Jorge Trabulo Marques - Jornalista, ex-navegador solitário e escalador
Pico Cão Grande em S. Tomé- A conquista inesquecível do pico mais aprumo da Terra, o emblemático símbolo basáltico de quem visita o sul desta maravilhosa Ilha, o mais atraente ícone do ecoturismo africano. que a minha equipa conquistou, pela primeira vez, em 12 de Outubro de 1975, depois de sucessivas tentativas, ao longo de quase cinco anos.

Pessoalmente, pude sentir o grande prazer – misto de glória, apreensão e receio – de, com o Cosme Pires dos Santos (mas também graças ao apoio do Constantino Bragança e dos meus guias, do Sebastião e do Chico), desfraldarmos, no topo do seu cume, a 663 metros de altura acima do nível do mar a Bandeira Nacional de São Tomé e Príncipe, depois de nas sucessivas escaladas, antes da Independência, termos erguido a Bandeira Portuguesa, trepando as suas vertiginosas faces, que se erguem aprumo no mais denso manto da selva verde. De sermos os primeiros seres humanos - pois há aves que lá nidificam – a pisar as rochas da sua monumental crista!Que se ergue no coração da floresta equatorial, área integrada no Parque Natural Obô, com mais de 700 espécies de plantas e 143 tipos diferentes de aves

Já lá vão 50 anos todavia as memórias, permanecem ainda hoje tão vivas, tão vibrantes, como se o tivesse acabado de escalar – O que parecia custar aceitar era o não reencontro, a não partilha dessas mesmas emoções, com o valoroso Pires dos Santos – Mas, felizmente quis o destino que, finalmente, na tarde de 5 de Agosto, 2015, nos reencontrássemos, num abraço fraternal e amigo na companhia da sua mulher, e dois dos seus irmãos e do jornalista Adilson Castro.- Cão grande não é Pico! É cabeça de bicho, senhor!...Quem subir ele, morre ou então tem poder no seu corpo!...
Estas algumas das afirmações que, por várias vezes, ouvi de velhos angolares (autóctones de uma conhecida etnia fixada ao sul de S. Tomé), entre outras histórias de feitiços e de homens gabões; designação dada aos trabalhadores das roças, vindas de outras colónias, em situação de degredo ou sujeitos a contratos miseráveis, que preferiam o refúgio do interior do espesso obó ao regime brutal e de semiescravidão em que prestavam serviços nas grandes propriedades agrícolas, acabando, enfim, por ali viverem no mais completo abandono e isolamento, decididamente arredados de tudo e de todos, já que a própria condição insular do meio não lhes permitia outra alternativa.
É certo que nunca por lá se me depararam quaisquer desses homens de barbas até à cintura e com mais de trinta e tantos anos de mato, como por vezes me contavam. Mas acreditei que lá os houvesse, pois apercebi-me dos vestígios da sua presença, nomeadamente cabanas de folhagem e até de buracos nas rochas
. E, à noite, quando pernoitava, lá pelas alturas do Pico, também tive ocasião de ver pequenos clarões de fogueiras a refulgirem por entre o negrume espesso e rumorejante da floresta, donde, aliás, chegavam , simultaneamente, como que sussurros de vozes humanas, em jeito de cânticos ou monólogos em surdina, misturados com o vozear dos macacos e com outros sons característicos do obó, dando-me, por isso, a indicação segura por ali estariam acoitados alguns seres humanos

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