"Luís Pereira de Sousa,
conhecido jornalista, com mais de 4 décadas de atividade, na Rádio, na
Imprensa, no Cinema e na Televisão, apresenta-nos o seu primeiro livro.
Intransigente consigo e com os outros, procura neste romance oferecer ao leitor
uma imagem fiel, ora bem humorada, ora chocante até, dos dias em que viveu
intensamente e conheceu a sociedade marginal, os bastidores da política e da
comunicação social."
“Uma obra de arte não
coincide exactamente com a vida de quem a faz. Mas coincide no essencial. Isso,
aliás, acontece em qualquer vida” – Diz Vergilio Ferreira, na sua “Conta-Corrente,
de 1982-1984” – Pois, na verdade, muitos dos leitores, quando leem um livro, de
que gostam, uma das interrogações que colocam a si próprios, é procurarem saber
se o que está escrito nas páginas do romance corresponde à vida do autor ou têm
algum fundo de realidade – Esta também foi a pergunta que procurei fazer ao ler
o “Pânico à Beira-Mar, de Luís Pereira de Sousa, meu grande amigo e
companheiro, desde as lides na Rádio Comercial, através do qual pude voltar ao
trabalho radiofónico, depois de quatro anos no Emissor Regional de São Tomé e Príncipe,
da ex-E.N., com quem tive o grato prazer de participar num dos programas mais
populares da Rádio em Portugal.
MAS DEIXEMOS A RESPOSTA AO
AUTOR
Ao perguntar ao autor se esta
história é baseada em factos e personagens reais ele responde que sim, mas se
lhe perguntar se se inspirou em pessoas fictícias dirá que também. É afinal,
como tudo na vida; a realidade termina quando começa a ficção e vice – versa.
Em cada linha há uma parte
ditada por emoções, sensações e imagens concretas e palpáveis, mas também
a outra onde a imaginação camuflou, pintou de outra cor, deu ou retirou o
brilho inoportuno de uma realidade comprometedora que deve ser usada
noutro local e momento, mas que não tardará a emergir.
O autor auscultou – se no
despiste de uma doença que alastra e que, quando detectada, comodamente é
diagnosticada como o “conspiracionismo”.
Nos finais do séculos XX e já
no XXI muitos, sobretudo escritores e jornalistas, foram apontados como
afectados pela “teoria da conspiração”. Mencionados de forma depreciativa com o
objectivo de os desacreditar, ridicularizados, como se defendessem convicções
estranhas e falsas, têm visto na actualidade, mercê da proliferação dos meios e
das informações, muitas das suspeitas aventadas tornarem – se realidades que a
todos surpreendem.
Não basta ler. Mais
importante que ler é o que se lê, porque mais ágil que a inteligência que tem
limites é a estupidez ilimitada. Enquanto a primeira é condicionada, a segunda
é promovida e programada
UMA VENTURA LITERÁRIA A QUE O
AUTOR DESTE SITE NÃO PODIA FICAR INDIFERENTE
Como não podia deixar de ser,
estive presente no lançamento desta sua primeira aventura literária, na Casa da
Imprensa – e creia o leitor que é realmente uma magnífica aventura solitária,
pois, embora com a costa quase sempre à vista, tem muito de mar: desde conspirações, bombardeamentos,
coisas de que tanto se fala e preocupam a grande maioria dos cidadãos, a lindas histórias amorosas; – pois bem, era
impensável que não o acompanhasse nesta sua nova odisseia, pelo que voltei a
encontrar-me com ele, recentemente, aquando da apresentação da referida obra na
FNAC do CHOPPING CASCAIS –E, para minha agradável
surpresa, com a sábia leitura e análise
do grande jornalista, ensaísta, dramaturgo, notável escritor, Artur Portela
Filho. De resto, é o próprio Luís Pereira de Sousa, a referir-se, com palavras
amigas e de reconhecimento, e por várias vezes, no seu blogue pedeleke, numa
das quais preocupado com o atraso na distribuição mas que, finalmente, já
ultrapassou esse escolho.
ARTUR PORTELA FILHO NA APRESENTAÇÃO
"O Artur
Portela escreveu - me. Verdade é que eu lhe devia uma palavra. Fez uma
inteligente palestra sobre o jornalismo e a literatura no lançamento do Pânico
à Beira Mar na Casa da Imprensa e foi dos poucos colegas de profissão a
mostrarem agrado pelo meu atrevimento. Independência? Elevação espírito? Não apenas.
Camaradagem, mas também respeito pelo trabalho dos outros. Estarei eternamente
grato a este ímpar homem dos jornais e das letras. OLÁ ARTUR. | pedeleke,
“Portela deu uma autêntica lição sobre as proximidades do jornalista e do escritor, não se esquecendo de citar a exemplo do autor presente, outros como Eça de Queiroz e Hemingway. Só quem não conhece o criador do famoso Jornal Novo e da Funda é que podia acreditar na razoabilidade do exemplo. Ainda fiquei a pensar se ele lera o livro, mas afinal ele citara – me passagens dispersas que provavam que o lera e com interesse. Isso bastaria para mim. A auto - critica é como a dor de dentes ; nem sempre passa só com ..
NÃO É UM LIVRO QUALQUER - Alguns excertos
….eliminara
uma planta assassina e usurpadora de espaço e vidas. Agora, o pinheiro voltaria
a respirar e a ser palco de concertos, rituais da variada fauna de aves da
região, particularmente arborizada e ponto estratégico das migrações que ele
espreitava maravilhado no decorrer das estações do ano, desde as migrações do vulgar
pardal às andorinhas, rolas, pombos, corujas, falcões peregrinos, saca-rabos ou
pica-paus malhados, sem esquecer os numerosos melros que aí faziam ninho. sorriu
ao recordar aquela manhã em que vestiu a pele de um Robim dos Bosques virado
para questões paisagistas. Matou para salvar os pinheiros que agora voltavam a
mostrar o seu perfil em direcção ao sol, o qual já se tinha escondido
discretamente nesse fim de tarde de
recordações.
Garcez era um jovem protótipo de uma classe
de homens em clara ascensão, numa sociedade onde a militância partidária
abafava os hábitos tradicionais impostos até aqui por um sistema rígido e
conservador e com um tipo de elitismo assente na família e no poder material.
As suas qualidades impunham-no naturalmente. era seleccionador nos interesses e
pessoas. Dava sempre prioridade à manobra discreta. não era vocacionado para o
trabalho propriamente dito. Preferia montar e desmontar esquemas, juntar interesses
e dinamizar situações. era um perfeito relações Públicas a que aliava a elevada
capacidade de fomentar acções esquematizadas até ao ínfimo pormenor. João
Garcez de Fonseca, nos seus trinta e sete anos, era aquilo a que se pode chamar
um homem para viver sem muito trabalho mas com o sucesso garantido. Era alto,
de porte atlético e farta cabeleira, o que o fazia parecer um manequim. em
qualquer circunstância, procurava uma pose com a naturalidade de um Setter irlandês. Desde as unhas aos
cabelos escrupulosamente cuidados e alinhados como usavam os galãs do início de
século, gastava tanto o encanto como cartões-de-visita.
Com
minúcia, cuidava da escolha do vestuário que invariavelmente adquiria na
capital francesa, para ele, a capital da moda. Ao perguntar-se aos homens o que
é que Garcez
tinha em especial, estes diriam que era simpático e os mais invejosos
chamar-lhe-iam vaidoso. As mulheres diriam que ele teria qualquer coisa mais.
Talvez, um
discreto
charme, quando o charme dele era tudo menos discreto. não havia inauguração de
discoteca, hotel ou evento social a que faltasse e, com frequência, aparecia
nas
revistas da high society,
consumidas essencialmente pela parte da população menos culta e menos
esclarecida.
Também
surgia nos programas de grande audiência da TV sem ser figura principal mas
inserido em equipas ou grupos de diversão. simpático e comunicativo, facilmente
atingia os fins que lhe acudiam à vontade, fosse ele convencer um polícia a
permitir um estacionamento irregular ou um administrador a facilitar uma
qualquer transacção ou favor. essa experiência tivera-a ao namorar, ao entrar
no mundo dos negócios e ao subir nos escalões da sociedade. refinara-se nestas
subtilezas. O curso de engenharia, tirado no instituto superior Técnico em
Lisboa, fora acompanhado e facilitado pela militância no Partido. Ajudara o
Partido a ascender à governação, ao mesmo tempo que multiplicara, de uma forma consciente
e organizada, o contacto com aqueles que lhe
pareciam
vir a ser os líderes do futuro em Portugal. Não fora fácil essa ascensão.
Participara desde o início da revolução na organização de manifestações, desde
a
colocação
de cartazes à minuciosa desmontagem de iniciativas contrárias, especialmente as
de origem comunista que urgia estrangular. A dedicação valera-lhe a
admiração no Partido e até a oferta de cargos que o compensariam largamente.
Com
a conquista do Governo, o seu partido político continuou o que outros haviam
feito dentro dos seus limites ou capacidades. Como se o mérito fosse de aquisição
automática, passou a pertencer ao grupo dos homens mais astutos, prontos a
dinamizar o país. Em todas as frentes ocupavam os melhores postos e, pela sua rede
de interesses, facilmente aceleravam a construção de auto-estradas, pontes,
viadutos, a criação de empreendimentos hoteleiros, marinas, bairros
residenciais, bairros
sociais, estabelecimentos de ensino, instalação de fábricas estrangeiras,
desenvolvimento tecnológico e também, num eficaz complemento de actividades, forneciam
garantias às representações do que de mais avançado se produzia no estrangeiro
desde medicamentos à produção alimentar, a que ficavam económica e politicamente
ligados. Além disto, avançavam em força para a Administração Pública empresas
de capitais do estado e até privadas, as quais, por trocas de favores, ocupavam os
melhores e mais bem remunerados postos desde os de dministração, Gestão,
Direcção, ou mais discretos, os de Consultadoria. era um autêntico exército a
colocar-se nos pontos fulcrais de modo a garantir a sua logística e defesa. A
técnica havia sido apurada ao longo de décadas.
Desenvolveram
até hábeis processos de vencer adjudicações públicas para aquisição de bens ou
de obras e empreendimentos envolvendo um perfeito casamento entre
interesses públicos e privados, sempre com a ideia de esvaziar o estado e
encher os cofres de meia dúzia de famílias por si só já endinheiradas e,
necessariamente, os dos seus apaniguados. estavam em todas as manobras comerciais
que, com discrição, redundavam em substanciais vantagens para os da mesma cor
política. seguindo as normas de actuação partidária, o Governo e as autarquias
ajudavam e esses patrocinadores de retaguarda sustentavam-nos em qualquer
oportunidade, muito especialmente em tempos eleitorais. era nesse xadrez que
Garcez gostava de actuar. inteligente e com empatia, chegava onde pretendia.
Fora assim que iniciara a sua carreira. o baptismo envolveu-o na construção da Barragem
do Falsete, um empreendimento entregue à PLV, uma organização com capitais
árabes sedeada na Bélgica.
Nucha, depois daquele acaso na Baixa de
Lisboa que a levara a assistir a uma sessão da “igreja Pentecostal: Deus é
Amor”, passou de imediato ao ataque. Mandou vir livros dos estados unidos sobre
a recuperação dos traumatizados do pós-Vietname, que aí
foram
aos milhares, e adquiriu toda a leitura possível sobre como compensar a
violência da guerra. Procurou a antiga colega de liceu, a Dr.ª Floribela, uma
amiga psicóloga. Fervorosa adepta do livro Homens de Marte e
Mulheres de Vénus de um
psicólogo e filósofo canadiano que, no dizer da crítica, é um catastrofista,
mas para ela era um realista, um guru da psicologia dos casais. A amiga Flô não
exercia, porque achava que o “stand up”
seria uma forma inovadora de comunicar os seus conhecimentos, já que,
infelizmente, também ela não fora feliz nos casamentos, por isso tanto se
preocupava com a falta de harmonia nos casais, segundo ela, a principal causa
da infelicidade da humanidade. entrava em programas de TV e espectáculos ao
vivo com assinalado
êxito,
obtendo o que precisava: ser ouvida e ganhar dinheiro. Do proveitoso encontro,
surgiu o reatar de uma antiga amizade com alterações no “modus vivendi” da decoradora e do
piloto. nucha teve então oportunidade de também ela vasculhar a última palavra
em Psicologia nas revistas Psycohological Sience, Soc Cognitive and Affective Neuroscences e até o Journal of Biological Life que lhe foram formatando o saber
e a imaginação e a outra lhe emprestara com a promessa de devolução. Mas,
nucha, a esposa do paciente, também se sentia de forma estranha, marcada por
sombras e rituais estranhos e perturbadores. Acontece que quando tinha dez anos
e regressara de África com os pais por motivos da descolonização portuguesa,
permanecera uns tempos de passagem no Congo onde ficara sensibilizada por imagens
aterradoras do artesanato da região. os rostos indígenas desfigurados em
expressão de sofrimento, reflectindo a ancestralidade da religião local,
causaram--lhe então alguns pesadelos e depois pontuais recordações penosas que
enformaram a sua visão da humanidade e da vida. Assim, para ela, o mundo propõe
ao homem duas idas: uma terrena e outra
para além da morte. Depois da vida, os mortos não estão mortos, mas passam a
existir numa outra dimensão que lhes permite interferir na vida terrena por
diversas formas. Anos volvidos, as mortes em Angola de que fora ingénua
testemunha acicataram o sentimento de recusa e medo da guerra e da morte, passando
a admitir que contra essa recusa haveria fórmulas ao seu alcance. Foi então que
a palavra ‘amor’ passou a ser usada a todo o momento por nucha. Concluiu, com
os seus empenhados estudos e consultas, que a violência da vida de um militar
só pode ser compensada com um ambiente completamente diferente e oposto onde se observem actos de amor,
ternura e até um certo encantamento envolvente que inclua os prazeres da vida,
tais como os de ter dinheiro e consequentes gozos além do comer e do sexo.
Bastaria
uma baleia, um tronco de árvore ou um contentor atravessar-se na sua proa para,
num ápice, submergir, sem poder lançar a balsa, nem chegar a algum lado
via-rádio. Lançar o Epirb (identificador
sos via- -satélite) de nada serviria. Foi buscar ideias mais felizes.
Quando
avistasse África, abriria uma das duas garrafas que há tantos anos guardava
para um momento especial. o facto de já
há dias não ter dormido provocou--lhe um estranho estado de espírito: durante a
noite, apesar de navegar a dezenas de milhas da costa, de vez em quando,
parecia ver no negrume total, rochas monstruosas contra as quais o Siroco colidiria nos segundos
próximos. Gritava, corria para a proa e só depois de acalmar, se apercebia de
que era apenas uma alucinação provocada pelo cansaço.
Descia
à mesa das cartas e assegurava-se na carta e no plotter de que estava longe de qualquer obstáculo natural
ou artificial. Acabou por adormecer no camarotea ver a água a lamber-lhe
incansavelmente a vigia do lado de fora.
Assim,
aprendera não só a dominar os elementos mas também a si próprio, o que não era
menos importante.
Quando
apontou mais no sentido sul, colocou a vela grande e a genoa em borboleta, de
forma a aproveitar o vento que passou a entrar pela popa. era uma navegação
mais cómoda e rápida, apesar de mais perigosa, porque as duas velas do mastro
grande, em bordos diferentes, tinham de estar fortemente caçadas e eram objecto
de grande impacto. à menor cambadela tudo podia acontecer até partir o mastro
ou romper as velas. Fixou-se ao leme, sempre atento a qualquer movimento
desarticulado, mas horas passadas concluiu que seria preferível, apesar de
demorar mais tempo, fazer uma longa triangulação e entrar pelo Atlântico
adentro, até poder mudar novamente de rumo e apontar definitivamente ao
arquipélago. não tocaria na Madeira nem nas Canárias, mas se os ventos
continuassem favoráveis aproveitaria as correntes que há mais de quinhentos
anos empurraram os portugueses a ultrapassar o Bojador e então, sim, com a
costa de África do bom lado ou seja de bombordo, chegaria a Cabo Verde. Sabia também
que o dito cabo fora conhecido pelo Cabo do Medo, porque muitas foram as
caravelas que aí naufragaram. Aí, são frequentes os ventos fortes e as ondas
alterosas, porque os ventos do deserto do saara terão lançado permanentemente,
durante milhares de anos, areias que originaram, em alto mar, recifes pontiagudos
e zonas a três milhas apenas do Cabo com menos de dois metros de altura. seria
um sério desafio, mas tal como em 1434, Gil Eanes, o primeiro navegador português
a dominá-lo, tinha a mesma estratégia: ao chegar às proximidades do Cabo do
Medo, afastar-se-ia umas dez milhas para oeste e a seguir ultrapassaria o fatídico
Cabo do Medo e rumaria a sul, mas longe, muito longe ainda do também lendário
Cabo da Boa Esperança. - Excerto de Pânico à Beira-Mar
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