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sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Odisseia no Golfo da Guiné 31-10-1975 Completavam-se hoje, há 50 anos, 11 dias à deriva dia e noite numa frágil piroga

 

                                                             Jorge Trabulo Marques 


Vogando á deriva debaixo de escuríssimo teto dos Céus
Torturado pela brisa e pela fome! Estômago oprimido e vazio!
Mesmo assim, não desesperado, nunca perdendo
a fé numa força sobrenatural ou em Deus!

Perdido numa piroga -À deriva noite e dia!
Lado a lado com o abismo marítimo da morte!
Em noite de cinza escuríssima!
Mesmo assim, sereníssimo! Lutando e nunca desesperando
ou perdendo a fé e a confiança!- Embora esperando
a todo o instante, estar mais próximo
de ser engolido pelo manto da morte
de que ser salvo por mão salvadora
ou mão corajosa, oportuna  e amiga!

Longe da Terra, das suas vistas e de toda a gente! -
De todo entregue às minhas preces e ao meu silêncio!
Oh infinita noite escura! Que toldas meus olhos cansados
Sozinho, Isolado e aprisionado do Mundo!
Vogando à superfície deste ondulante manto sem fundo!
Mas, também. verdadeiramente livre de espírito e de pensamento!
Não tenho de cumprir horários ou dar satisfações a mais ninguém!
Vou sendo levado ao sabor do vento! Dele inteiramente dependo!

Sem rumo e sem destino! - Flutuando e cambaleando,
como ave marinha solitária que esvoaça, furtivamente
de vez em quando, riscando a solidão destes espaços!
A tempestade roubou-me o remo, deixou-me à deriva
Ás vezes navego com o remo improvisado
mas quando o mar fica encrespado,
lá volto eu novamente a ser arrastado!
Vogando para os mais diversos quadrantes!

Vogando em constante frágil tronco escavado!
Neste esquife pronto a voltar-me e a sepultar-me!
De todo encaixado neste madeiro de árvore de ocá!
Em pulsões latejantes nesta balouçante e alada casca!
Que vagueia ao sabor das correntes e dos ventos!
Que me aprisiona movimentos e mos faz subjugar!
Arrastado pelos seus caprichos, sem me poder agarrar a nada!
Umas vezes ameaçador e terrível! Sulcado de grossas vagas!
Ou em tumultuosa e escuríssima noite! Fantasmagórico mar!
Outras vezes mais humorado! Em tranquila calmaria presenteado!
Quando brisas leves mais parecem aquietar-me de que sufocar-me!

Mas, óh Deus infinito, poderoso e misterioso! Meu santo guardião!
Agora, quão densa e escura me é oferecida por esta noturna visão!
Para onde quer que me volte. só vejo água escura!
Só descubro formas de sombras! Negra escuridão!

Vogando à superfície deste líquido manto escuríssimo
Encoberto por uma imensa abóbada infinita!
semeada de grãos de fogo dispersos,
toldada por muralhas de trevas!
Que ao invés de me tranquilizarem,
mais assolam, me oprimem o coração!
Oh Infinita Noite! O Deus misericordioso e omnipresente!
Tende piedade de todos quantos, nestas horas graves e incertas
Se lembram de Vos pedir auxilio e proteção!!
Seja em cântico ou palavras vertidas de lágrimas e oração!

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

HALLOWEEN Do solitário peregrino da terra e do mar. Mas, por vestir estas túnicas cobertas de véu, já o quiseram matar: - AOS MILHARES DE VITIMAS QUE SOFRERAM PERSEGUIÇÃO, A TORTURA E A MORTE PELA TENEBROSA SANTA ?! INQUISIÇÃO

 



Sou peregrino solitário da terra e do mar. Mas, por vestir estas túnicas, já me quiseram matar: sim, em louvor dos meus sagrados penhascos e no mais solitário recolhimento, já me dispararam uma espingarda - Felizmente, Deus esteve ao meu lado para me resguardar; não me acertaram. Foi numa das minhas peregrinações solitárias nos penhascos do maciço dos Tambores, arredores da minha aldeia. E, agora, por razões politicas, escreveram uma carta ao meu irmão para me transmitirem brutais ameaças. Mas eu não desisto das minhas crenças e convições ideológicas, mesmo que me venham a custar a vida.










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Mas atenção: além do catolicismo, cedo aprendi outras artes com as filhas do anjo da luz no antigo solar do Vale Cheinho e, mais tarde, com os magos africanos, em S. Tomé. Esta arte tem o condão de proteger e fazer ricochete.

Diz e muito bem, o meu estimado conterrânio, Olimpio Sobral, que "o nepotismo e o caciquismo, são práticas profundamente enraizadas em algumas democracias, especialmente em regiões do interior do nosso país, representam sérias ameaças aos princípios democráticos. Frequentemente associadas à corrupção, essas práticas corroem a transparência, a igualdade e o interesse coletivo, promovendo privilégios particulares em detrimento do bem comum. Elas são expressões de um sistema político que, ao invés de servir à sociedade, serve a si mesmo, perpetuando dinâmicas de poder e dependência".

Enquanto puder - mesmo já com os 80 em cima- não deixarei de peregrinar e de pugnar pelo bem comum .

Peregrino de Luz, da terra e do mar me confesso
em plena liberdade de solitárias navegações e caminhadas
Peregrinando imerso na paz que este meu chão sagrado me dá
Em busca de um invisível Deus que não se vê mas que nos escuta!
Deslumbrado com o fulgor silencioso que nos purifica e liberta!
Sim, aqui, a luz, mesmo que turva pela névoa é sempre purificada!
Sinto pairar em torno de mim e acima dos meus olhos, um fluido
num crescendo volume de imensidade e plenitude de lúcida esfera!
De vibrátil quietude flutuante que se me abre num silêncio musical
Longe do bulício e do tumulto confuso da Terra, de todo o Mundo!
Caminhando por trilhos e caminhos, sem programa e sem destino!
Aspirando o perfume dos fetos, das ervas e das urzes e das giestas!
Que pacifica e tranquiliza em pacifico júbilo melodioso, imortal!
Sobre um chão de pedras, em que, cada um dos meus passos
ganha o alvor sublime de um sentido de eternidade, sem igual!
A sensibilidade perfeita e silvestre dum cristal luminoso e divino

DIAS DE ESCRAVATURA DO REGIME FASCISTA APADRINHADOS  PELO CATOLICISMO MAIS SERVENTUÁRIO  - O ambiente nas ruas enlameadas era verdadeiramente medieval!... Não havia electricidade nem água canalizada... A água era tirada dos poços e transportada em águadeiras ou à cabeça. Jantava-se ou fazia-se serão à luz da candeia de azeite ou de petróleo. O pão era amassado em casa e cozido nos fornos comunitários. A minha mãe, coitada, além de trabalhar no campo ajudar o meu pai na nossa lavoura, de ter que ir à ribeira lavar a roupa, ir buscar a água à fonte de cântaro à cabeça, ainda tinha que cozer as batatas e o caldo e ir amassar o pão... Matava-se a trabalhar: morreu nova... 


E o meu pai, na casa do sessenta. Também nunca lhe faltaram trabalhos... De uma família de seis, só somos dois; eu agora sou o filho mais velho. No Inverno a garotada andava de tamancos e no Verão descalços. Até aos sete anos, calça ou calção rachado atrás para facilmente se aliviar num canto menos movimentado ou por detrás de um paredeiro. A missa ao domingo era longa e muito chata... Aliás, pouco ou nada mudou... Eu ia... era mais uma. Mas esta, por enquanto, ainda a tomava mais a sério que a das irmãs feiticeiras. A do Solar dos Ventos Uivantes - dizem que é assombrada - e eu ia lá mais em jeito de aventura e para me divertir. Foi um começo, quase a brincar...
.
Claro, quem é que não é marcado pela infância e adolescência?!... Quando ali vou, ao Vale Cheínho ou Vale Cheiroso, e como a paisagem não mudou e o chilrear dos pássaros na Primavera ainda é o mesmo, entre outros bichos e aves, que ali param todo o ano, por vezes, até me parece que ainda me soam aos ouvidos os coros e a voz de comando da nossa irmã mais velha... "Meninas" e meninos! Vamos lá à dança e à contradança!!... Três voltas para a frente e três voltas para trás!... Viva! Viva Barrabás!... ... Tempos que não voltam e não se repetem!... Que saudades dessa liberdade e dessa misteriosa aventura nocturna.!...




Voltar lá, é como se ainda fosse garoto e estivesse a reviver os anos da inocência: a ida à meia-noite e a hora do regresso a casa...Quando nos aproximávamos da Rua Roda D'Àlém, toca a dispersar!... cada um ia ao seu destino... Sempre, muito antes da alvorada e do nascer do sol. Para ninguém correr o risco de ser visto... E sem os pais saberem, pois então!... Nessa noite a porta ficava só encostada;havia o cuidado de não a deixar fechar à chave..



... .............................. TAMBÉM EU FIZ A MINHA ESCOLHA

Sou daqueles que, cedo desiludidos dos templos e dos sacrários construídos por mãos profanas,  decidiriam voltar-se para a Mãe-Natureza, ao coração da Terra, à luz que emana da abóbada celeste no coração do dia ou no coração das trevas, contemplar a Lua, as estrelas, os mares que são o azul reflectido dos céus e a origem de todas as espécies , admirar os astros longínquos que irradiam claridade e nos iluminam, são a razão e o sentido da vida, e, por conseguinte, sou dos que aprenderam, desde criança, a ver na beleza dessas imagens a verdadeira presença divina, tornando-se nos seus legítimos apóstolos ou na genuína representação desses deuses, em si próprios.



.Recebi educação católica, foram esses os meus primeiros passos. E até andei dois meses no seminário, em Mogofores, até que fui expulso, devido a uma bebedeira de medronhos e quando, em confissão, revelei os rituais que praticara em criança. 


Admiro Cristo como Homem mas não o imagino um Deus Absoluto. Ou um Seu Enviado à Terra. Filhos de Universo e de um Deus Maior somos todos nós. São os oceanos, os continentes, todos os seus vivos e corpos aparentemente inertes. É, no fim de contas, aquilo a que, no meu modesto ponto de vista, resumo como sendo a Inteligência Universal.


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Gosto da sua imagem, natural e humana, vestido com as suas lindas túnicas e até de imitá-lo em alguns dos seus gestos quando envergo roupagens mais ou menos semelhantes; porém, desagrada-me e deprime-me vê-lo crucificado e coroado de espinhos, como um penoso castigo para toda a vida. Porém, desde que, ainda rapaz, me iniciei no culto aos deuses mais antigos da humanidade e das suas simbologias - o Sol, a Lua, os Astros, o Mar e as Pedras - sim, no fundo, nos símbolos que mais identificam o homem - o seu lado humano mas também animal(cabeça de bode ou de touro e corpo com a forma vertebral erecta), sinto que sou, por vocação natural e intrínseca, tendencialmente pagão.Outras vezes, no entanto, nem sei bem o que sou: vacilo até à descrença e ao agnosticismo. Gosto de música sagra e de coros religiosos, seja qual for a religião. Respeito, porém, todo os credos e cultos - e tenho, em todos, bons amigos - o que não significa que cerceei a minha liberdade de expressão.

´´.  


.EM ÁFRICA, CONVIVI E FUI AMIGO DE EXCELENTES CURANDEIROS NEGROS E DE SUAS MULHERES - TROCÁMOS CONHECIMENTOS E EXPERIÊNCIAS,


.                                        Que noite mais luminosa e magnífica!...

Nem me dava conta do arrefecimento e da geada que caía. Estava eu a chegar à aldeia quando ouço, por ali, naquele santo silêncio e suave amanhecer, um cão a ladrar e um galo no poleiro. Nem de propósito...Senti-me, uma vez mais, transposto àqueles tão risonhos tempos da minha adolescência... Claro, não deixei de me lembrar dos meus companheiros - hoje homens, outros que já morreram - e das chamadas filhas do Anjo da Luz,  tão venerado pelas nossas queridas irmãs, já falecidas. 

Algumas delas até já podiam ser nossas avós!..Oh, como eram tão alegres e folionas e como nós nos ríamos às gargalhadas das suas galhofas e traquinices, nos divertíamos tanto!...Sobretudo, quando nos beijavam o rabo (claro, de calças vestidas) e, uma das irmãs, a mais velha, depois de dançarmos e de darmos umas quantas voltas à volta do galo, de patas atadas e pousado junto ao defumador das aromáticas essências (alecrim rosmaninho, entre outras ervas ) ali bem no centro do terreiro, sim, se enchia de genica (como a mestra, a grande chefona, a madre-superiora) e se aprestava para torcer e degolar de um só golpe a pobre ave, cujo sangue era vertido imediatamente para uma tigela e dado a beber a todos os participantes. 

A princípio, não lhe achei piada, mas depois, como se ouviam sempre algumas chalaças, até me pareceu natural e lhe encontrei alguma graça... Mais tarde vim a saber por um dos meus companheiros, que, quando alguma delas andava com a pingadeira, colocava a malga debaixo da mocha para lá verter algumas gotas da escorrência do cio .Pior era a matança do porco na aldeia...Era infernal quando o tiravam do cortelho e o amarravam de patas e focinho sobre o cepo ou em cima do comprido banco de madeira. Depois vinha a faca!... Até as galinhas, que andavam à vontade, se espantavam!...
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Ninguém dizia nada a ninguém... O culto era secretíssimo. Nem as moscas podiam saber.... Cada irmã levava o seu rapaz, o seu menino: eram as nossas madrinhas. A do baptismo era para esquecer... Diziam-nos que era uma barbaridade deitar água gelada da pia baptismal na cabeça dos bebés... Eram contrárias a essas práticas cristãs.... E também não se casavam nem iam à missa... O seu noivo era o Senhor Deus Luz Belo: o Anjo da Luz! Deus Cornudo.. E a melhor missa era ao ar livre, repetiam-nos... A nossa!... Era tudo muito em segredo... Quando bebíamos o sangue de galo era precisamente também para nos lembrarmos de que a morte do galo significava calar o pio e que a vida de cada um era a vida de todos... Tinha que haver muitas cautelas!... Não se faziam confissões a quem quer que fosse.... E muito menos aos padres... Pela quadra da Páscoa.

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Uma vez o meu pai (que madrugou mais cedo para ir vender uns machos e umas vacas a uma feira) , apanhou-me à entrada de casa... Foi numa noite gélida de Inverno. Era quando mais saímos, visto as noites serem mais longas... Perguntou-me donde é que eu vinha àquelas horas... Eu disse que tinha andado a jogar o tiroliro com os outros rapazes no adro... Ele achou que era muito tarde e deu-me uma valente sova com a cilha da albarda.. Sim, foram tempos difíceis mas trazem-me saudades quando ali vou... A recordar o nosso ritual no vetusto solar... Por isso, vale a pena lá voltar e dar uns toques de búzio e de jambé, agitar umas sinetas, uns guizos ou uns chocalhos....Não há passeio mais agradável e espiritual que descer e subir aquela calçada romana pela calada da noite e respirar os alvores e os perfumes de uma fresca e orvalhada madrugada.Aliás, é um forte apelo a que não resisto, sinto essa intrínseca necessidade. Está-me no sangue...

Que me perdoem os meus amigos católicos... Se os melindro com esse meu duplo carácter... Sobretudo se algum dos que me conhece me vier a reconhecer neste blogue. Mas é um fado que me ficou de criança e de que me sinto incapaz de abandonar...Até já o fiz no mar... Preciso desse isolamento e desse recolhimento, tal como o pão para a boca ...

É uma espécie de alimento purificador do meu corpo e da minha alma... Faço essas peregrinações desde há vários anos. E então, agora, à medida que os anos passam... Mais tentadora é a atracção por aqueles tão belos rituais da minha adolescência.... Em recuar aos joviais tempos do pé descalço pelos carreiros e caminhos das fragas... nos penhascos e quebradas do maciço planáltico, onde termina o granito e começa o xisto, noutra área diferente dos arredores da minha aldeia. E onde faço um misto de investigação, devaneio e peregrinação espiritual mas também artística: registos nas pedras (esculpo) e fotografo (fotografo-me) na sítios onde me sinto melhor e mais identificado com o meu passado e as minhas ancestrais raízes.

Halloween é um termo importado dos países anglo-saxônicos, É uma festa pagã que pretende relembrar e festejar antigos cultos pagãos. Só que, lá tal como cá, é praticamente mero folclore, uma espécie de diversão carnavalesca. E poucos se lembrarão de que, embora seja uma festa associada a momentos de prazer e de misticismo, traz atrás de si memórias de tenebrosos tempos, em que milhares de vidas foram torturadas, enforcadas ou queimadas, por não seguirem os ditames do ocultismo católico, acusadas de práticas hereges.

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No antigo solar do Vale Cheínho ou Vale Cheiroso, também ainda por lá perpassa o espírito de algumas dessas vítimas. Pois a igreja nunca compreendeu, nem perdoou que, uma tal quinta, centenária, onde não faltava nada - desde o forno, ao lagar de vinho e de azeite, cabanal para gado, fonte e caminho romano -, não existisse uma capela. E a razão era simples: é porque, ali, quem vivia naquele tão frondoso e fértil vale ou canada, não queria saber do Cristo crucificado; festejava o espírito da Terra, a Mãe-Natureza e as suas divindades. Tal tradição - mesmo depois da quinta cair no esquecimento e em ruínas - persistiu até aos anos 60. Passou a ser um local de culto e de peregrinação por membros das várias irmandades existentes nas freguesias vizinhas.



O pequeno planeta terra, minúsculo na imensidade dos astros, perdidos nos espaços infinitos, prossegue o seu trajecto para o abismo. Os seus habitantes, os humanos, orgulhosos das suas descobertas, comportam-se como pequenos deuses e quebram as asas. Monstros aéreos violam o silêncio das noites e vão espalhar bombas incendiárias, torpedos mortíferos, sobre as cidades. As populações, despertadas pelo sinistro bramido dos alarmes, precipitam-se, alarmadas, para os abrigos, que são frequentemente covas provisórias, e os abutres metálicos de asas gigantescas tudo arrasam, deixando apenas ruínas e cadáveres. Monstros marítimos, violam o misterioso segredo dos oceanos, e esses tubarões metálicos, vampiros submarinos, engolem e devoram o fruto do trabalho dos homens, o pão dos homens. Tudo isso se cifra por hecatombes, fome, miséria e loucura propagadas. Que restará da humanidade, se o coração do homem só for animado por motivos de vingança e despique, e que esperança podemos ainda ter neste último?"

"O Homem, no mundo, profana a criação.
Profana os gestos, os sons, as cores, profana sobretudo as palavras que usa, levianamente, na tagarelice ou com perversidade, na mentira, no ódio ou na calúnia. Profana os números, os sinais matemáticos, ao utilizá-los em operações diabólicas de magia negra científica (fabrico de instrumentos de morte, de engenhos de destruição, de explosão). Profana o trabalho ao transformar o que fazia participar o homem, com entusiasmo e alegria, na actividade criadora de Deus, numa tarefa de escravo condenado aos gestos mecânicos do trabalho, à sujeição, na sinistra atmosfera das nossas fábricas. O homem profana os meios de expressão, a palavra, a literatura, a arte, a música, a pintura, as ciências, já não servem para dignificar o ser interior, para elevar o pensamento, para conservar a alma numa atmosfera idealizada de beleza e sabedoria, mas para procurar prazeres vulgares, para alimentar polémicas cheias de rancor"



(..)"O homem profana o ritmo da vida… Nas nossas modernas cidades tudo se transformou num gesticular desordenado, perda de ritmo, velocidade histérica, trepidação louca, numa doida correia de “robosts”, em direcção à monotonia da sua existência grisalha, ou de mundanos, em direcção à inutilidade dos seus prazeres enganadores. O homem moderno profana o silêncio: já não pode mais estar só, face a si e a Deus, e entontece, numa atmosfera barulhenta de arraial. O homem perdeu o sentido do mistério, da grandiosidade, da importância do seu papel humano na criação. Perdeu o sentido do sagrado." Ernest Genge
nbach

terça-feira, 28 de outubro de 2025

8º Dia à deriva numa piroga no Golfo da Guiné 28-10-1975 Ó Solidão Purificadora da Terra, dos Mares e dos Céus!.

 Jorge Trabulo Marques 

Ó Solidão Purificadora da Terra, dos Mares e dos Céus!...  Em noite alta, solitária e cerrada, escura é a noite, escuros  serão os  caminhos    que se me abrem em todas as direcções!......E também  escuros   serão certamente os caminhos que  me conduzirão a Deus... 

Imagem registada com a máquina fixada ao mastro e disparada com um barrote
Jorge Trabulo Marques. Recordando os meus 38 dias à deriva numa canoa no Golfo da Guiné , pelos mesmos mares    que o épico de  “Os Lusíadas! Cantou

"Sempre enfim para o Austro a aguda proa
No grandíssimo gólfão nos metemos,
Deixando a serra aspérrima Leoa,
Co'o cabo a quem das Palmas nome demos.
O grande rio, onde batendo soa
O mar nas praias notas que ali temos,
Ficou, com a Ilha ilustre que tomou
O nome dum que o lado a Deus tocou"


 
O tormento no meu coração me dá alegria; que a esperança enganosa fique longe de mim”


Si dolce è’l tormento

Si dolce è’l tormento
Ch’in seno mi sta,
Ch’io vivo contento
Per cruda beltà.
Nel ciel di bellezza
S’accreschi fierezza
Et manchi pietà:
Che sempre qual scoglio
All’onda d’orgoglio

Versos de Claudio Monteverdi

Por aqueles que sulcaram mares nunca dantes navegados e conhecidos - Sons épicos e versos de Euclides Cavaco, evocando Vasco da Gama - O grande marinheiro português, aquele que abriria a primeira rota marítima entre os Oceanos Atlântico e Índico, vídeo, com sons dos mares, em que, arrojados navegadores, partindo em frágeis caravelas, desbravando os sete oceanos, foram dando a conhecer novos mundos ao mundo;



Ó Solidão Purificadora da Terra, dos Mares e dos Céus!...
Em noite alta solitária e cerrada,
a sós com Deus e com minha alma,
mais taciturna que tranquila ou alvoroçada,
sinto, escuto e medito quão medonho e triste
é o manto escuro que ondula e me envolve!
Como, se em cada vaga que espuma e me sacode,
em cada inesperado golpe penúmbreo e volúvel
que cruelmente investe sobre o casco instável
e tombaleante do meu frágil e penoso esquife,
no dorso do tosco madeiro em que resisto e vogo,
subitamente rolasse comigo, inteiro e vivo
e, sem poder sequer pronunciar uma palavra
ou implorar uma prece ou gritar um simples ai
- Oh! Quem me socorre! Ai! Quem me acode! –

Sim, imediatamente descesse até ser envolvido
pelos lodosos e talvez florescentes limos
dos  escombros ou despojos de outros desgraçados
esquecidos nas mais negrissimas cavernas abissais
para ali meu corpo se decompor e diluir para sempre
ofuscado completamente da  luz solar  ou do luar!
Perdido  e esquecido para um nunca mais
no fundo do mais abissal  e fantasmagórico sepulcro!

Todavia, enquanto assim quiser o meu ínvio  destino,
vou indo sem rumo, não sei bem para que outro mundo!
Açoitado e arrastado por montões de sinistro brilho!
E na iminência constante de ser tragado e engolido!
Na liquidez da vasta superfície de um agoiro escondido!

Um caixote de lixo a servir de baú 

Mas esta é também a vasta e sombria noite que habito!
que silenciosamente perscruto e me faz companhia!
Num permanente reencontro, entre o cismo e o pasmo !
A noite de todas as eras, silêncios, marulhos e rugidos!
A noite assombrosa que vou prosseguindo sempre
no seu movimento e ritmo constante mas renovado!
Perpetuadamente instável, fluídico e inacabado!
Sob um espesso teto de pardas ou brancas névoas,
ou buracos, que ora se entreabrem ora cerram
no infinito azul profundo e estrelado
que não me inibe, intimida ou apavora,
por tão familiar eu lhe pertencer,
mas que também não me deslumbra
nem  conforta meu ser ou me consola!






Sim, vogo por este imenso vale despido !

Alheio a  tudo que é vivo e floresce!
Através deste  ermo deserto noturno,
que ora reaparece ora se me ofusca!
Aberto e livre a todos os instante e marés!
Mesmo quando a arcada das minhas pálpebras
descai e soçobra vencida ao sono e à fadiga
mesmo assim, ao mais leve estremeção
ou mais agreste báte-báte de violenta vaga,
estertor a fustigar o casco da  frágil piroga,
abro logo meus espantados olhos,
como que em sintonia ao pulsar
mais acelerado do meu coração,
tendo de imediato a nítida percepção,
de quão sozinho vou indo continuamente
arrastado pelo hálito das correntes e  ventos
vogando à flor de revolto mar
ou de perturbadora e podre calmaria
triste e desamparado,sentindo,
porém, em mim, não propriamente o tolhedor medo
mas a vital necessidade de um acolhedor abrigo ou afago,
de encontrar neste imenso circulo de turvos brilhos de mar
a tão desejada e justíssima aspiração à paz e plenitude,!
Sim!.. Mesmo na vastidão do distorcido e turvo espelho
da ondulante toalha líquida que se expande e não tem fim!
Sinto em mim, o hálito salgado com que me entonteço e respiro!


Vou indo  assim à deriva, sereno e grave, 
sem precisar de auxilio de ninguém!
Pois, mesmo que dele precisasse, 
ninguém me estenderia a meu lado ou do alto a sua mão!
Atento e indiferente  ao estrondo  e à luminescência de tudo 
ao silêncio que cintila ou à surdina do ecoar do surdo marulho!
Vestido com as vestes da nocturna e translúcida solidão!
Absorto  à crua e nua verdade transfigurada de assombro!

As trevas adensam-se na atmosfera e,  por tão habituais,
quase  já não me impressionam, não me comovem mais.
Fazem o seu percurso. Eu  vou  fazendo sinuoso o meu!
Embora não sabendo qual o destino que Deus me deu!...


Alguns dos tubarões pescados

Sim, as sombras estão por todo o lado,
flexíveis e em sagrado âmago e comunhão!
Espalham-se em círculos  de tingida água de luto,
em cintilante matéria alada de arcos de estranho veludo
sobre mim, em qualquer ponto ou aérea linha ou direçao!

Vagueio sem destino  com a coragem e o medo que ainda não sei vencer.

Não recuo a nada....Porque, enquanto tiver algum medo é sinal de que vivo....
Vou indo com o soooar do mar! Com o mar que soa! Com o mar que brâaame!..
Vou indo, derivando com o mar que voa!... Com o mar a bramaar!

Sou o cavaleiro andante sonhando acordado!... Sonhando cavalgando
este vasto largo, este imenso ondular.. Sonhando e cavalgando o mar!...
Porque, ao sonho, não há limites, depurações nem outras barreiras!
A noite atormenta corações solitários, ante um mudo firmamento! 
Ou quando espessas névoas ofuscam o sono luminosos do sonho!
Mas esta é a pupila e o aroma fluido do meu  ilimitado tormento 
bem longe das vistas do mundo, dos ocultos e longínquos astros!
E agora que o silêncio é submerso pelo rugido do vento e do mar,
Vestindo as  roupagens da noite, tendo-as por únicas companheiras!..





Mas, ó  piedade impiedosa dos céus!..
Nenhum sinal de vida! Ninguém...Nem vivalma!
Este é o nervo desta desmaiada e violeta evidência!
Só as vagas.... e atrás das vagas, outras vagas ainda!
O vento soluça e geme. Perpassa-me pelos meus ouvidos
como um fino acorde quando menos se exaspera ou aquieta!
- Estou continuamente envolto  pela lividez da sua fulgência!



Sonâmbulo abandono o meu, estranha vida esta a minha!...
Onde irei eu numa noite de breu assim e por este mar fora?!.. 
A que distância haverá um qualquer porto ou cais de abrigo? 
- Praia de areia fina dourada ou grossa e negra em costa rochosa 
onde possa eliminar as sombras dos meus olhos e ali possa repousar!...

As nuvens vão correndo  escuras e velozes no tropel da sua marcha,
 galopando lívidas, enroladas de novelos, quase sobre a minha cabeça 
fazendo-me confundir  com o cenário do mesmo sombrio e caótico  tumulto! 
Quase me sentindo esmagado e sufocado pelo  pelo seu corrido e alado peso. 


Em que ponto do mar ou do céu poderei pousar o meu olhar?!..

Bravio e deserto! Espectral cenário!  - Estranha e cruel beleza!
Quem se compadece de mim?!... Tão prolongado já vai
o sofrimento, a angústia que me aplaca e não se esvai,
que, de tanto penar neste deserto varrido, cinzento e sombrio
e, dos céus cerrados, vir somente a indiferença e a imanente  frieza,
sim, tamanha já  é a minha dor, a amargura intensa que não se me apaga,
que, esta contínua incerteza, este permanente amargo e continuado penar,
este resignado sentimento na sua dinâmica dureza que me fustiga e perturba,
se transforma, simultaneamente, não só em persistente,  profusa e sentida dor
mas também num misto de sereno, doce e balsâmico alívio e vão contentamento!
Como se eu fosse - mesmo diluído e  errante como as sombras desta agitada vastidão
o Deus de mim próprio e das escuras névoas, o meu próprio Senhor e Génio Criador!



De peregrino nos mares a peregrino da terra e da luz

















É o vento, são as vagas!...
No tropel desta imensa e negra vastidão!...
Encadeadas umas atrás de outras vagas! 
E de outras que invisivelmente lhe vão sucedendo, 
no interminável movimento do seu infatigável carrossel!...
Neste tumulto de esquecimento, talvez só meio silenciado ou apagado  
nas covas da  sua tumultuosa e espumante e nocturna ímpia ondulação 
ou  então quando raiar a alvorada a mostrarão ao iodo acre estampado 
nos meus olhos, à  minha face  e ao meu coração talvez em ruínas e devassado!

Sim! Há  um marulho a toda à volta que tumultua, se levanta, blasfémia e uiva!...
Sob o teto de um firmamento  escuríssimo, cobrindo-se de desumana imensidade!
Mais cerrado e  debaixo dos longínquos astros, ofuscado das estrelas, como nunca!
Que põe nas cadências da minha alma e na angústia do meu peito magro e dolorido,
um estremecimento estranho e inexplicável, uma dor aguda, vazia e árida,
que, na eternidade dos timbres  dos remoinhos deste negro mar,
na  volúpia de uma caótica e desarmoniosa modulação,  
sobre a tosca tábua onde vagueio e sem qualquer refúgio,
 faz sobressaltar  ainda mais o palpitar meu pobre coração!



Soergo-me ajoelhado, tímido levanto o húmido oleado
com que cubro a piroga, envergando ainda a capa 
com que durmo e debruço-me sobre a  frágil borda,
espreito por uma nesga o que vai lá fora,
olho a noite de olhar turvo e arregalado
para descortinar o que vai ao largo....

É o fuzilar de relâmpagos e mais relâmpagos a rasgar negridão.
Fico preocupado…Além dos sinistros raios a incendiar o mar,
que fulgurantemente rasgam a espessa vastidão que me cobre
e  a turbulência do turvo horizonte em todo o circulo, além de mim,
nada mais  ouço que o uivar do vento e, nos  sombrios confins, 
também agora a trovejar o  ribombar de um sinistro trovão!..

Nada mais enxergo que manchas fugidias e difusas!
Vultos disformes!...Vultos diluídos e montanhosos!
E, atrás desses vultos, alterosos, difusos e escuros,
outros maiores, e sem tréguas, se  enrolam fugidios
à superfície  vestida de  imensa e negra vastidão!..

Manchete da travessia S. Tomé -Nigeria 


















Ameaçado por constantes e cruéis  sacudidelas
cambaleando como um ébrio mas vigilante e lúcido
em vão perscruto o denso horizonte e nada enxergo,
senão  manchas de massas desconformes e gelatinosas,
acima da ondulante vastidão que  meus olhos cega e turva..
.
Em vão, vogando, lúcido e atento, sulcando as  movediças águas.
mais  como espírito pairando de que como ser humano  vivo e perdido,
talvez como o profeta jesus pilotando a sua barca em demanda da sua cruz! 
Em cuja imensa cúpula nem a lua nem as estrelas, dão sinais da mais ténue luz!
Só farrapos  de cinzas e penumbras esfarrapadas, pairam do alto ou vindo debaixo
vão correndo à superfície das penumbras viscosas da erma vastidão lívida e líquida.
Sobre a qual emergem  novelos  de névoas fantasmagóricas,  formas vagas e  fugidias!
Movendo-se  e avançando  na crina do vento  e do mesmo manto fúnebre e ondulante !
Descendo ou subindo a crista da vaga ou  desaparecendo, tão subitamente
como se lembrassem dispersos navios fantasmas cavalgando, avançando e ondulando!

Nenhum raio de luz vem do alto!.. E, no entanto,
as águas enrolam-se e refletem um brilho lívido e baço!
Acima de mim e  deste meu vagabundo e solitário vaguear 
Não há uma aberta, um devaneio à dor ou  assomo de  claridade!..
Por isso, sinto-me agora ainda mais recolhido e desolado. 
sozinho, triste, perdido e abandonado!  - Mas com fé!
Entregue às mãos de um milagroso e germinador Criador!
Imerso numa paz podre e angustiante, tendo por cenário,
um quadro que tem tanto de sombrio, como de horrível e belo!
Traz nas pastosas vagas que se revolvem e quebram ao meu lado,
o timbre  iminente de mais umas longas e atribuladas horas de vigília! 
De sonos perdidos, enfrentando as sucessivas ameaças e investidas!
Durante o dia ainda  se vê donde vem o perigo e como enfrentá-lo.
Porém, quando à escura  noite, sobrevém a violência dum tornado
ou a inesperada tempestade, tudo é medonho!...- Não há palavras!.

Os humores e os remoinhos do mar são um permanente catavento!
Variam subitamente  e  mudam-se como o vento e  sem desfalecimento!  


Remando com o remo improvisado

Vento e vagas! negros estão os mares e os céus!
Dentro de mim, onde vogo, em redor ao largo e ao alto
reina a solidão e o peso da noite mais funda! - Estou só!
Angustiado, face ao abandono do mundo e de Deus.
Estômago a dar horas, encolhido e vazio como um fole!
Em vão aperto o cinto, martirizado por fome atroz!
Sequioso de água potável - Corroído e atormentado
pela sede  - No equador o sol é a pino! Agora que eu faço?!..
Água potável, só a das chuvas ou recurso à do salgado mar!
Oh, sim!..Dorido das chagas, as feridas da muita humidade,
das pústulas  que me cobrem as partes! Vogando enfim
por caminhos ínvios que eu não sei - Silente e prostrado,
taciturno no fundo  de mísero esquife que flutua- Deste caixão
vergastado vogando na solidão de escuras águas de espuma!
Solitário e silencioso, nem um murmúrio balbucio mas sofro.
E choro por vezes as lágrimas sofridas da minha cruel sorte.
Errando na confusa superfície, derivando à toa e sem norte!
Qual vida sem rumo ou névoa que se esbate, esvai desfaz ou apaga.
Qual moribundo! Qual Cristo que espia descido da cruz do calvário!

Não desesperado, não rendido mas já mais inseguro e menos calmo,
sem que alguém me responda, inquieto, pergunto ao meu coração:
- Serei apenas a onda fugidia que se ergue franjada e se desfaz?!..
O espectro diluído e esfumado, a alma  errante de outro mundo?!..
Afinal, o que serei eu à flor deste mar negro fugidio e encapelado?!...
Serei o homem só no vasto oceano revolto vogando perdido
à espera de cair  no tumultuoso negrume da  mais horrível tumba,
envolvido pelos dedos crespos do mais insondável poço ou abismo?!..

Ó negros e opacos céus, ó negros e corridos mares!...
- Longe já vão essas noites nas densas trevas envolto
pelo bafo  permanente da aragem viscosa da morte,
as vergastadas  ou os salpicos violentos da salgada espuma!
Todavia, quão perto os tenho ainda na minha memória!
Quão posso agradecer a Deus e aos Céus, a minha sorte!

Jorge Trabulo Marques