VERGILIO FERREIRA - PARA SEMPRE NO ESPAÇO INVISÍVEL – Fazia hoje 98 anos. Momentos de evocação a um grande escritor e a um bom amigo – Recordados por quem foi expulso do seminário por bebedeira e "pactos" com o Diabo
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VERGÍLIO FERREIRA O AUTOR DA MANHÃ SUBMERSA QUE CEDO DESPERTOU A MINHA CURIOSIDADE
"Quem sou eu?
Nunca consegui dar resposta a esta pergunta. Mas tentei.
De mim só sei dizer que nasci, vivi e morri. Depois de ter morrido, não me recordo de mais nada. Portanto, continuo a não saber quem sou.
Quem fui eu?
Olhai, nasci a 28 de Janeiro de 1916 em Melo, uma aldeia plantada na Serra da Estrela. Até aqui, nada de novo. Aconteceu-me o mesmo que a quase todos vós, não? As aldeias sempre deram muitos seminaristas" - In (1)Aparição de Mim aos Antigos Alunos Redentoristas Arsénio Pires Arsénio Pires
(Conversando com os alunos no Liceu Camões (Lisboa, 1981 - Foto Internet)
UM BEIRÃO DE GEMA - A quem a Serra da Estrela deu elevada dose de sensibilidade, inteligência, aprumo e imaginação - Foi grande entre os maiores e continua a ser um dos maiores vultos da nossa literatura, cujas obras são uma reflexão à vida , enquiecem e o espíeito e dão que pensar.
Autor de uma vasta obra, traduzida em várias línguas e repartida pela ficção (romance e conto), ensaio e diário. Costuma ser agrupada em dois períodos: o neo-realismo e o existencialismo. Temas como a morte, o mistério, o amor, o sentido do universo, o vazio de valores, a arte, constituíram a fonte da sua riquíssima produção literária.
Vergílio Ferreira nasceu em Melo do concelho de Gouveia na Beira Alta, a meio da tarde do dia 28 de Janeiro de 1916. Se fosse vivo, faria hoje, 97 anos. Mas morreu aos 80. Foi dos autores portugueses - através da leitura do livro Manhã Submersa - que mais cedo despertou a minha curiosidade e com o qual viria a manter um relacionamento amistoso, desde o principio da década de 80, até a escassos dias antes da sua morte - Já que, nessa mesma semana, lhe tinha telefonado para o ir visitar a Fontanelas, onde acabaria por falecer.
Porém, aquele livro, só o pude ler em São Tomé, onde vivi 12 anos - Depois voltei a comprar outro, mais tarde - Vergílio Ferreira teve a gentileza de mo autografar - Foi a 28 de Janeiro de 1995, no dia do seu aniversário - É o mesmo que ele tem nas mãos, que se vê na foto. O primeiro deixei-o naquela ilha, com demais espólio, uma vez que, as duas últimas viagens, foram feitas em aventuras de canoa: uma de São Tomé à Nigéria e, a seguinte, a tentativa de uma travessia oceânica de São Tomé ao Brasil, tendo naufragado
VERGILIO FERREIRA - O SEMINARISTA FALHADO MAS HÁ FALHAS NA VIDA QUE DÃO CERTO - SE NÃO PASSASSE PELO SEMINÁRIO, TALVEZ NÃO FOSSE O GRANDE ESCRITOR QUE FOI
"Os meus pais emigraram para os Estados Unidos, tinha eu 4 anos. Passei a morar com as minhas tias maternas. Esta separação custou-me muito. Sobretudo, a partida da minha mãe.
Abri o meu romance Nítido Nulo e lá podeis encontrar toda a
minha dor.
Aos 10 anos, em 1926, entrei no Seminário do Fundão, onde permaneci durante seis anos. Desse tempo de aprisionamento que ensinava a separação do mundo, falei no meu romance
Manhã Submersa. Lá podeis encontrar muito do que vós mesmos experimentastes no vosso Seminário.
Depois de sair, completei o curso liceal no Liceu da Guarda e rumei para Coimbra, onde me licenciei em Filologia Clássica".In (1)Aparição de Mim aos Antigos Alunos Redentoristas Arsénio Pires Arsénio Pires “Depois da morte não há nada” – Eu já pensei que a morte era uma a passagem
para o além, para uma vida que se seguiria a esta…Aliás, quando pensei, tinha toda
a aparelhagem para isso, nesse mesmo além… Haveria um céu, haveria um inferno,
haveria um purgatório, etc - Recordando um
dos maiores vultos da literatura portuguesa, que me deu a honra e o prazer de
me receber, várias vezes em sua casa e de me conceder várias entrevistas - A que aqui, hoje recordo, teve como tema
principal a questão da morte – Há vida para além da morte? – Entre outras
perguntas - Jorge Trabulo Marques
TAMBÉM PASSEI PELO SEMINÁRIO -MAS FUI EXPULSO POR FALTA DE VOCAÇÃO -
GRAÇAS A DEUS - Pois não trocaria as experiências
de vida, que até hoje conheci, por profissão alguma ou dinheiro algum
Vergílio Ferreira saiu por livre vontade, a mim expulsaram-me ao fim de
pouco tempo - Mas ainda bem que me mandaram embora por falta de vocação -A
minha vida teria sido diferente. Creio que dificilmente teria vivido as
odisseias nos mares que vivi - http://canoasdomar.blogspot.com/2019/11/perdido-no-golfo-da-guine-36-dia-tenho.html
E, para mim, tais experiências, não valem uma vida, valeram eternidades! -
Fui expulso, talvez em parte devido a uma bebedeira de
medronhos, num dos passeios semanais fora do seminário, lá para uns
sítios, de vinhas e medronheiros, onde os país de José Cid tinham um solar
fantástico!
Creio, no entanto, que a expulsão se ficou mais a dever, no dia
seguinte, fiz ao inquisidor-mor, ao padre que fazia
a selecção dos seminaristas, narrando-lhe a minha
ligação serôdia a um culto pagão (secreto) à irmandade das "filhas do
Anjo da Luz", pejorativamente conhecidas por feiticeiras, lá do
meu burgo e aldeias vizinhas - Que se jantavam, percorrendo a calçada do
caminho romano, no recinto, ladeado de altas muralhas, no antigo solar do Vale
Cheínho ou Vale Cheiroso. Falava-se que as havia mas ninguém
as conhecia - E qual delas se atrevia a expor o seu credo, depois de
beber sangue de galo e num tempo em que, só o nome, era já uma
heresia?...Episódios a que me refiro noutras postagens. Foi através
da catequese (a que não faltavam lindas ilustrações e estampilhas
de santinhos e santinhas, que nos eram distribuídas!...), sim, que eu comecei
aprender que havia um Deus maravilhoso, mas também castrador e castigador.
TAMBÉM PASSEI PELO SEMINÁRIO -MAS FUI EXPULSO POR FALTA DE VOCAÇÃO - GRAÇAS A DEUS - Pois não trocaria as experiências de vida, que até hoje conheci, por profissão alguma ou dinheiro algum
Vergílio Ferreira saiu por livre vontade, a mim expulsaram-me ao fim de pouco tempo - Mas ainda bem que me mandaram embora por falta de vocação -A minha vida teria sido diferente. Creio que dificilmente teria vivido as odisseias nos mares que vivi - http://canoasdomar.blogspot.com/2019/11/perdido-no-golfo-da-guine-36-dia-tenho.html
E, para mim, tais experiências, não valem uma vida, valeram eternidades! - Fui expulso, talvez em parte devido a uma bebedeira de medronhos, num dos passeios semanais fora do seminário, lá para uns sítios, de vinhas e medronheiros, onde os país de José Cid tinham um solar fantástico!
Creio, no entanto, que a expulsão se ficou mais a dever, no dia seguinte, fiz ao inquisidor-mor, ao padre que fazia a seleção dos seminaristas, narrando-lhe a minha ligação serôdia a um culto pagão (secreto) à irmandade das "filhas do Anjo da Luz", pejorativamente conhecidas por feiticeiras, lá do meu burgo e aldeias vizinhas - Que se jantavam, percorrendo a calçada do caminho romano, no recinto, ladeado de altas muralhas, no antigo solar do Vale Cheinho ou Vale Cheiroso.
Foi através da catequese (a que não faltavam lindas ilustrações e estampilhas de santinhos e santinhas, que nos eram distribuídas!...), sim, que eu comecei aprender que havia um Deus maravilhoso, mas também castrador e castigador.
ESCREVER "PARA TORNAR POSSÍVEL O MISTÉRIO DAS COISAS"...Vergílio Ferreira
"Escrever.Porque escrevo? Rescrevo para criar um espaço habitável da minha necessidade, do que me oprime,do que é difícil e excessivo. Escrevo porque o encantamento e a maravilha são verdade e a sua sedução é mais forte de que eu. Escrevo porque o erro, a degradação e a injustiça não devem ter razão. Escrevo para tornar possível a realidade, lugares, tempos, pessoas que esperam que a minha escrita os desperte do seu modo confuso de serem. E para evocar e fixar o percurso que realizei, as terras, gentes e tudo o que vivi e que só na escrita eu posso reconhecer, por nela recuperarem a sua essencialidade, a sua verdade emotiva, que é a primeira e a última que nos liga ao mundo. Escrevo para tornar possível o mistério das coisas. Escrevo para ser. Escrevo sem razão" - Pensar - Vergílio Ferreira 1992
GOSTO DE ESCREVER PELA NOITE FORA COMO QUEM NAVEGA - O MAR ENSINOU-ME QUE A NOITE É MAIS PROFUNDA E MISTERIOSA...
Na velha lareira da casa paterna
Vivo no centro da capital, para mal dos meus pecados. Costumo escrever de noite. Mas a noite vai fria e a minha casa - sem aquecimento - deixa-me os pés gelados e com sucessivos ataques de tosse. . Residir numa mansarda, que tem por tecto uma cobertura de cimento, pouco melhor é que estar lá fora. E, por vezes, quando saio à rua, a sensação que tenho é a de que, lá fora, até está mais quente de que entre as paredes onde resido..Gosto do recolhimento da noite. O mau é que sou capaz de continuar a escrever pelo dia adiante e só me deitar no dia seguinte ou até ao terceiro dia. Hábitos difíceis de sarar de quem andou naufragado durante 38 dias e noites seguidas No entanto, não gosto da noite na cidade. Só do silêncio de minha casa ou então quando retorno à minha aldeia: aí é para dormir durante a manhã e vaguear nos penhascos e montes pela noite fora – Este habito vem-me um pouco dos sabattes nocturnos das minhas saudosas irmãs, que se diziam filhas da Estrela da Manhã ou do Anjo da Luz, a que me refiro noutros postes.
SEMINARISTA POUCO TEMPO MAS O SUFICIENTE PARA RECONHECER NA OBRA DE VIRGÍLIO FERREIRA, PONTOS COMUNS COM A VIDA CASTRADORA DAQUELAS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS E AS RAZÕES PELAS QUAIS ALI FUI PARAR
"Ao longo das estações, o comboio ia largando seminaristas e mais seminaristas" (...) Lembro-me de que na estação da Covilhã, quando três seminaristas se despediram da carruagem, um patife de ganga atroou a gare com um grito de corvos: - Quá, quá! Quá, quá!" In Manhã Submersa" 1953 -
A leitura deste livro fez-me recordar as semelhanças do que então se passou comigo e do que pude observar. - Mesmo, no escasso tempo em que estive no seminário de Mogofores - aos 11 anos -, a obra de Vergílio Ferreira trouxe-me à memória as condições (de pobreza e falta de alternativas) devido às quais meus pais me enviaram para o grande casarão conventual, a rigidez dos testes psicotécnicos e médicos nos exames de pré-selecção e admissão, os castigos das infindáveis orações, os extensos claustros povoados por uma vivência castradora, por uma disciplina férrea, inflexível, regida por conceitos de obediência e prontidão, que faziam daqueles lugares "santos", mais purgatórios ou infernos de que a preparem ministros de Deus para salvarem as almas das tentações infernais, a desumana hipocrisia da beatitude e das falsas aparências, desde o interior de vetustos edifícios a recreios e jardins, exceptuando os cozinheiros e mulheres da lavandaria e rouparia, toda gente vestia de negro. O luto fúnebre das farpolas pairava por todo o lado e só se desvanecia no verde das matas ou vinhas por onde cabriolávamos, quando havia as tais passeatas.
Um dia eu e mais um rapaz da minha aldeia - o Manuel! - (este ainda ficou por lá mais algum tempo) tirámos da dispensa do refeitório uma lata da manteiga (já aberta) e um cornelho de trigo, um pão - Pois não se pense que se andava sempre de barriga cheia - E onde fomos comer o apetecido manjar?... Numa retrete mal cheirosa! - O pior é que a manteiga sabia a ranço - Saímos de lá com o nariz entupido e com o estômago agoniado e às voltas. E a ter que voltar de volta e meia àqueles nauseabundos sítios a pôr a boca debaixo da torneira para ver se nos víamos livres do sabor daquela mistela - Só em falar disso, ainda hoje me agonio.
Nos passeios, às tardes de quintas-feiras, lá ia cada formatura para seu destino: o padre da minha turma, levava-nos normalmente às vinhas (já vindimadas) à cata das "netas". Mais parecíamos tordos que pousavam nos valados para depenicar o que restava. Nas matas, havia por lá muitos medronheiros: de uma vez comi um tal fartote de medronhos, que fiquei empanturrado e bêbado - Não consegui chegar direito ao seminário, tiveram que me levar às cavalitas. A graça não agradou ao meu "vigilante" - Mas fui motivo de deliciada risota para a bem comportada rapaziada. No dia seguinte, calhou confessar-me, e, como um mal, nunca vem só - talvez ainda sob o efeito da ressaca - vou de deitar cá para fora tudo aquilo que nunca havia confessado nem às paredes: as minhas fugas de casa, em garoto, pela calada da noite, sem que os meus pais se apercebessem, para acompanhar as adoradoras da estrela da manhã e do Deus Cornudo - "Então o menino teve pactos com o Diabo?!"
O confessor quis saber todos os pormenores, tim por tim e eu não me fiz rogado: dois dias depois estava lá o meu pai para me levar - Vai encontrar-me ainda na enfermaria a curtir a piela. - "Então o que é que fizeste para te mandarem embora?" - pergunta-me ele, mal chega ao pé de mim, com ar de aborrecido. Vão-me mandar embora?!... Ninguém me disse nada! " - questiono eu! - Responde ele: "Vá levanta-te! e vai a fazer a mala, que ainda hoje temos de apanhar o comboio" . Sim, nesse tempo, ainda podiam dar-se ao luxo de seleccionar e de expulsar por dá cá aquela palha, pois não havia liceus de borla e não faltava quem visse nos seminários a única hipótese de estudar; agora nem a pagar. Pois, bebedeira de tal natureza, só a dos cigarros "DEFINITIVOS" - Era o cigarro dos pobres - A caixa espalmada podia dar para toda a semana; poucos podiam fumar mais do que três cigarros por dia: Era dose de arrebenta cavalos. Dois anos antes, quando andava na Primária: quis armar-me em adulto e vou de ficar de cama oito dias! De tão tonto e fraquejado a ressaca me deixou, que não era capaz de me pôr de pé. Mas fiquei de tal maneira vacinado que ainda hoje o próprio cheiro do tabaco me incomoda ou me causa enjoo -Sobretudo se entrar num carro onde alguém já tenha fumado.
BANDOS DE CORVOS NEGROS QUE SE ESPALHAVAM POR APEADEIROS E ESTAÇÕES
Recordo-me da quantidade de seminaristas, vindos, como eu, no comboio da Beira Alta até à estação da Pampilhosa. que aguardavam a transferência para comboio da Linha do Norte, que deveria parar na estação de Mogofores - Pareciam bandos de tordos ou corvos espalhados ao longo da estação - Mas também dos que foram entrando em todos apeadeiros e estações. Não havia carruagem que não se notassem jovens com farpelas negras - Uns de fatos outros de batinas. Hoje, a maioria dos seminários, ou foram extintos ou estão às moscas - Não apenas por falta de vocações, mas porque a igreja não se renovou e insiste em ser velha - Não tanto pelas novas gerações sacerdotais, mas porque, as mais velhas, não largam os conceitos doutrinais em que se formaram - E são estas que mandam na igreja.
AMBIENTE OPRESSIVO - ONDE A LIBERDADE SE CONFUNDIA COM O ACTO PECAMINOSO
O ambiente, que fui conhecer naquele antigo seminário salesiano situado na freguesia da Anadia - hoje transformado em Colégio Salesiano S. João Bosco -não divergia do seminário do Fundão, nos seis anos em que ali estudou Vergilio Ferreira, - Não me pareceu que fosse diferente do exposto naquela sua extraordinária obra literária, editada pela primeira vez dois anos antes de eu também viver a breve experiência de seminarista - breve mas o bastante para ficar vacinado para sempre - A atmosfera claustrofóbica que pairava nos dormitórios, cujo silêncio só era quebrado pelas tosses, a luz difusa das lamparinas de azeite ou de uma outra lâmpada avermelhada ou amarelada que ficava acesa, depois de que as lâmpadas brancas eram apagadas, parecendo lembrar um velório dos mortos, os cheiros intensos de remédios, a álcool, a tédio e a solidão nas enfermarias, a vigilância nos recreios, nos corredores e claustros, e até nos passeios, todos em formatura, a vigilância silenciosa e soturna e apertada que pairava por toda a parte, de noite e de dia, as figuras esfíngicas dos sacerdotes, desde os professores, aos confessores e reitores, as orações da manhã, do fim, da tarde, missas e mais missas, confissões e mais confissões - Masturba-se? Teve relações com companheiros?!...
(imagem da Internet)
NÃO ÀS TOURADAS MEDIEVAIS NEM ÀS PROCISSÕES QUE AS VENERAM E IDOLATRAM ...-
Não gosto da procissão desta imagem - Qual arena dos imperadores da velha Roma, antes dos cristãos serem atirados às feras! E também daquelas onde os fiéis se arrastam de joelhos ou deitados em suplícios que escandalizam a terra e os céus!.. - Então que sadismo de Deus é este que se compraz com o sofrimento do seus súbitos e veneradores!... Mas gosto do esplendor e dos seus cânticos, quando as crianças assumem figuras etéreas de anjos, quando os olhos dos adultos se concentram na luz de uma vela e os passos vão seguindo a cadência dos hinos entoados por vozes dos devotos e dos sons que a filarmónica toca, desde que os andores saem ao adro e vão dar a volta por ruas e capelas.
Mas gosto desta:Em todas as religiões, há aspectos negativos e positivos. Guardo boas memórias de criança (dos coros e das procissões, que ainda hoje, constituem para mim, como que um espontâneo apelo ao sagrado, ao sobrenatural e me comovem - E então se acompanhados com a banda filarmónica, ó céus!... Onde estais?!... -E, ao pensar naqueles dias, quando andei sozinho perdido no mar alto, confesso que essas imagens até me deram algum alento.
Por isso, não gosto de faltar à festa da padroeira da minha aldeia - E, todavia, não sou católico. Mas também guardo algumas más recordações - Expulso do seminário, fui procurar a vida em Lisboa, como marçano, aos 12 anos .Mas oh! em que trabalhos eu me fui meter!... Até porque, quem me levou para a sua mercearia - um conterrâneo - na Calçada de Santana, só lá me quis dois meses a "estagiar", visto não precisar de empregados - Os merceeiros faziam das crianças pequenos escravos, a troco de uma tarimba e comida (?) - Tive um patrão que, ao pequeno almoço, em vez de me dar uma chávena de café, servia-me uma malga de pão amassado com um pouco das borras da cafeteira e sem açúcar - Café?!... Bebia-o ele. Nem um pingo! - E, depois, lá pelo armazém ou mesmo ao balcão, uns quantos tabefes e pontapés nas canelas ou no traseiro por não roubar no peso - Forçado a subir as vertiginosas espirais das escadas de serviço! - Exteriores aos prédios - Para levar as compras aos clientes, derreado com o caixote ao ombro, a troco de um tostão ou de coisa nenhuma.
Farto dos seus abusos e prepotências, despedi-me. Enquanto não arranjei emprego, passei fome de cão e dormi ao relento. Na primeira noite fui-me deitar por entre os arbustos do jardim do Campo de Santana, porém, às tantas, tendo sido assediado por um mendigo, que queria abusar de mim, subi pela escada de serviço de um prédio e fui-me refugiar num terraço. Não suportando o frio, pois era Janeiro, desci para o rês-do-chão e deitei-me no cimento: quando acordei, conforme ia a levantar-me, assim caí enregelado - Eu era aquele menino franzino que se vê na fotografia. Por fim, ainda trabalhei numa leitaria: éramos obrigados a mijar para as bilhas do leite, pois, se fosse água a fiscalização topava e a urina - dizia o patrão - tinha a mesma densidade do leite -Um ano depois, regressei à minha aldeia, tendo ido estudar para a Escola Agrícola de Santo Tirso - Era a solução mais económica que o pai podia encontrar.
MALDITA PEDOFILIA
Para minha decepção, logo, no primeiro ano, um jovem sacerdote, da igreja que fazia paredes-meias com a nossa instituição, tentou violar-me. Desde algum tempo que andava a fazer amizade comigo e mais dois colegas - Convidava-nos ao seu quarto e oferecia-nos chocolates. Um dia à noite, depois do jantar, apareceu por lá e convidou-me a dar um passeio pela marginal do rio, que faz confronto com as hortas e os campos da Escola. - Um lugar tão aprazível, tão belo! - Quando revejo as imagens dessa encantadora paisagem meus olhos toldam-se de lágrimas - Porém, subsistem duas más recordações: o afogamento de um companheiro (oito dias para o duque da ribeira, varrer com as fateichas o açude desde o velho moinho, junto à ponte, até lá ao extremo norte da quinta, até que por fim lá o encontrou e ali bem perto onde se havia atirado à água do Rio Ave, preso a uns arbustos A outra é a dessa nojenta atitude.
Quando viu que não havia ninguém, vai daí de me tapar a boca, puxar as calças e me encostar violentamente à braguilha. Mordi-lhe a mão e escapou-se pela bouça. Ao mesmo tempo que eu lhe chamava todos os nomes do mundo que me vinham à cabeça. Se o vínculo já era frágil, quebrou-se definitivamente - E o mais caricato é que ele era um dos sacerdotes que ia dizer a missa aos domingos na nossa capela, onde, uma formatura da Mocidade Portuguesa, tinha de lá ir prestar guarda honra à bandeira: de camisa e calça curta, no Inverno, era de arrepiar. Mas eram assim aqueles tempos do obscurantismo - A igreja de boa convivência com o Salazarismo - O mau é que os políticos de agora, ainda são mais desonestos, enquanto a miséria galopa como nunca.
Lá tive que gramar a hipocrisia dele e as formaturas de braço estendido. Claro que não se pode medir tudo pela mesma fasquia. Tenho bons amigos padres. Havia lá um que até pilotava avionetas e costumava fazer umas habilidades por cima da nossa Escola - Antigo convento de São Bento. Era lá professor e muito simpático. Contei-lhe o episódio mas tudo ficou por ali. Sim, é melhor não reviver mais o assunto. Há pedófilos em todo lado. A igreja, não é excepção.
Quando ouvi falar do livro de Manhã Submersa, já eu estava em São Tomé, aos 18 anos, para onde fui estagiar - Foi na Roça quando o li pela primeira vez. Como o ordenado, era fraco (500$00 mensais) depois dos descontos para a viagem e alimentação, foi dos poucos livros que pude comprar. Li-o com muita curiosidade. - Vi que nele se incorporavam as duas experiências a do seminarista e a do escritor – Ou seja, de alguém que escrevia com conhecimento de causa - Descobria ali aspectos comuns à minha ida para o seminário e do ambiente que lá fui encontrar.
O realizador Lauro António, exploraria, em Manhã Submersa -a dupla faceta do autor, vertida magistralmente para o cinema, em que o próprio Vergílo Ferreira, desempenharia o papel do austero Reitor. "A obra traça o retrato de uma época e de um país em que jovens de fracos recursos, procurando melhorar o seu estatuto social pela educação, se vêem forçados a entrar para um seminário"
O ESCRITOR QUE TAMBÉM FOI PROFESSOR
"Embora formado como professor, foi como escritor que mais se distinguiu. O seu nome continua actualmente associado à literatura através da atribuição do Prémio Vergílio Ferreira. Em 1992, foi galardoado com o Prémio Camões.
A sua vasta obra, geralmente dividida em ficção (romance, conto), ensaio e diário, costuma ser agrupada em dois periodos literários: o Neo-realismo e o Existencialismo. Considera-se que Mudança é a obra que marca a transição entre os dois periodos".
28- Janeiro (segunda) - conta-corrente1980- Aqui estou, pois, no gueto, até se cumprir um mês sobre o acidente. E para não haver grandes intervalos de escrita, aqui estou eu a escrever. Dá-se o acaso, aliás, de cumprir hoje 64 anos. Sem comentários. Perdi no dia 4 uma boa oportunidade de não ter de fazer mais contas. Como é nova e vida esta sensação de que tudo está feito, de que é perfidamente aceitável que a vida, os outros, nos excluam. Mas fiz 64." Excerto................- 28 - Janeiro (quarta)1981-"Sessenta e cinco. Já sei.Mudemos de conversa."..............28 de Janeiro (domingo)1991- Portanto, 74. E esta? Não é de ficar parvo? Eu pelo menos fiquei. Porque isto não é conta de um homem ao natural. Mas acabou-se, os deuses deram-me 74, que é a idade mais própria para eles, e eu aproveito. Já cá cantam e tudo mais que se segue já vai além da conversa. Naturalmente que fui prendadíssimo. O Gilo deu-me um camisolão importante. Os netos agasalharam-me os pés com dois pares de meias. O Lúcio enfeitou-me com uma camisola azul" - Excerto Faleceu no dia 1 de Março de 1996,
Do alto das velhas muralhas do Fortim de São Jerónimo , onde tantas vezes olhava a espuma que ali ia rebentar nas rochas negras e contemplava o mar ao largo, sim, muitas vezes ali me envolvi em prolongadas cogitações. E só via o mar... Só pensava, obsessivamente, nas distâncias e nas entranhas do mar.!.. Olhava-o com pasmo e respeito, mas queria sentir-me também parte dele! Ser mais um elemento do mítico e misterioso oceano! Ir por ali a fora numa das ágeis pirogas.! Desvendar segredos esquecidos no tempo! - Não tenho boas recordações do colonialismo mas nunca deixei de admirar os nossos heróicos marinheiros
AMIGOS PARA SEMPRE – Eu admirava (admiro) a obra e a personalidade de Vergílio Ferreira. Ele admirava o meu espírito aventureiro - O Palco do grande oceano, que sempre o haveria de fascinar – Embora tendo nascido bem longe do mar, tal como eu.
Vergílio Ferreira gostava do campo mas
também do mar - Via no mar o seu maravilho palco contemplativo -
Daí talvez a razão do seu retiro predileto ser em Fontanelas - Onde podia
desfrutar de ambas as coisas - Num pulo podia ir até ao alto das arribas ou
dar um mergulho na Praia das Maçãs.
"Que fascinação ele exerce sobre mim, nascido
entre pedras da montanha. É a fascinação do incomensurável e majestoso e
potente, a sedução do sem-limite, da sua infinitude, o absurdo do incansável
das suas ondas, a beleza irrepresentável da sua alvura, a doce e larga
dormência do seu rumor" In conta-corrente 21 Junho (1990)
"Ir ver o mar. Vê-lo de vez em quando e sempre
com a mesma fascinação. Que é que vem dele para assim nos fascinar? A sua força
imensa diante da nossa pequenez. O seu mistério e inquietante da sua
visibilidade" - In Pensar - V.F.
Quando lhe contei as minhas aventuras nos mares do Golfo da Guiné, ficou muito admirado e entusiasmava-me a escrever um livro - Mas ainda não o escrevi. Noutro site, lá vou recordando essas facetas, mas não tenho passado disso. A bem dizer, há tanto para contar que nem sei por onde começar.
"Olhar o mar do alto
das arribas. Percorrer mar (1) infinitamente, num olhar balanceado, todo o
círculo do horizonte. Olhar em baixo o cavado das ondas com grandes veios de
mármore, seguir-lhes o percurso até às rochas, vê-las estoirar contra elas e
erguerem-se numa explosão alta de espuma ao retardador. Aspirar fundo o seu aroma
genesíaco a infinidade, a espaço e a solidão. Ouvir-lhe o fervor da caleira do
mundo. Sentir instantaneamente a distância
da fragilidade e da pequenez à dimensão poderosa e sem limites. Conhecer
o azul ainda húmido no instante da sua criação. Recolher a saudação de outras
terras e de outras gentes que vem na aragem
por sobre a extensão das águas. Ficar atento a um sinal indistinto que
anuncia o começo do mundo. Entender a linguagem cifrada de um destino comum entre mar e céu. Olhar o
mar do alto de uma falésia." - In Pensar 1992 V.F (1) mar - esta palavra
não está impressa na edição publicada pela Bertrand Editora - Uma das correções feitas à mão pelo autor no
próprio livre que me ofereceu
FALEI COM VIRGÍLIO FERREIRA, PELA PRIMEIRA VEZ, QUANDO FUI ENTREVISTÁ-LO PARA UM INQUÉRITO SOBRE A MORTE - A SER TRANSMITIDO NUMA ESTAÇÃO DE RÁDIO - DEPOIS DISSO, CIMENTOU-SE UMA DURADOURA AMIZADE
."Pelas três da manhã do dia 4 fiz um novo ensaio sobre a morte. Não correu nada mal.Acordei com uma angústia enorme, com incidência forte na cabeça, e progressiva separação do mundo" - In conta-corrente .1980 20 Janeiro
A morte!... Mas quem é que passa indiferente a esta fatalidade que nos espera!... Quando era miúdo eu matava as lagartixas, enterrava-as numa cana da ribeira, para, uns tempos depois, ir ver como tinha sido o seu estado de decomposição. Mas não era só matá-las e fazer o enterro. Este obedecia a um certo ritual, com direito a campa. Foi quando os meus pais eram caseiros na Quinta do Muro, hoje em completo estado de ruínas, sobranceira ao magnífico vale da Ribeira Centieira, afluente do Rio Côa, onde toma o nome de Ribeira dos Piscos, `Acordava todas as manhãs com o cantar dos pássaros nos choupais! O pior eram as geadas de Inverno. Foi o período mais encantador da minha infância Nomeadamente, poder saborear o delicioso queijo e as malgas de soro que a minha mãe fazia, mais a pastora. E das minhas aventuras pelos íngremes penhascos dos Tambores, quando ia levar a marmita ao pastor Rebaldo, nos dias em que ele andava por lá a guardar gado da quinta.
Vergílio Ferreira, recebeu-me por variadíssimas vezes em sua casa. E veja-se o tema que eu lhe fui colocar, naquele já distante dia, dos anos 80, num mês que se repte ano após ano, com chuvas e frio(os nevões é mais para terra dele e, sobretudo, no alto da Serra da Estrela) mas que nos acrescenta mais um ciclo nas nossas vidas e nos torna mais velhos. Sobretudo, quando se entra na equipa dos seniores. Estava eu, naquela altura, a realizar num inquérito com gente anónima e conhecida e o tema era a morte - O início desse meu trabalho começa na véspera à noite no Botequim de Natália Correia e termina no dia seguinte, em sua casa, justamente no dia do seu aniversário. Eu sabia que, para um existencialista, como Vergílio Ferreira, a morte era um dos temas que percorria a sua obra, com as suas dissertações e habituais cogitações, as mais profundas.
Creio que não tanto pelo seu receio (à morte), pois a ela ninguém escapa, mas pela intriga que a mesma representa - Aliás, foi essa a justificação que me apresentou. O seu lado inquietante, misterioso e perturbador Lembra-me de ele me ter contado, que, devido a uma complicação cardíaca recente, teve a sensação de ter estado no limiar da fronteira, entre a vida e a morte - E, o mais surpreendente, com extrema lucidez!... Confessando-me, recordar-se desses momentos, como se estivesse fora do seu próprio corpo. Um pouco como quem dorme e sonha que anda a vaguear por distantes paragens, contudo, o corpo permanece no mesmo sítio.
Eu experimentei as duas faces: o lado horrível, afrontoso, sufocador, apavorante, vertiginoso, mas ao mesmo tempo, sedutor, estranhamente pacificador, como se a morte (depois de momentos que me pareceram autênticas eternidades, de uma luta inglória) me quisesse acolher nos seus braços, como a mãe que acalenta o seu filho, a paz e a resignação que certamente todos os náufragos receberão, após esgotada toda a sua resistência. Aconteceu-me, por duas vezes, uma, em garoto, aos 9 anos, quando caí a um poço com a minha irmã, e, outra, em noite negra como breu, quando, em pleno mar alto navegava numa frágil piroga e me vi repentinamente confrontado no seio das entranhas de corridas ondas negras. Na vertigem do vulto das quais me vi envolvido, quando o sono me surpreendeu e a cuja tentação não resisti, adormecendo e mergulhando naquela massa informe e escura. Sim, a morte mexe com os escritores, que a escolhem para tema favorito das suas lucubrações. Mexe com o seu pensamento mais profundo e com a sua imaginação – Muita dessa temática, atravessa a vastíssima obra literária de Vergilio Ferreira.
QUANDO A MORTE SE ANTEVÊ BREVE E SUAVE....
"Não temas a morte. Porque jamais ela pode coincidir com um momento em que tu a temes" VF
"Morrerás em breve. É incontestável. E quanto verdade morrerá contigo sem saberes que a sabias. Só por não teres a sorte de num simples encontro ou encontrão ta fazerem vir ao de cima"
"A morte não é assim um flagelo, mas a rectificação do que já foi decidido. A morte apenas subscreve o que já somos como extraordinários. E há só que deixá-la rubricar à pressa o nosso destino, que tem mais que fazer. Morte, podes vir. Não falas cerimónia. Mas sé educada e não me maces muito" Excerto do livro Pensar - 1992 VF
ESQUECE...
"Esquece. Esquece a amargura, os atropelos, o cansaço. E as maledicências, as traições, os rancores. Esquece o trabalho que te traz em alvoroço e os fracassos de uma vida inteira e os projectos falhados para antes de começarem a ser projectos. E as invejas, as insidias como dentes por entre o sorriso. Esquece. E sê contente e respira." PENSAR V.F
MAS EU NÃO POSSO ESQUECER-ME DE UM HOMEM INTELIGENTE E UM BOM AMIGO
Sim, não posso esquecer-me, neste dia, em que, por várias vezes o visitei e lhe dei os parabéns no dia do seu aniversário A essa figura ímpar da nossa literatura – Do homem beirão, que nunca perdeu aquele sotaque das suas raízes – Embora, com a maior parte da sua vida, afastado da sua terra natal - vivida em Évora e em Lisboa - salvo aqueles dias de refúgio em Fontanelas, onde acabaria por falecer.
"Depois de sair, completei o curso liceal no Liceu da Guarda e rumei para Coimbra, onde me licenciei em Filologia Clássica.
Era o ano de 1948.
De seguida, iniciei em Faro o meu percurso de professor liceal.
Passei por Bragança. Depois, por Évora, onde escrevi o meu romance Aparição (talvez o mais conhecido mas não o melhor…) e, finalmente, ancorei em Lisboa, no Liceu Camões. Aqui permaneci entre Lisboa e Fontanelas, em Sintra, onde fiz a minha aldeia. Foi nessas duas localidades que escrevi a maior parte de mim para os outros. Mas, “Lisboa é um sítio onde se está, não um lugar onde se vive. Mesmo que se lá viva (…) como eu. Eu o disse, aliás, a alguém, na iminência de vir: quando for para Lisboa, levo a província comigo e instalo-me nela. E assim se fez. Os livros que aqui escrevi são afinal da província donde sou”.
Assim vivi. Assim escrevi. Porque “A arte nasce duma solidão e dirige-se a outra solidão”.
Morri em Lisboa, a 1 de Março de 1996. Pouco tempo depois, saiu o meu romance Cartas a Sandra, que deixei incompleto quando ela entrou, sem ser chamada, e me arrancou a caneta de entre os dedos da minha mão direita. Tinha ainda tanta palavra para escrever…
“Virado para a Serra”, como sempre desejei, enterraram o meu corpo em Melo.
Uns dias depois de ter falado com ele ao telefone, confessando-me que estava a escrever mais uns livros, que dificilmente os iria concluir, porque, sentia-se já com os pés no Paraíso, pelo que, qualquer dia, ia dar o badagaio. Disse-me, mais tarde a esposa, que morreu depois do lanche da tarde: quando ela voltou à sala, estava já ele estendido no chão, voltado para o tecto, não tendo sequer exprimido um ai. Foi o que se pode dizer a morte suave que ele esperava, sem o maçar muito e causar maçadas - Uma morte santa, se é que a morte tem esse carácter: ali, próximo da sua janela, donde tantas vezes havia espreitado sol e contemplava o cair da chuva, ouvia o ruído da passarada e o rumor dos pinheiros. - De palavra fluente, erudita, profunda e atrativa. Mesmo quando o acusavam – nos seus diários – de algum filete. Dizia-me, que, nos seus romances, a sua preocupação não era contar histórias mas dar pinceladas de vidas. "Histórias era no tempo da minha avó" - Pois bem, mas era lá que ele ia buscar a seiva mais profunda e genuína.
"DUVIDEM E DESCUBRAM A VOSSA LUZ" Buda
"...Valerá a pena explicar o que não se pode explicar? Toda a resposta responde em função de uma pergunta, ou seja dos limites em que pode responder. Mesmo as verdades "científicas" só o são nesses limites. Quem o determina? Somos um todo organizado e um elemento que o perturbe desorganiza-nos tudo. Quem o organiza? Copérnico teve de esperar alguns séculos no túmulo que todos os sábios lhe rendessem. Mas o que não se pode "provar"? Todo o real tem atrás de si outro real. E é nesta diferença que se insere a distinção entre o "saber" e o "ver". Saber que se é mortal só é ver que se é mortal quando se passa para o lado de lá do saber. E onde está a "aparição".Não é fácil que se nos revele nem decerto suportável para um olhar disponível em comunidade. O que está para lá é do domínio do intangível e do sagrado. Com os deuses não se pode ver a face. Ou só em instantes de privilégio."
NUM PAÍS ONDE A MEDIOCRIDADE É A REGRA E A INTELIGÊNCIA A EXCEPÇÃO
" Ser inteligente é ser desgraçado. O imbecil é feliz. Mas o animal também." Vergílio Ferreira
Portugal depressa esquece os seus maiores, é verdade, mas, os bons escritores, músicos ou artistas, sendo geniais ou talentosos, levam mais tempo a esquecer. Se bem que, hoje, em dia, com a avalanche de informação, no dia seguinte, acaba-se por já nem se saber o que se passou ontem. Não vinha falar da obra de Vergílio Ferreira, porque, quem o lê ou ainda se lembra dele, sabe que dispensa elogios. A obra fala pelo homem, neste caso pelo escritor - Eu diria também do poeta – “Eu não escrevo poemas por uma questão de pudor”, dizia-me num certo dia. Optara em corpo e alma pelo romance: esse era cem por cento o seu ofício. Vivia exclusivamente para escrita. Era o seu alimento e a sua respiração. Não se repartiu por outras actividades, senão a de escritor e de professor, enquanto lecionou. Mas ele também escreveu, uma vez por outra, os seus versos. Sobretudo na sua conta-corrente.
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