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segunda-feira, 31 de maio de 2021

Vale do Côa – “Investigadores admitem ter descoberto no Côa o maior painel de arte rupestre ao ar livre” – Fiz a reportagem no mesmo local há 21 anos, que lhe recordo

Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador 



Gravuras e enigmas do Côa, voltaram a maravilhar os arqueólogos - Sim, libertando a famosa 'rocha 09' de mais sedimentos, estudada em 1999 e desnudando-a de aterros, com novas escavações, pondo a descoberto  mais uns metros de  acrescidas e belas composições artísticas


Revela a imprensa, que “uma equipa multidisciplinar acredita ter colocado a descoberto um dos maiores painéis de arte rupestre ao ar livre, com cerca de 10 metros de comprimento, no sítio da Fariseu, no Vale do Côa, com a descida do caudal do rio, “onde se encontra 'picotado' o maior auroque do mundo, que inicialmente tinha 3,5 metros visíveis, com estas sondagens revelou uma extensão de 10 metros de comprimento”

Estive na Canada do Fariseu, quando o leito do Côa baixou por 15 dias, nos finais de 1999, devido a obras com a construção da nova ponte internacional, na foz do Águeda, em Barca D’Alva,  tendo feito a reportagem para o jornal ECÔA, no qual colaborei, gratuitamente, em centenas de páginas.

Foram estes os títulos em manchete: “O Côa continua a surpreender os arqueólogos –  “O CÔA CONTINUA A SURPREENDER OS ARQUEÓLGOGOS - DESCOBERTO  PAINEL DE GRAVURAS COM MAIS DE VINTE MIL ANOS

Dando na minha coluna “PALEOLITICÁRIO”, este destaque:  “A ARTE DO CÔA AINDA É MAIS ANTIGA DO QUE SE PENSAVA, referindo que  “Os enigmas do Vale do Côa são um manancial  inesgotável” E sublinhando constituir-se como  “um verdadeiro livro aberto da história da Humanidade”

“ Na verdade!  - dizia eu “quando tudo levava a crer  que Foz Côa era já um caso esquecido, eis que, das entranhas da terra, em subsolo paleolítico, surge a maior das surpresas e talvez mesmo a maior das maravilhas – Uma rocha incrustada com dezenas de belíssimas gravuras, em perfeito estado de conservação, desde cavalos com duas cabeças, auroques, cobras, cabras, veados, entre outras figurinhas sobrepostas de animais que deslumbraram os especialistas e que, a partir de agora, certamente deitarão por terra, mesmo  as dúvidas  dos mais céticos. Sim, quem daria que o Vale Sagrado, ainda tinha   (e terá, com certeza) tantos mistérios por revelar”.- Pormenores mais à frente.

É destacado, também, pelo JN, que ampliação da área de trabalho permitiu a oportunidade aos arqueólogos “perceber a relação da vida quotidiana do Paleolítico Superior com a arte do Côa”. vincou Thierry Aubry

HÁ 21 ANOS O PAINEL DA “ROCHA 9” ERA  JÁ CONSIDERADO A MAIS SURPREENDENTE DESCOBERTA DO VALE DO COA –  E que poderia contribuir para, além de um importante testemunho da arte paleolítica, inclusivamente o estudo do próprio habitat.

 Infelizmente, tendo voltado a ficar coberto pelas mesmas lamas e submerso pelo leito do rio, com a esperança de que um dia   pudesse voltar a ser  descoberto e estudado – Tal como dizia:    “Com um misto de algum júbilo ou contida alegria de um dever cumprido. Já que, todas as esperanças, apontam para que aquele tesouro, que ora ali jaz oculto, não tarde a que se resgate e volte a ser admirado  como talvez o mais belo vitral de um museu vivo”. 

Recordando, o meu artigo, começava por referir:  - “Como é já do domínio público, a descida do nível da albufeira do Pocinho, devido a obras com a construção da nova ponte internacional, na foz do Águeda, em Barca D’Alva, permitiu a uma  equipa dos arqueólogos,  dirigida por Martinho Baptista e por Thiery Aubry,  trazer à luz do dia uma das mais espantosas descobertas  até agora feitas no domínio  da arte rupestre no nosso país,  e porventura em todo o mundo. Isto, porque,  pela primeira vez foram encontradas em sedimentos de mais de duas dezenas de milhares de anos, não apenas gravuras subterradas, mas também as famosas plaquetas de arte móvel  e uma série de  utensílios líticos que o homem usou para imprimir os  desenhos dos seus ídolos ou perpetuar os símbolos  e figuras dos seus cultos, entre outros vestígios em seixo e em quartzite, que testemunham, além da sua arte, inclusivamente o próprio habitat.

Enquanto, ate agora,  os arqueólogos tinham que cingir os seus estudos ao chamado método estilístico, comparando as gravuras ao ar livre com as pinturas descobertas nas grutas, onde a pigmentação permitia o recurso a uma rigorosa datação científica, ora bem, havendo subsolo da época, é perfeitamente possível calcular geologicamente a sua idade – através da estratigrafia. Esta é uma das possibilidades. Outra é a análise química desses mesmos estratos. Mas, pelo que ali apurei,  este processo talvez não seja dos melhores devido à acidez do terreno, que terá praticamente eliminado toda a matéria orgânica. Antes, sim, sobre os pedacitos de materiais líticos encontrados nas escavações, alguns deles submetidos a altas temperaturas na época(locais com lareiras), que, pelo método  de termoluminescência, podem ser datados, Daí que, perante  esta mão cheia de informações, o Director do Centro Nacional  de Arte Rupestre, Martinho Baptista, uma das autoridades mais cotadas em estilística neste domínio, não caiba de contente ao admitir que a idade das gravuras do Côa, pode ser muito mais antiga do que inicialmente se pensava. Pois considera que grande parte destes achados se situe em patamares mais recuados da civilização paleolítica. No denominado período  Grafense ou Solutrense, que se estende  aos 25.00O a  20.000 anos A.C.A.C.

É claro que, isto de milénios, se comparado com o tempo normal de uma vida humana, poderá parecer-nos uma eternidade, e, deste modo, deixar-nos perplexos ou conduzir-nos algumas dúvidas. Mas, não é bem assim. Com efeito, cada um de nós, não é senão um brevíssimo instante na grande jornada da evolução do homem. E, é claro, apenas remontando  à era da pedra lascada aos nossos dias, já que a nossa origem perde-se numa autêntica noite de trevas.

Esta, pois, uma das razões pelas quais  o património arqueológico do Vale do Côa, é, sem dúvida, um verdadeiro livro aberto da história da Humanidade, dado que, em muitas das suas pedras - xistosas e também graníticas – perduram registos gravados e pintados que nos dão conta das grandes etapas civilizacionais por que atravessámos  e de que há elementos de estudo. Afinal, a partir de agora, com um valor acrescentados: - é que, com as novas descobertas, a arte do Côa, já não precisa de ir buscar  referências a outros pontos do globo para se avaliar – tem, em si, elementos que fazem dela a sua própria referência.

UM ENTERRO SEM LUTO MAS COM ALGUNS SORRISOS

O local onde foram feitas as mais recentes descobertas rupestres, situa-se ao fundo da encosta do Fariseu, na margem esquerda do Côa, talvez num dos pontos mais belos e silenciosos do rio. Do outro lado de lá, e quase meia encosta da íngreme ladeira, que ali se ergue, como uma muralha natural, está a casa da  velha Quinta do Bravio, já desabitada e com o terreno por cultivar. Por isso, o que até agora existe, além da imagem inóspita e dura de outros tempos, é o abandono. Mas, talvez, nem isso; penso que o que agora mais sobressai é uma grande quietude – um rio calmo, porque, a albufeira, que entra por ele acima, faz com que as suas águas pareçam paradas; depois, aquelas duas  ladeiras, que quase se tocam e se unem em canhão, o que nelas verdadeiramente se descobre é uma imensa paz, um enorme silêncio.

Assim, não me custa pois a crer, que, há milénios, os homens que ali montavam os seus acampamentos  e se agasalhavam  de peles de animais e alimentavam  de frutos silvestres, da caça e da pesca, elegessem este sítio como dos mais predilectos das suas migrações do litoral para o interior.

De facto, a prova está à vista, tão encantados terão ficado com o lugar com o lugar que, além de nele se acantonarem, por lá invocarem os seus deuses e, uma das formas escolhidas, terá sido justamente  através das suas magnificas  criações artísticas. Algumas das quais agora desencantadas da profundidade dos aluviões depositadas ao longo das eras. Graças, uma  vez mais, a um fortuito mas feliz acaso, que permitiu, que uns homens do nosso tempo – talvez com olhos e sentidos tão apurados como as águias do rio quando se atiram voo certeiro sobre as suas presas – ali acorressem, logo que as águas deixaram a descoberto alguns metros das suas margens, e esgravatassem, cautelosa  mas porfiadamente, lama e aterros em busca do tesouro perdido. Sim, ao que parece, apenas orientados  por aquele dom que cultivam os magos ou mercê de refinada percepção extra-sensorial, que uma longa experiência ajuda adquirir e a cimentar. E, que, afinal, tão útil se revela, especialmente  quando se não olha a sacrifícios  e se trabalha com entusiasmo e amor.

Foi realmente o que fizeram as esquipas  técnicas do PAVC durante os 15 dias  que ali andaram – arqueólogos, arqueólogas e auxiliares. Não olhando às inclemências do tempo – dia e noite – ao frio, aos nevoeiros, à chuva, enfim, ante as condições mais adversas da estação.

Valeu a pena, pelos vistos. Pois, a euforia e o prazer da descoberta, terão sido o bastante para esquecer longas horas de dedicação.

O que, talvez, mais lhe tenha custado, terá sido o facto da sua maravilha, posta que fora à luz do dia, ter de voltar ao fundo da terra. Como se de repente, uma magnifica revelação, se transformasse em trevas, ou pior, numa sepultura coberta por um pesado entulho e um silêncio de pedra. Mas, até um dia. Pois, frise-se, contrariamente,  aos enterros habituais, ali tudo se passou sem luto, sem dor e sem lágrimas, antes sim,  segundo me pareceu. Com um misto de algum júbilo ou contida alegria de um dever cumprido. Já que, todas as esperanças, apontam para que aquele tesouro, que ora ali jaz oculto, não tarde a que se resgate e volte a ser admirado  como talvez o mais belo vitral de um museu vivo. 

Jorge Trabulo Marques – Da coluna PALEOTICÁRIO, do mensário ECÔA,

 

 

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