este breve exerto.


Em Junho, noutro dos calendários pré-históricos, celebrámos o Solstício do Verão 



 Registo de véspera  - Ao nascer do Sol, em  Stnohenge - Ao pôr do Sol - Nos Tambores


De cor e salteado, é o tema da exposição, recentemente inaugurada no Centro Cultural de Belém (CCB), que vai estar ali patente um ano para recuar aos dez anos que passaram sobre a morte de um dos maiores experimentalistas do surrealismo português, desde a pintura à poesia e à música, mas também à sua singular maneira de ser  - Que é justamente o que mais me apraz recordar dos variadíssimos momentos em que tive o prazer de  conviver com o autor do Corpo Visível; Manual de PrestidigitaçãoPena Capital Primavera Autónoma das Estradas, O Virgem NegraMãos na Água a Cabeça no Mar; A alma e o mundo;
Nobilíssima Visão; Um Auto para Jerusalém, entre outros títulos poéticos

A importante exposição, composta por um acervo  de 30 obras de sua autoria, cedidas da coleção da  Fundação Cupertino de Miranda, a instituição mais representativa do surrealismo português

No próximo dia 25, no dia Mundial da Poesia, vai ter um destaque especial, com uma série de evocações do autor, incluindo a estreia mundial de uma composição de Christopher Bochmann feita a partir dos seus versos e uma maratona de leituras "por diferentes personalidades". A instalação vídeo Poema Colagem – Homenagem a Mário Cesariny, o documentário de Miguel Gonçalves Mendes sobre o artista, Autografia, que recentemente regressou às salas em versão restaurada, e uma conversa sobre o artista também integram o tributo, de entrada gratuita.- Refere o Jornal Público, Um ano para lembrar os dez que já passámos sem Mário Cesariny , que, na opinião do organizador da exposição, José Manuel dos Santos, director cultural da Fundação EDP, Mário de Cesariny está sempre a ser descoberto e que, por isso, continua vivíssimo": "

Mário Cesariny era único em tudo, inimitável e inigualável – A personalidade dos santos e os heróis não é  fácil de compreender pelo comum dos mortais, porém, Cesariny nem era uma coisa nem outra – Mas assumidamente  espontâneo e natural,  excecional e conscientemente artista, deliberadamente libertário,  contestatário à ditadura salazarista, corajosa e desinibidamente homossexual. Nunca se coligou a qualquer partido senão a dar expressão aos ideais do manifesto surrealista André Breton,   um dos seus mestres da Académie de la Grande Chaumière, em Paris, “cuja influência o levaria a participar na criação, no mesmo ano, do Grupo Surrealista de Lisboa, juntamente com figuras como António Pedro, José Augusto França, Cândido Costa Pinto, Vespeira, João Moniz Pereira e Alexandre O´Neill, que reuniam na Pastelaria Mexicana. Este grupo surgiu como forma de protesto libertário contra o regime salazarista e contra o neo-realismo”

Não se importando, pois, de estar-se nas tintas, de fazer tábua rasa das ficções sociais burguesas e dos seus hipócritas bons costumes, tendo chegado a ser preso e perseguido, quer em Portugal, quer mesmo na conservadora Inglaterra, com humilhantes apresentações e interrogatórios por não abdicar  da sua liberdade do pensamento das suas ideias,   sensibilidade artística e genuína humana e maneira de ser

CESARINY ADMIRAVA O ESPÍRITO AVENTUREIRO DAS MINHAS ARRISCADAS TRAVESSIAS EM FRÁGEIS PIROGAS E EU ADMIRAVA-O POR SER UM POETA DE CORPO E ESPÍRITO INTEIRO - http://www.odisseiasnosmares.com/2012/10/28-dia-grandes-vagas-alterosas-entravam.html

E também apreciava os meus apontamentos insólitos de reportagens e entrevistas na extinta Rádio Comercial RDP - Um dia haveria de ser ele a substituir o repórter com a empregada de Natália Correia, deslindando segredos, de almoços e jantares, no lendário Botequim e em sua casa e outras revelações  - Quem haveria de imaginar tão inesperado acaso!


Mário Cesariny – Diálogo surrealista, 1991  - com a criada cabo-verdiana, da poetiza Natália Correia, em noite das marchas de Santo António, sobre ratos e ratazanas que comem mãozinha de criancinhas e outras surpreendes revelações  - Em memórias de um repórter -  Ao lado do poeta e pintor, e na mira do apontamento espontâneo de reportagens para Rádio Comercial, quando questionava algumas das pessoas que assistiam ao desfile, eis que surge o diálogo mais inesperado e insólito, que ali poderia esperar.

Tenho no meu vasto arquivo de repórter da rádio, muitos registos da sua voz: quer de algumas tertúlias poéticas onde participou, quer   de quando nos cruzávamos nalgumas das ruas ou espaços que ele mais frequentava: - pois, além das entrevistas às mais diferentes personalidades, uma parte dos meus trabalhos  eram baseados em registos de rua e casuais, de coisas do arco da velha, em direto ou gravados, de todo o tipo; desde assassinos, a prostituíras, rufias, drogados, marginais, gente conhecida ou anónima, dava-me gosto ir ao encontro do palpitar do coração da cidade, fosse de dia ou de noite. Hoje,  a rádio,  dispersa-se em mil frequentes, já não dispõe dos grandes auditórios dos anos de oiro da rádio, os seus realizadores imitam-se e repetem-se, como gira-discos e só servem para enfastiar o ouvinte com carradas de anúncios, música barulhenta e enfadonhas conversas da treta.


Mário Cesariny, conhecendo bem as minhas andanças,   sabendo que, no saco do repórter, havia sempre um gravador pronto a  premir a tecla para acionar o movimento da cassete de gravação,  por vezes, era ele mesmo, que  quando nos cruzávamos,  se o apanhasse em  pleno desvario poético, me perguntava: “Olá Jorge!... Trazes aí contigo a maquineta?”... – Claro que, mal descobria o seu perfil, à distância, era o gesto de que imediatamente me preparava para tomar: – E, sem mais delongas,  ali estava o poema, acabado de criar, vertido como se naquele momento lhe estivesse a jorrar da mais  cristalina fonte e da encosta  do mais sublime ou auspicioso  monte.

Ele concedia-me esse privilégio, não porque estivesse a pensar na forma de promover os seus versos, visto essa questão há muito estar ultrapassada, pois, a bem dizer,  Cesariny, quando nasceu, já devia vir  com o rótulo dos predestinados, além de que também não precisava de correr atrás da imprensa, nem o desejava nem era esse o seu gosto.  Fazia-o, por um lado,  porque me considerava seu amigo, e, por outro, porque, sendo também uma pessoa afável, simpática e dialogante - que gostava de dizer os seus poemas, como se cada verso lhe saísse do mais fundo das suas emoções ou cogitações, e não mercê de meras construções imaginativas de quem é muito letrado e até sabe fazer umas versalhadazecas  umas rimas ou coisas parecidas,  engraçadas ou intelectuais, que, mais das vezes ninguém entende – mas sobretudo, porque esse gesto também era surrealista, uma insólita forma de expressão artística.

Nesse aspeto, ele não fazia concessões – Sim, o gosto  de  surpreender e ser-se surpreendido, um ato poético,  artístico e espontâneo,  por aquilo que fazia e criava – Cesariny era avesso às entrevistas combinadas mas adepto e apaixonado do diálogo informal e espontâneo. E até sucedia, por vezes, que, ao cruzar-me com ele na rua, ao perguntar-lhe se  me podia dizer alguns versos para o meu gravador, me respondia: “desculpa, Jorge; mas neste momento não ando com versos na cabeça, não posso perder tempo contigo:

- Não vês, além aquele magala, tão jeitoso! …Vou ver se o engato!”…Agora não posso falar contigo…  E lá ia à sua vida…De cabeça erguida, de quem não deve, não teme; enfiado na sua gabardine… Qual andorinha apeada, mais parecendo levitar de que andar.


Conheci-o, casualmente, pela primeira vez, nos finais dos anos 70, numa discoteca Gay, no Príncipe Real, denominada Rokambole, próximo da  Faculdade de Ciências– Tinha ali ido fazer uma reportagem para a Rádio Comercial sobre a estreia de um espetáculo de travesti, e, enquanto assistia às hilariantes pantominas  dos atores, quis um feliz caso que estivesse sentado no mesmo sofá ao seu lado: às tantas, e,  como nestes ambientes informais e descontraídos, quando as pessoas estão sentadas lado a lado, o diálogo geralmente acontece, sou eu que, lhe lanço esta pergunta:

  Por caso, o Sr. não é poeta? -  Ele sorri e responde que sim, mas não disse mais nada nem eu insisti – Isto pelo facto de ter observado,   na sua maneira de falar, simples, espontânea, no relacionamento  com outra pessoa, da sua idade, sentada do seu lado direito (mais tarde vim a saber que era o pintor Francisco Relógio)  com a qual de vez em quando iam trocando umas palavras, porém,  sem qualquer tipo de afetação na voz ou nos gestos, ao contrário  de outras pessoas, que por ali conviviam e se divertiam, Porém, como é sabido, no rosto dos espíritos iluminados, o silêncio também fala. E eu quando andava em reportagem, olhava as pessoas, com olhos de ver, procurava eventuais motivos de curiosidade para apresentar no programa em que participava – Pois, tal como me confessara, mais tarde, o pintor, Carlos Botelho, em sua casa: vocês,  repórteres, devem ter muito que trabalhar para alimentar uma bocarra, tão grande, como é a da rádio – Sim, no tempo em que fazer rádio, não era só no estúdio mas ir ao encontro das pessoas e dos acontecimentos.

 A mesma dificuldade  me reconheceria também, António Ramos Rosa, outro grande poeta, que, depois de o ter visitado numa enfermaria de um hospital, pela primeira vez,  me receberia muitas vezes em sua casa, tendo, a partir de certa altura, não apenas tido o  prazer de conviver com ele e com a sua esposa, Agripina Costa Marques,  mas também para lhe registar algum poema, acabado de criar ou mesmo de levar o  original para minha casa para lho depois lho entregar em letra de forma: pois, houve uma altura, na sua vida, em que, devido a problemas de saúde, escrevia com alguma dificuldade, com gatafunhos, quase indecifráveis e, mesmo o que batia à máquina de escrever, necessitava de melhor apresentação: os versos saiam-lhe espontaneamente, até de uma simples palavra, que eu próprio pronunciasse,,  a sua poesia era de emoções, que faziam pensar mas dir-se-ia que não era pensada mas sim vertida de uma mente, fermentada e fecundada de múltiplos e profundos pensamentos,  talvez mesmo em permanente estado de ebulição ou delírio . Bom, mas neste momento, eu estou agora a lembrar a memória de Mário Cesariny

 Referindo-me aquele silêncio de Cesriny quando lhe perguntara se não era poeta,  àquela ausência de resposta à sua identificação, na verdade, tal episódio, deixou-me, de algum modo intrigado, pelo que fiquei sempre com aquela curiosidade em saber quem era  aquela figura franzina, graciosa e fantasiosa, mas ao mesmo tempo com expressão muito concentrada e  enigmática, com um rosto ascético de intelectual e de sonhador, que de vez em quando apertava os dedos alongados entre umas mãos finas de mulher ou de artista  mas que correspondia com afabilidade e simpatia  a quem se lhe dirigisse ou com quem falasse.  Sorrindo com frequência, mesmo quando depois se refugiava num ar mais ´serio.  Expressão esta que só depois lhe reconheceria, claramente. 


Jorge Trabulo Marques - Mário Cesariny
 Sim, só mais tarde, é, que, ao  ver a sua fotografia estampada num jornal, a propósito da sua poesia, pude associar  aquela figura franzina e misteriosa à do poeta Mário Cesariny – 

Naquela altura, eu conhecia mal os poetas e escritores portugueses de vista, uma vez ter passado 12 anos fora de Portugal. Por isso, quando,  um dia, ao fim da tarde,  ao  cruzar-me com ele à saída do metro nos Restauradores  -  donde pretendia caminhar  até lá cima ao Marquês de Pombal e dali dirigir-me à Rádio Comercial-RDP, na mira de registar alguns apontamentos de reportagem  (naquele tempo ainda trabalhava a recibo verde), é que não resisti a cumprimenta-lo, dizendo-lhe: “Já sei que é o poeta Mário Cesariny!- Ele corresponde-me com um amável sorriso, com uma pergunta: então e onde vai?... Vou para a Rádio Comercial!” – Falámos uns breves momentos, dizendo-lhe que um dia gostaria de lhe gravar alguns poemas e de conversar consigo. E, na verdade, muitas haveriam de ser as vezes que nos encontramos; em cafés ou numa das esplanadas dos restauradores, onde também gostava de se sentar, sim, em variadíssimas circunstâncias, tendo mesmo chegado a convidar-me a visitar a sua oficina e a conhecer as suas irmãs, em sua casa.

Naturalmente que não o posso esquecer: aquele rosto que   infundia uma natural empatia, porque, na sua maneira de ser, que lhe era genuína e inata,  naquela sua expressão de vagabundo sorridente e incorrigível  - misto de fina sensibilidade, ironia, cultura e afabilidade, não morava a hipocrisia  - -

 Em Cesariny,  tanto no poeta como no pintor,  não havia fingimento ou artificialismos imaginativos  mas espontaneidade, uma constante ânsia de revelação, um profundo sentimento de liberdade, de espírito de descoberta de fantasia ou do insólito,  de transgressão à vulgaridade, tal como as crianças olham as estrelas, estendendo a mão para lhe tocar, também em Cesariny havia como que o desejo de as poder alcançar, buscando e amando os aspetos mais sedutores, contrastantes  e misteriosos da vida, tanto nas criaturas humanas como no ambiente que o rodeava.

No dia seguinte à sua morte, ainda sob a emoção da sua partida para a eternidade, não resisti a escrever uns verso de invocação e já de saudade, que publiquei num poste de outro dos meus sites, em Templos do Sol, do qual aqui transcrevo esta passagem, a que dei o título de 

 Os poetas não morrem! – E   Cesariny é um deles!... Ler em os poetas não morrem... mário cesariny - é um deles! 

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