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C
Fernando Pessoa, 1913
Luís de Raziel – Pseudónimo de Vidente Vara de Deus
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Porque será que por vezes me sinto nas vestes de Cristo, envergando as suas túnicas, sendo levado a imitar os seus gestos, os seus passos; outras a rever-me na pele
de bruxo noturno? – Esta é uma estanha dualidade mística que me persegue desde a infância e adolescência: no tempo em que, umas vezes era tentado a isolar-me nos penhascos e a orar junto de imagens religiosas que eu próprio moldava de barro, noutras a acompanhar um ancestral culto das bruxas, para as quais a noite escura estrelada ou iluminada pelo luar era – a certas sextas-feiras – o seu vagueio predileto, o seu templo sagrado - ""Sê integro, sê inteiro! Sê Verdadeiro! Tal como és, tal como vieste à luz do mundo: desde aquele dia primeiro em que te descerraram as pálpebras e passaste a fazer parte do Grande Milagre da Vida - "; Assim tem sido esta a minha sina, o meu misterioso fadário
Há lugares que, conquanto se situem na Terra, não são deste Mundo - Transparecem um tal impacto, uma qualquer áurea ou força energética, sobre os quais não existe explicação. - É o caso do Solar do Vale Cheínho, também conhecido por Solar dos Ventos Uivantes do Vale Cheiroso
Dualidade mística: umas vezes nas vestes de Cristo, outras... |
Carregando os saberes de bruxo... |
Há lugares que, conquanto se situem na Terra, não são deste Mundo - Transparecem um tal impacto, uma qualquer áurea ou força energética, sobre os quais não existe explicação. - É o caso do Solar do Vale Cheínho, também conhecido por Solar dos Ventos Uivantes do Vale Cheiroso
"Toma-me, ó noite eterna, nos teus
braços
E chama-me teu filho... eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.
Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços
Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.
Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
Fernando Pessoa, 1913
há muito
interroguei já todos os da terra;
Além dos
cimos frescos, todas as sombras visito
E as fontes; erra o espírito para cima e para baixo,
E as fontes; erra o espírito para cima e para baixo,
Pedindo
sossego; assim foge o bicho f'rido pra os bosques,
Onde outrora
ao meio-dia repousava seguro à sombra;
Mas o seu
leito verde já não lhe restaura o coração,
Lamentoso e
sem sono o aguilhoa por toda a parte o espinho.
Nem do calor
da luz nem do fresco da noite vem ajuda,
E em vão
banhas as f'ridas nas ondas do rio.
e assim como
debalde a terra lhe oferece a erva alegre
Que o cure, e
nenhum dos zéfiros acalma os sangue a ferver,
Assim,
queridos! assim a mim também, parece, e ninguém
Poderá
tirar-me da fronte o sonho triste?
HOLDERLIN
Não havia luar mas a noite estava escura, o céu coberto de nuvens e não se viam as estrelas - Mas a noite era de um Outono ameno e convidava a andarilhar por antigos caminhos romanos e a devassar os seus mistérios.
E foi justamente o que fiz: - saindo de casa depois da meia-noite, tal como convinha - Para mal dos meus pecados, levara comigo o telemóvel - e não tive outro remédio senão atender dois telefonemas de um amigo (depois tive que o desligar) que, embora estando na sede do concelho, insistia em levar com ele mais uns três amigos para me ouvirem tocar o jambê. E não só.. Pelo que depreendi, o tema de conversa no Café do Zé Pilério, tinha sido o das bruxas: ele encontrou um antigo medalhão, que tem a ver com os antigos cultos pagãos e vai da conversa descambar para o assunto do dia. Queria que me armasse em bruxo, como se, certas faculdades, que surgem ocasionalmente como flashes, estivessem à mão de semear todos os dias. Ele contara lá o episódio, que a seguir aqui vou recordar, e insistia em demonstrar-lhes a veracidade do fenómeno.
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O Dr. Jorge Castro Lopes é um bom amigo de longa data - É nativo Peixes - e, como genuíno filho de Neptuno, o Deus da inspiração e da sensibilidade, também ele sente uma inata curiosidade para a chamada fenomenologia do ocultismo e do paranormal - Ele trabalha e reside próximo da cidade do Porto, mas vai regularmente à sua terra - uma pequena cidade da província. Eu vivo em Lisboa, e também, sempre que posso me desloco à minha aldeia - Por isso, e como já lhe falei das minhas peregrinações nocturnas pelos montes, quis saber algo mais sobre o assunto. Numa ocasião, apostei com ele de que era capaz de fazer um determinado percurso mais rápido de que ele no seu jipe - Já passava da meia-noite e não havia luar.
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Pedi-lhe que me desse apenas um avanço de 5 minutos, garantindo-lhe que era capaz de (por caminhos e atalhos) chegar mais depressa ao Vale dos Areais, junto ao cruzamento da EN. 102 - É que, do planalto, até lá lá ao fundo, com as curvas e as contracurvas da estrada alcatroada, ainda são 4 Km - Enquanto, se se for pelos atalhos e alguns troços do milenar caminho romano, a distância é bastante mais encurtada - Só que, como, raramente, alguém ali passa e, parte deles, já estão quase intransitáveis, não faltam silvas, ervas e giestas a dificultar a passagem. Mesmo assim logrei chegar primeiro de que ele.
Ora, isso aconteceu naquele dia - porque estava inspirado - Mas nada agora me garante que possa voltar a dispor (para efeitos de aposta) de idêntica volatilidade e inspiração. É tal qual como a poesia nos poetas ou a prestação de um atleta numa pista de corta-mato ou de um jogador num campo de futebol: nem sempre a predisposição física e mental, é seguramente a mesma. Por isso, e também porque, nessa noite, gostava de estar sozinho, obviamente não acedi prestar-me a qualquer outro tipo de incursão nocturna, que não fosse ir ao encontro de um certo devaneio espiritual, que, mais uma vez, me iria conduzir aos meus tempos de criança, quando tomara parte no culto da Irmandade do Anjo da Luz, o anjo que surge nas noites de céu estrelado ao irromper a Estrela da Manhã - Mesmo assim, vim a saber que o voluntarioso grupo noctívago ainda foi de carro até à Quinta do Monte - Situada, lá para os alto da margem esquerda do Côa, por lugares já afastados da aldeia - Aí é a área do xisto, eu andava pelos morros do granito. Estiveram, pois, longe de imaginarem o meu verdadeiro itinerário.
ALÉM DO LATIDO DAS RAPOSAS, APENAS SE OUVIA O PIAR DOS MELROS NOS SILVADOS E DAS NOITIVÓS NAS CARRASQUEIRAS E NOS ESCASSOS OLIVAIS
Mesmo assim, não há como as noites da Primavera - quando a passarada nocturna, parece também deliciar-se com os perfumes da amendoeiras e de outras flores silvestres ou delirar com a sinfonia que soa da água a correr nas pequenas cascatas dos ribeiros. Em todo o caso, era uma noite de Outono e, estas, com os seus matizes de aguarelas (pelo menos enquanto não arrefecem aos graus negativos), também têm o seu encanto e a sua magia... Eu já por ali andei - em noites de Inverno - com o chão coberto de gelo, como se estive coberto de neve. Também não me importo. Só se tem frio parado.
Depois de ter feito uma breve visita ao antigo forno - onde ainda se encontram alguns dos velhos ícones da ancestral irmandade - detive-me pelo terreiro a tocar alguns sons de jambé - Oh! e que coisa mais solene e fantástica!... Como aqueles sons me transformavam e elevavam a mente!...
Tenho quatro tambores na centenária casa que era dos meus pais (agora está desabitada e fico lá apenas por favor)pois, como é compreensível, só posso levar um de cada vez- São de vários tamanhos e de sons diferentes. Também disponho de um búzio, com o qual inicio e termino as minhas noites mágicas, envergando as minhas túnicas.
A noite já ia alta e muito escura, sim, mas não muito para lá da meia-noite - Talvez uma da manhã. O caminho velho é pedregoso, e, mesmo estando a tocar o tambor, apercebi-me de que havia passos a caminhar por ali perto. Antes de ser surpreendido, decidi descer pelo muro das traseiras (para onde, de resto, estava voltado) e retirar-me - Qual não foi pois o meu espanto: de lado algum soa o mais leve rumor ou voz, no entanto, é seraivada atrás de seraivada.!... Desde a tiros de pistola aos de espingardada: mal se aproximaram da entrada do enorme portal, toca de disparar a torto e a direito a metralha para o interior do terreiro .
Porém, com a mesma rapidez com que chegaram, assim dispersaram. Mais tarde vim a saber que o grupo , que protagonizara a insólita investida, era constituído por 13 emigrantes, que gozavam as férias de Agosto - Claro que, depois do que se passou, tinha de ser mais cauteloso. Não creio que fosse pelo facto do som os incomodar - É consequência de um certo medo supersticioso, que ainda paira sobre o passado do vetusto solar - Embora sem a vida de outros tempos e já quase em ruínas, mas capaz de amedrontar, quem ali passe depois do pôr do sol.
Corre a superstição de que a dita casa está assombrada e que aparece por lá o homem do gorro vermelho (o diabo) - E também consta que, gente vinda de fora, ainda lá faz alguns rituais. Sim, parece haver um fundo de verdade nisso - talvez atraída pelas velhas lendas do solar. Mas já não são os rituais de antigamente. Creio que foi por essa razão que o grupo de emigrantes lá se deslocou munido de artilharia pronta a fogachar.
Não creio que o som de tambor, a três quilómetros, os pudesse perturbar . Pior é o barulho que se ouve quando (pelas aldeias, noite a dentro) se jogam às cartas ou se curtem valentes bebedeiras atrás de bebedeiras nos cafés ou tabernas!... - Eu não tenho por hábito nem embebedar-me nem jogar à sueca. Tenho outros gostos e outros hábitos, que hei-de eu fazer?!.. Vou ter que seguir os hábitos dos outros?!... Lá por parecerem mais normais e usuais?!..
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