João Augusto Ferreira –- Um homem que nunca se deixou vencer pelo mundo das trevas – Fazia o trabalho da sua loja, animava as festas, com a sua concertina, partia amêndoa, fazia trabalho de campo e escrevia poemas – Tinha 92 anos quando o entrevistei em 1998 na sua loja, a partir amêndoa ao lado de sua mulher
Primeiro, estudando o próprio braille - o que fez logo em rapaz, na cidade do Porto. Pois cedo compreendeu que a leitura e a escrita eram para si as melhores armas para escapar à completa escuridão ou ao mar de trevas para onde o destino o havia lançado. Depois, então sim, certo de que estava já preparado, regressa à sua aldeia e, sem desânimos ou temores, toca de lançar desafios ao futuro.
Assim, em 1926, e após ter conseguido poupar algum dinheiro como sacristão, estabelece-se com uma pequena loja de tabaco. Segundo diz, contra a vontade de sua mãe, a qual pensava - consciente da cegueira de seu filho - que ele iria ficar sem o dinheiro e sem o tabaco
Porém, para espanto e alegria de ambos, não é o que acontece: pois, mal o jovem João Ferreira se põe ao balcão, é êxito assegurado - conterrâneos ou não, amigos ou simples clientes, todos querem ir comprar o seu maço de tabaco à loja do Sr. João. E, portanto, o negócio imediatamente floresce.
De tal modo, que, no ano seguinte, já não vende cigarros, também estende a atividade ao ramo da mercearia. Depois, ao completar o segundo ano da sua experiência comercial, passa também a vender bijutarias e vinho. E, com tal sucesso, que não tarda que transforme a sua pequena loja "numa espécie de supermercado" do seu tempo, conforme hoje nos recorda. E onde não falta nada: desde a onça de tabaco, o copito ou quartilho de vinho, às peças de cotim e de riscado ou outro tecido, em voga, ao arroz, ao açúcar amarelo, aos rebuçados avulsos que tanto deliciavam as crianças, aos aparos para as canetas de tinteiro, às lousas e cadernos escolares, ou até ao petróleo para alimentar os candeeiros e- candeias nos lares, já que a eletricidade, então, ainda era um sonho distante.
Portanto, com tal diversidade de produtos e miudezas, dir-se-ia que o negócio cedo prosperou e que, no seguimento das economias que fora juntando, pôde aspirar a outros objetivos, entre os quais a compra do rés-do-chão e da casa onde situava a pequena loja - Depois casa, e João Ferreira é então um homem ainda mais feliz. Mas, naturalmente, apesar de a partir de agora ter com quem poder repartir algumas tarefas e sacrifícios, já que a sua mulher iria ser sempre a grande amiga, e companheira de todas as horas, a verdade é que a vida é uma luta constante, seja para quem for. E, então, principalmente naquele tempo! Eram realmente tempos muito rudes e difíceis para a grande maioria da população. Para quem trabalhava à jeira, para quem cultivava as suas ladeiras, e mesmo para os pequenos comerciantes ou pessoas ligadas a outras pequenas atividades. Só não o era para os grandes agrários, ou caciques da época, que poderiam, amealhar o que quisessem à custa da mão-de-obra quase escrava

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