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sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Navegar sozinho, sem porto de abrigo, na solidão do mar e não desesperar

                                                                        Jorge Trabulo Marques


 A minha canoa mantém-se imperturbável...

Está totalmente alheia à grande incerteza
e aos muitos fantasmas que me povoam a alma...
À inquietude que absorve o meu coração.
E voga pelo negrume varrido da noite
como se nada tivesse a temer!...
É admirável a sua altiva galhardia!
Parece conduzida por uma estranha força
que a leva a um ponto preciso da vastidão!..

Mas, oh Deus! Eu queria dormir!...
Necessitava de descansar, adormecer!...
Cair em sono agora e acordar ao amanhecer!
Ser como o rude barqueiro,
que ao fim de uma longa jornada,
dura e sem descanso,
encosta o seu barco à margem e dorme...
embalado pelo sussurrar da ramagem que o envolve!...
Mas aqui, é o mar a bramar! a bramar!...
É o mar sem fim e sem fundo!...
Não há margens, nem portos de abrigo!..

É a noite eterna!... É um outro mundo!..

COMO TUDO COMEÇOU

S. Tomé – Nov. 1963 - A princípio fui para ali trabalhar numa roça mas comecei por não me adaptar, lá muito bem (…). Por força dessa minha inadaptação, o meu passa-tempo predileto, era então o mar...Praticamente, desde que ali desembarquei, vi nele uma espécie de refúgio. Qualquer coisa onde me sentia livre de todos os aborrecimentos. Um horizonte sempre aberto e imenso, que me abria as portas a uma incontível ânsia de ir mais além na procura de uma felicidade imaginária que naquele meio ambiente eu não encontrava.


Por isso, sempre que podia, frequentava as belas praias de São Tomé. Comecei por manter estreitos contactos com os pescadores, homens corajosos e simpáticos. Aprendi a equilibrar-me nas suas canoas, começando primeiro por dar pequenos passeios de praia em praia., até que por fim veio a paixão - E, a par disso, também outras interrogações: perguntava-lhes se já tinham ido de canoa à Ilha do Príncipe, respondiam-me que "só canoa de gente de feitiço" é que o tornado a levava ao Príncipe ou ao Gabão; "outra, vem gandú (tubarão), vira a canoa e come-lhe a perna" .

Achava que era uma superstição, sem fundamento e havia que desfazer esse fantasma: concluía que, se o tornado arrastava para lá a canoa, involuntariamente, também lá se podia ir por vontade própria. Face a essas lucubrações, comecei a pensar que, um dia, eu devia fazer-lhe essa demonstração - A par disso, questionava-me também sobre o seu passado longínquo: se não teria sido através das canoas que os seus ancestrais não teriam vindo do continente africano.

Viagem Clandestina ao Paraíso - São Tomé ao Príncipe, numa minúscula piroga- A 1ª das minhas aventuras marítimas - 3 dias - Na 2ª noite adormeci e voltou-se -Como prémio, oito dias nos calabouços da PIDE-DGS e uns valentes sopapos -

Cinco anos depois, numa piroga um pouco maior, fiz a ligação de São Tomé à Nigéria. Uma vez mais parti sem dar a conhecer os meus propósitos, ao começo da noite, servindo-me apenas de uma simples bússola. Ao cabo de 13 dias chegava a uma praia ao sul deste país africano, tendo sido detido durante 17 dias por suspeita de espionagem, após o que fui repatriado para Portugal. Os jornais nigerianos destacaram em primeira página o feito.

Os objetivos destas travessias visavam demonstrar a possibilidade de antigos povos africanos terem povoado as ilhas, situadas no Golfo da Guiné, muito antes dos outros navegadores ali terem chegado, contrariamente ao que defendem as teses coloniais, que dizem que as ilhas estavam completamente desabitadas. E a verdade é que, entretanto, já foram encontradas antigas cartas em arquivos, com nomes árabes que testemunham esses contactos. Contributos esses que, de modo algum, poderão pôr em causa o mérito dos ousados feitos dos navegadores portugueses.

TRAVESSIA PELA ROTA DOS ESCRAVOS - SÃO TOMÉ - BRASIL


Dois dias depois da independência de S. Tomé e Príncipe, e após a bem sucedida viagem clandestina à Nigéria, regressava de novo à minha maravilhosa Ilha, sem um tostão na algibeira. Mentalizara-me de que a travessia estava ao meu alcance, sabia que, se precisasse de socorro, ninguém me poderia valer. Não levava meios de comunicação com ninguém. Servia-me apenas de uma bússola, orientava-me pelo sol e pelas estrelas. Mas era assim que se enquadravam os propósitos dessa minha aventura. Os primeiros povoadores das ilhas, também se orientavam como as aves. E eu achava que valia a pena correr todos os riscos. Nada podia demover-me da minha determinação.

A canoa foi carregada num pesqueiro americano para ser largada, na corrente equatorial, um pouco a sul de Ano Bom. Porém, à chegada a esta ilha, o comandante propôs-me abandonar a canoa e ficar a trabalhar a bordo, alegando que a mesma estorvava e que a aventura era muito arriscada. Na impossibilidade de ser levado para a dita corrente, decidi-me pelo regresso a São Tomé para tentar a viagem noutra oportunidade. Foi então que uma violenta tempestade me surpreendeu em plena noite, tendo perdido a maior parte dos víveres, os remos e outros apetrechos. Ao sabor das vagas, num simples madeiro escavado, é difícil imaginar pior situação. Mesmo assim, com a canoa completamente desgovernada, não cruzei os braços e nunca me dei por vencido.

38 dias depois, acabei por ser arrastado pelas correntes até à Ilha de Fernando Pó, já no limiar da minha resistência física, onde fui tomado por espião, algemado e preso numa cela de alta segurança, a mando do então Presidente Macias Nguema, após o que fui repatriado para Portugal, tal como me acontecera na Nigéria. Mas, agora, graças a uma pequena mensagem que levava do então jovem Governo de São Tomé e Príncipe, que recentemente tinha ascendido à sua independência, para saudar o povo irmão brasileiro, quando eu aportasse na sua costa.


S. Tomé – Nov. 1963 - A princípio fui para ali trabalhar numa roça mas comecei por não me adaptar, lá muito bem (…). Por força dessa minha inadaptação, o meu passa-tempo predileto, era então o mar...Praticamente, desde que ali desembarquei, vi nele uma espécie de refúgio. Qualquer coisa onde me sentia livre de todos os aborrecimentos. Um horizonte sempre aberto e imenso, que me abria as portas a uma incontível ânsia de ir mais além na procura de uma felicidade imaginária que naquele meio ambiente eu não encontrava.


Por isso, sempre que podia, frequentava as belas praias de São Tomé. Comecei por manter estreitos contactos com os pescadores, homens corajosos e simpáticos. Aprendi a equilibrar-me nas suas canoas, começando primeiro por dar pequenos passeios de praia em praia., até que por fim veio a paixão - E, a par disso, também outras interrogações: perguntava-lhes se já tinham ido de canoa à Ilha do Príncipe, respondiam-me que "só canoa de gente de feitiço" é que o tornado a levava ao Príncipe ou ao Gabão; "outra, vem gandú (tubarão), vira a canoa e come-lhe a perna" .

Achava que era uma superstição, sem fundamento e havia que desfazer esse fantasma: concluía que, se o tornado arrastava para lá a canoa, involuntariamente, também lá se podia ir por vontade própria. Face a essas lucubrações, comecei a pensar que, um dia, eu devia fazer-lhe essa demonstração - A par disso, questionava-me também sobre o seu passado longínquo: se não teria sido através das canoas que os seus ancestrais não teriam vindo do continente africano.

Viagem Clandestina ao Paraíso - São Tomé ao Príncipe, numa minúscula piroga- A 1ª das minhas aventuras marítimas - 3 dias - Na 2ª noite adormeci e voltou-se -Como prémio, oito dias nos calabouços da PIDE-DGS e uns valentes sopapos -

Cinco anos depois, numa piroga um pouco maior, fiz a ligação de São Tomé à Nigéria. Uma vez mais parti sem dar a conhecer os meus propósitos, ao começo da noite, servindo-me apenas de uma simples bússola. Ao cabo de 13 dias chegava a uma praia ao sul deste país africano, tendo sido detido durante 17 dias por suspeita de espionagem, após o que fui repatriado para Portugal. Os jornais nigerianos destacaram em primeira página o feito.

Os objetivos destas travessias visavam demonstrar a possibilidade de antigos povos africanos terem povoado as ilhas, situadas no Golfo da Guiné, muito antes dos outros navegadores ali terem chegado, contrariamente ao que defendem as teses coloniais, que dizem que as ilhas estavam completamente desabitadas. E a verdade é que, entretanto, já foram encontradas antigas cartas em arquivos, com nomes árabes que testemunham esses contactos. Contributos esses que, de modo algum, poderão pôr em causa o mérito dos ousados feitos dos navegadores portugueses.

TRAVESSIA PELA ROTA DOS ESCRAVOS - SÃO TOMÉ - BRASIL


Dois dias depois da independência de S. Tomé e Príncipe, e após a bem sucedida viagem clandestina à Nigéria, regressava de novo à minha maravilhosa Ilha, sem um tostão na algibeira. Mentalizara-me de que a travessia estava ao meu alcance, sabia que, se precisasse de socorro, ninguém me poderia valer. Não levava meios de comunicação com ninguém. Servia-me apenas de uma bússola, orientava-me pelo sol e pelas estrelas. Mas era assim que se enquadravam os propósitos dessa minha aventura. Os primeiros povoadores das ilhas, também se orientavam como as aves. E eu achava que valia a pena correr todos os riscos. Nada podia demover-me da minha determinação.

A canoa foi carregada num pesqueiro americano para ser largada, na corrente equatorial, um pouco a sul de Ano Bom. Porém, à chegada a esta ilha, o comandante propôs-me abandonar a canoa e ficar a trabalhar a bordo, alegando que a mesma estorvava e que a aventura era muito arriscada. Na impossibilidade de ser levado para a dita corrente, decidi-me pelo regresso a São Tomé para tentar a viagem noutra oportunidade. Foi então que uma violenta tempestade me surpreendeu em plena noite, tendo perdido a maior parte dos víveres, os remos e outros apetrechos. Ao sabor das vagas, num simples madeiro escavado, é difícil imaginar pior situação. Mesmo assim, com a canoa completamente desgovernada, não cruzei os braços e nunca me dei por vencido.

38 dias depois, acabei por ser arrastado pelas correntes até à Ilha de Fernando Pó, já no limiar da minha resistência física, onde fui tomado por espião, algemado e preso numa cela de alta segurança, a mando do então Presidente Macias Nguema, após o que fui repatriado para Portugal, tal como me acontecera na Nigéria. Mas, agora, graças a uma pequena mensagem que levava do então jovem Governo de São Tomé e Príncipe, que recentemente tinha ascendido à sua independência, para saudar o povo irmão brasileiro, quando eu aportasse na sua costa.



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