Jorge Trabulo Marques – Jornalista, navegador solitário e investigador
Antoine,
és só um ano mais velho que eu mas ambos somos amigos do mar, ambos
somos tocados pela mesma paixão. Eu tive a felicidade de ter vivido 12
anos numa das mais belas ilhas do mundo, em S. Tomé, onde aprendi a arte
de navegar nas frágeis pirogas dos pescadores, meus primeiros mestres,
precisamente na ilha onde te encontrei à beira do teu veleiro, junto
ao qual me ofereceste uma carta marítima e me destes as tuas opiniões
sobre as correntes no Golfo da Guiné, palco de várias das minhas
aventuras.
Tu
dizes que tiveste “a sorte de ser um viajante e quase nunca ter parado
de viajar desde então. J'ai eu la chance d'être un voyageur et je n'ai
presque jamais cessé de voyager depuis.
"Nasci em um lugar muito exótico , em Tamatave, Madagascar, onde meu pai trabalhava em Obras Públicas da então chamada França Ultramarina ... não me peça lembranças de Madagascar, eu tenho saiu aos 2 ou 3 anos e não me lembro de nada ... Em 1946, minha família se mudou para Saint Pierre e Miquelon por duas estadias de quase 3 anos. Se, para lá, eu cruzar o Atlântico quatro vezes em transatlânticos, e se eu navegar modelos de veleiros nas mesmas lagoas onde patinamos no inverno , a chamada do Mar não me afeta. ainda não conseguiu! Mais pormenores em https://www.futura-
"Antoine , nome artístico de Pierre Antoine Muraccioli, um
cantor pop francês e também um marinheiro, aventureiro, escritor,
fotógrafo e cineasta de origem corsa, nascido em 4 de junho de 1944 em
Tomasina ( Madagáscar, então parte do império colonial francês no qual
seu pai estava trabalhando. Quando criança, ele viveu em São Pedro e
Miquelon, Marselha e Camarões franceses, retornando definitivamente à
França metropolitana em 1958. Ele se formou no Lycée Champollion em
Grenoble, destacando-se em matemática avançada.
Como
músico, ele fez parte de uma nova onda de cantores e compositores
franceses de meados do final da década de 1960, comparável de alguma
maneira a Bob Dylan ou Donovan, mas também evidenciando alguns dos hard
rock de garagem. estilo semelhante ao Rolling Stones, The Animals e
Them, e alcançar alguma medida do estrelato pop.
Marinheiro
Em
1969, Antoine descobriu-se a velejar por acaso, depois de alugar uma
casa na Riviera Francesa, que incluía um bote. Embora ele nunca tenha
parando de escrever e tocar, em 1974 ele também se apaixonou pelo mar e
para outras atividades.
A primeira aventura foi a travessia de São Tomé ao Príncipe. Estávamos em 1970.
Larguei à meia-noite, clandestinamente, pois sabia que, se pedisse autorização, me seria recusada, dada a perigosidade da viagem, levando comigo apenas uma rudimentar bússola para me orientar. Fui preso pela PIDE, por suspeita de me querer ir juntar ao movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, no Gabão, o que não era o caso. Levei três dias e enfrentei dois tornados. À segunda noite adormeci e voltei-me com a canoa em pleno alto mar.Esta era minúscula e vivi um verdadeiro drama para me salvar, debatendo-me como extrema dificuldade no meio do sorvedouro denegrido das águas.
Cinco anos depois, numa piroga um pouco maior, fiz a
ligação de São Tomé à Nigéria. Uma vez mais parti sem dar a conhecer os
meus propósitos, ao começo da noite, servindo-me apenas de uma simples
bússola. Ao cabo de 12 dias chegava a uma praia ao sul deste país
africano, tendo sido detido durante 17 dias por
suspeita de espionagem, após o que fui repatriado para Portugal. Os
jornais nigerianos destacaram em primeira página o feito.
Novembro
1975 – Algures na grande solidão do Golfo da Guiné – Esta bandeira da
pátria santomense, ainda com cerca de meio ano após a independência,
desfraldada num dia de calmaria, foi-me confiscada e rasgada na cadeia
da morte, em Malabo, sob o tenebroso regime de Macias Nguema, na qual
fui preso para ser executado por suspeita de espionagem - Quis o destino
que o então jovem Obiang Nguema, atual Presidente da Guiné Equatorial,
contrariando as ordens do seu tio, me libertasse no dia em que ia ser
enforcado - Conhecida por Black Beach, o "buraco do inferno"
Os objectivos destas travessias visavam demonstrar a possibilidade de antigos povos africanos terem povoado as ilhas, situadas naquele Golfo, muito antes dos nossos navegadores, ali terem chegado, contrariamente ao que defendem as teses coloniais, que dizem que as ilhas estavam completamente desabitadas - E a verdade é que, entretanto, já foram encontradas antigas cartas em arquivos, do tempo dos árabes, que provam, justamente, esses contactos com povos que, de há muito, ali viviam. Factos históricos que, de modo algum, poderão pôr em causa o mérito dos nossos arrojados marinheiros
Larguei
da praia Gambôa, por volta das oito da noite: quem me conduziu ao local
foi o saudoso professor Ferreira da Silva, a quem disse que ia passar
uns dias de retiro no ilhéu das Cabras, devido às perseguições e
espancamentos que estava a ser alvo por parte de um grupo de colonos,
devido aos meus artigos na revista Semana Ilustrada, que não se
conformavam com a liberdade de imprensa, instaurada pela revolução do 25
de Abril – Pois, além dos primeiros artigos, na imprensa, do massacre
do Batepá, também cheguei a dar destaque às manifestações
pró-independência.
A
única pessoa que sabia da minha intenção era a minha companheira
Margarida, que também me acompanhou na viatura do Prof Ferreira da Silva
–E que, segundo mais tarde vim a saber, além das lágrimas que verteu
quando me deu o último beijo de despedida, nessa noite ficou muito
preocupada, pois também se apercebeu do violento tornado que nessa noite
se abateu sobre a cidade e aquela área e que ainda me surpreendeu muito
próximo da costa – Lá me safei com extremas dificuldades, pois os
tornados são muito mais perigosos junto a terra de que no alto mar.
DE SIMPLES PRAIA DE PESCADORES A UMA DAS PRINCIPAIS CIDADES DA NIGÉRIA
Na
altura, a praia onde aportei, além da existência das instalações
petrolíferas, pouco mais era que uma humilde aldeia de pescadores –
Hoje, certamente, já terá dado ligar a grandes construções, que é o que
depreendo pelas imagens que pude consultar na Internet
Mesmo
vila ou cidade, Eket, que existia nas imediações, comparada com o que é
hoje, parece-me muito diferente – É referido que pertence ao estado
de Akwa Ibom, um dos 36 estados da Nigéria, com uma população de mais
de 5 milhões de pessoas e cerca de 10 milhões de pessoas em diaspora.
Foi criado em 1987 do antigo estado Cross River e é uma das principais
áreas produtoras de petróleo no país. A capital do estado é Uyo, a casa
de mais de 500.000 pessoas e um centro acadêmico proeminente
Universidade de Uyo. Akwa Ibom, que tem dois grandes portos marítimos.
Ao
cabo de 12 dias chegava a uma praia ao sul deste país africano, depois
de ter passado uma confusa noite, sem saber bem para onde me dirigir,
numa zona com vários poços de petróleo, em plena laboração, tendo mesmo
passado a navegar por baixo da ponte de um deles. O maior problema,
porém, podia ter-me surgido quando me aproximei junto da ré de um
petroleiro, que se encontrava fundeado ao largo, supondo-se tratar-se de
um porto: mal me aproximei, fui imediatamente repelido pelo movimento
da hélice , que se encontrava a trabalhar, possivelmente para produzir
energia elétrica: a minha sorte foi não ter sido puxado no sentido
inverso, pois quando não teria logo sido desfeito e desaparecido.
Ás
tantas, vejo um barco de cabotagem na minha direção, que deveria estar a
fazer ligação entre algum petroleiro e a terra: vendo que não se desvia
desse rumo, amarrei-me a uma cordo pronto a atirar-me o mar. Ao mesmo
tempo que apontava a luz da lanterna para o pano da vela para se
afastarem de mim, Mas, uma vez mais a minha boa estrelinha, esteve ao
meu lado: o barco passou a uns escassos metros, ao ponto de ouvir mesmo o
falatório da sua tripulação mas não me viram e o perigo lá passou.
Continuei
a velejar com luzes em vários pontos: quando amanheceu voltou a passar
outro barco por mim: era um pesqueiro: o barco abrandou a marcha e
ainda me passaram uma garrafa de água. Depois, já muito cansado por não
ter dormido em toda a noite, acabei por adormecer, tendo sido acordado
com abordagem de três pescadores, que, supondo que a canoa andasse
perdida, entraram a bordo da mesma e me ofereceram uma bebida à base de
uma fermentação e, amavelmente, me ajudaram a conduzir a canoa para a
praia.
Como
esta era baixa e o mar estava um bocado picado, e sendo a proa da minha
canoa mais baixa de que a deles, prenderam a canoa deles à ré da minha
e, ora progrediam ora recuavam, com os seus remos, que me pareceram
ainda mais pontiagudos que os de S. Tomé, envergando apenas umas simples
tangas.
Quando
a canoa alcançou, já lá tinha a aldeia, talvez em peso à minha espera,
pois já os humildes pescadores, que ali viviam numas modestas cubatas,
deveriam ter passado a mensagem de que andava uma canoa à deriva à
frente à sua aldeia, pelo que, quando ali embicou, supondo-me
naufragado, nem sequer cheguei a pisar o areal, tendo sido levado ao
colo para junto de uma cabana, onde uma mulher me abraçou, chorando e
procurando confortar-me, supondo que fosse mais um dos náufragos
sobreviventes das muitas odisseias que eles ali já conheciam.
Como
ainda tinha várias latas de comida comigo, troquei esses mantimentos
por saborosos frutos, que gentilmente me ofereceram também – Umas duas
horas depois, de carinhoso convívio, sou então conduzido por dois
jovens, que me levam numa das suas motorizadas ao longo da praia até à
sede das instalações de petróleo.
Sou
recebido por um dos chefes, um americano, que me pergunta se quero
ficar a trabalhar na refinaria, eu respondo-lhe que não é essa a minha
intenção, após o que então ordena que seja levado à esquadra da polícia
Depois
de me identificarem, pois levava comigo o passaporte português, mesmo
assim, fotografaram-me em vários perfis, e, como eu estava com a pele
mal tratada pelo sol, muito queimado, supondo, certamente, que eu
precisasse de assistência médica, conduzem-me ao Immanuel Hospital,
donde só tenho alta, após fazer uma greve de fome, pois eu sentia-me
bem e, apesar de estar a ser bem tratado, o que eu queria era estar em
liberdade.
Dali
sou então encaminhado para a cidade de Calabar, onde fico detido numa
das celas do Departamento de Emigração para averiguações. Mas também
ali não tive razões de queixa, sempre me forneceram alimentação e nunca
me molestaram, senão o de me sentir aprisionado.
Curiosamente,
uns dias depois, entra o chefe na minha cela com um jornal na mão, que
mo oferece, com a manchete da noticia do português que tinha aportado
solitário às costas da Nigéria.
Depois
de ali ter estado uns oito dias, conduzem-me de avião para Lagos,
capital do país, donde sou repatriado para Portugal ao fim de 17 dias de
permanência, com o carimbo de repatriado no passaporte.
Regressado
a São Tomé, ainda no mesmo ano, e já com São Tomé e Príncipe
independente, tentei empreender a travessia ao Brasil, com o propósito
reforçar a minha tese, evocar a rota da escravatura através da grande
corrente equatorial e contribuir para a moralização de futuros
náufragos, à semelhança de Alan Bombard. Segundo este investigador e
navegador solitário, a maioria das vítimas morre por inação, por perda
de confiança e desespero, do que propriamente por falta de recursos, que
o próprio mar pode oferecer. Era justamente o que eu também pretendia
demonstrar - Navegando num meio tão primitivo e precário, levando
apenas alimentos para uma parte do percurso e servindo-me, unicamente,
de uma simples bússola, sem qualquer meio de comunicar com o exterior,
tinha, pois, como intenção, colocar-me nas mesmas condições que muitos
milhares de seres humanos que, todos os anos, ficam completamente
desprotegidos e entregues a si próprios - Porém, quis o destino que
fosse mesmo esta a situação que acabasse por viver.
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