Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador
Gravuras e
enigmas do Côa, voltaram a maravilhar os arqueólogos - Sim, libertando a famosa
'rocha
09' de mais sedimentos, estudada em 1999 e
desnudando-a de aterros, com novas escavações, pondo a descoberto mais uns metros de acrescidas e belas composições artísticas
Revela a imprensa, que “uma
equipa multidisciplinar acredita ter colocado a descoberto um dos maiores
painéis de arte rupestre ao ar livre, com cerca de 10 metros de comprimento, no
sítio da Fariseu, no Vale do Côa, com a descida do caudal do rio, “onde
se encontra 'picotado' o maior auroque do mundo, que inicialmente tinha 3,5
metros visíveis, com estas sondagens revelou uma extensão de 10 metros de
comprimento”
Estive na
Canada do Fariseu, quando o leito do Côa baixou por 15 dias, nos finais de
1999, devido a obras com a construção da nova ponte
internacional, na foz do Águeda, em Barca D’Alva, tendo feito a reportagem para o
jornal ECÔA, no qual colaborei, gratuitamente, em centenas de páginas.
Foram estes
os títulos em manchete: “O Côa continua a surpreender os
arqueólogos – “O CÔA CONTINUA A SURPREENDER OS ARQUEÓLGOGOS -
DESCOBERTO PAINEL DE GRAVURAS COM MAIS
DE VINTE MIL ANOS
Dando na minha coluna
“PALEOLITICÁRIO”, este destaque: “A ARTE
DO CÔA AINDA É MAIS ANTIGA DO QUE SE PENSAVA, referindo que “Os enigmas do Vale do Côa são um
manancial inesgotável” E sublinhando
constituir-se como “um verdadeiro livro
aberto da história da Humanidade”
“ Na verdade! - dizia eu “quando tudo levava a crer que Foz Côa era já um caso esquecido, eis
que, das entranhas da terra, em subsolo paleolítico, surge a maior das
surpresas e talvez mesmo a maior das maravilhas – Uma rocha incrustada com
dezenas de belíssimas gravuras, em perfeito estado de conservação, desde
cavalos com duas cabeças, auroques, cobras, cabras, veados, entre outras
figurinhas sobrepostas de animais que deslumbraram os especialistas e que, a
partir de agora, certamente deitarão por terra, mesmo as dúvidas
dos mais céticos. Sim, quem daria que o Vale Sagrado, ainda tinha (e terá, com certeza) tantos mistérios por
revelar”.- Pormenores mais à frente.
É destacado,
também, pelo JN, que ampliação da área de trabalho permitiu a oportunidade aos
arqueólogos “perceber a relação da vida quotidiana do Paleolítico Superior com
a arte do Côa”. vincou Thierry Aubry
HÁ 21 ANOS O PAINEL DA
“ROCHA 9” ERA JÁ CONSIDERADO A MAIS
SURPREENDENTE DESCOBERTA DO VALE DO COA –
E que poderia contribuir para, além de um importante testemunho da arte
paleolítica, inclusivamente o estudo do próprio habitat.
Infelizmente, tendo voltado a ficar coberto pelas mesmas lamas e submerso pelo leito do rio, com a esperança de que um dia pudesse voltar a ser descoberto e estudado – Tal como dizia: “Com um misto de algum júbilo ou contida alegria de um dever cumprido. Já que, todas as esperanças, apontam para que aquele tesouro, que ora ali jaz oculto, não tarde a que se resgate e volte a ser admirado como talvez o mais belo vitral de um museu vivo”.
Recordando, o meu artigo,
começava por referir: - “Como é já do
domínio público, a descida do nível da albufeira do Pocinho, devido a obras com
a construção da nova ponte internacional, na foz do Águeda, em Barca D’Alva,
permitiu a uma equipa dos
arqueólogos, dirigida por Martinho
Baptista e por Thiery Aubry, trazer à
luz do dia uma das mais espantosas descobertas
até agora feitas no domínio da
arte rupestre no nosso país, e
porventura em todo o mundo. Isto, porque,
pela primeira vez foram encontradas em sedimentos de mais de duas
dezenas de milhares de anos, não apenas gravuras subterradas, mas também as
famosas plaquetas de arte móvel e uma
série de utensílios líticos que o homem
usou para imprimir os desenhos dos seus
ídolos ou perpetuar os símbolos e
figuras dos seus cultos, entre outros vestígios em seixo e em quartzite, que
testemunham, além da sua arte, inclusivamente o próprio habitat.
Enquanto, ate agora, os arqueólogos tinham que cingir os seus
estudos ao chamado método estilístico, comparando as gravuras ao ar livre com
as pinturas descobertas nas grutas, onde a pigmentação permitia o recurso a uma
rigorosa datação científica, ora bem, havendo subsolo da época, é perfeitamente
possível calcular geologicamente a sua idade – através da estratigrafia. Esta é
uma das possibilidades. Outra é a análise química desses mesmos estratos. Mas,
pelo que ali apurei, este processo
talvez não seja dos melhores devido à acidez do terreno, que terá praticamente
eliminado toda a matéria orgânica. Antes, sim, sobre os pedacitos de materiais
líticos encontrados nas escavações, alguns deles submetidos a altas
temperaturas na época(locais com lareiras), que, pelo método de termoluminescência, podem ser datados, Daí
que, perante esta mão cheia de
informações, o Director do Centro Nacional
de Arte Rupestre, Martinho Baptista, uma das autoridades mais cotadas em
estilística neste domínio, não caiba de contente ao admitir que a idade das
gravuras do Côa, pode ser muito mais antiga do que inicialmente se pensava.
Pois considera que grande parte destes achados se situe em patamares mais
recuados da civilização paleolítica. No denominado período Grafense ou Solutrense, que se estende aos 25.00O a
20.000 anos A.C.A.C.
É claro que, isto de
milénios, se comparado com o tempo normal de uma vida humana, poderá parecer-nos
uma eternidade, e, deste modo, deixar-nos perplexos ou conduzir-nos algumas
dúvidas. Mas, não é bem assim. Com efeito, cada um de nós, não é senão um
brevíssimo instante na grande jornada da evolução do homem. E, é claro, apenas
remontando à era da pedra lascada aos
nossos dias, já que a nossa origem perde-se numa autêntica noite de trevas.
Esta, pois, uma das
razões pelas quais o património
arqueológico do Vale do Côa, é, sem dúvida, um verdadeiro livro aberto da
história da Humanidade, dado que, em muitas das suas pedras - xistosas e também
graníticas – perduram registos gravados e pintados que nos dão conta das
grandes etapas civilizacionais por que atravessámos e de que há elementos de estudo. Afinal, a
partir de agora, com um valor acrescentados: - é que, com as novas descobertas,
a arte do Côa, já não precisa de ir buscar
referências a outros pontos do globo para se avaliar – tem, em si,
elementos que fazem dela a sua própria referência.
UM ENTERRO SEM LUTO MAS
COM ALGUNS SORRISOS
O local onde foram feitas
as mais recentes descobertas rupestres, situa-se ao fundo da encosta do
Fariseu, na margem esquerda do Côa, talvez num dos pontos mais belos e
silenciosos do rio. Do outro lado de lá, e quase meia encosta da íngreme
ladeira, que ali se ergue, como uma muralha natural, está a casa da velha Quinta do Bravio, já desabitada e com o
terreno por cultivar. Por isso, o que até agora existe, além da imagem inóspita
e dura de outros tempos, é o abandono. Mas, talvez, nem isso; penso que o que
agora mais sobressai é uma grande quietude – um rio calmo, porque, a albufeira,
que entra por ele acima, faz com que as suas águas pareçam paradas; depois,
aquelas duas ladeiras, que quase se
tocam e se unem em canhão, o que nelas verdadeiramente se descobre é uma imensa
paz, um enorme silêncio.
Assim, não me custa pois
a crer, que, há milénios, os homens que ali montavam os seus acampamentos e se agasalhavam de peles de animais e alimentavam de frutos silvestres, da caça e da pesca,
elegessem este sítio como dos mais predilectos das suas migrações do litoral
para o interior.
De facto, a prova está à
vista, tão encantados terão ficado com o lugar com o lugar que, além de nele se
acantonarem, por lá invocarem os seus deuses e, uma das formas escolhidas, terá
sido justamente atra
Foi realmente o que
fizeram as esquipas técnicas do PAVC
durante os 15 dias que ali andaram –
arqueólogos, arqueólogas e auxiliares. Não olhando às inclemências do tempo –
dia e noite – ao frio, aos nevoeiros, à chuva, enfim, ante as condições mais
adversas da estação.
Valeu a pena, pelos
vistos. Pois, a euforia e o prazer da descoberta, terão sido o bastante para
esquecer longas horas de dedicação.
O que, talvez, mais lhe
tenha custado, terá sido o facto da sua maravilha, posta que fora à luz do dia,
ter de voltar ao fundo da terra. Como se de repente, uma magnifica revelação,
se transformasse em trevas, ou pior, numa sepultura coberta por um pesado
entulho e um silêncio de pedra. Mas, até um dia. Pois, frise-se,
contrariamente, aos enterros habituais,
ali tudo se passou sem luto, sem dor e sem lágrimas, antes sim, segundo me pareceu. Com um misto de algum
júbilo ou contida alegria de um dever cumprido. Já que, todas as esperanças,
apontam para que aquele tesouro, que ora ali jaz oculto, não tarde a que se
resgate e volte a ser admirado como
talvez o mais belo vitral de um museu vivo.
Jorge Trabulo Marques –
Da coluna PALEOTICÁRIO, do mensário ECÔA,