expr:class='"loading" + data:blog.mobileClass'>

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Holocausto Nazi – 75 anos depois – A escritora Ilse Losa, – 1913-2006, filha de judeus alemães, presa pela Gestapo - A autora do Mundo em que vivi, contou-nos, em meados dos anos 80, como logrou escapar ao campo de concentração e extermínio de Auschwitz, que lhe recordamos , hoje, no Dia internacional da lembrança das vítimas do Holocausto, o genocídio cometido pelos nazistas e seus adeptos

Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista
 
Passam hoje, 75 anos sobre o dia 27 de Janeiro de 1945, em que as tropas soviéticas descobriram o campo de concentração e extermínio de Auschwitz-Birkenau, o maior da Europa ocupada pela Alemanha nazi e onde foram mortos cerca de 1,1 milhões de pessoas judias, ciganas, poloneses, homossexuais, deficientes, comunistas e outras, durante a II Guerra Mundial. Para que as vítimas não sejam esquecidas, a Organização das Nações Unidas determinou que seria o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.
 
Na sua intervenção, da janela do Palácio Apostólico, o  papa Francisco afirmou que é um dever  de memória lembrar o Holocausto:referindo-se ao genocídio em massa de judeus durante a II Guerra Mundial. considerando inadmissível a indiferença, ao recordar os 75 anos da libertação das pessoas detidas no campo de concentração e extermínio de Auschwitz-Birkenau, na Polónia. https://www.dn.pt/mundo/papa-apela-a-memoria-do-holocausto-contra-a-inadmissivel-indiferenca-11750745.html



Em memória de Ilse Losa  -– (1913-2006)  Escritora e tradutora, de origem alemã, de ascendência judia - Excertos de uma entrevista, registada por mim nos anos 80
  Não foi mais uma das vitimas do regime nazi de Adolfo Hitler, porque logrou escapar-se da gestapo e refugiar-se depois em Portugal, onde viria a casar e a dedicar-se a uma intensa vida literária: de entre os vários livros que publicou, um deles tem por título, o “Mundo  em que vivi" - Escrito em 1949 ,  que fala de uma criança judia que passou parte da sua infância com os avós. Rose vive no tempo da Alemanha  Hitleriana e, como é judia, é perseguida pelos nazis. O livro relata a perseguição aos judeus e o nazismo de uma forma inocente, pois é visto aos Olhos de Rose, uma criança.

O MUNDO EM QUE VIVI




Na entrevista que me concedeu , em meados dos anos 80, aproveito para hoje recordar alguns excertos das suas palavras, 
Declarou-me que foi  presa  por ter escrito, numa carta a uma amiga, que o Hitler era um criminoso. A carta foi intercetada pela Gestapo  e foi presa – Como era ainda jovem e bonita, teve a sorte do soldado da Gestapo, três horas depois do interrogatório, a mandar para casa, com a indicação de que, uns dias depois, seria informada do destino que lhe iam dar – Nesse entre-tempo, aproveitou para fugir para Portugal 

És judia, de facto! Tens olhos claros, cabelo louro?

Eu respondia: sou – Não sei bem explicar mas foi talvez uma questão de uma certa  simpatia, porque, de vez em quando, há alguma humanidade num homem da Gestapo.
Passados três horas, ele mandou-me assinar um papel e disse-me: daqui a seis dias, você terá noticias nossas e vamos ver para onde é que a vamos transportar: nesses dias, deu-me para fugir
Eu vim para Portugal, porque já cá estava um irmão meu e ele veio  para cá porque já estava cá um Tio, nosso
E foi em Portugal que eu escrevi o livro O MUNDO EM QUE VIVI, porque eu não escrevo só para crianças. - Ouça os excertos da entrevista neste vídeo
Ilse Lieblich Losa , de seu nome completo, nasceu em  Buer,  Melle, Alemanhana, em 20 de Março de 1913, faleceu na cidade do Porto, em 5 de Janeiro de 2006, considerada “um dos nomes mais significativos da nossa literatura juvenil, mas cuja obra se estende ao romance, ao conto e à crónica. Vivia no Porto desde 1934, ano em que chegou a Portugal, fugindo da ascensão nazi. 

No dia seguinte à sua morte, o PÚBLICO, referia que, “Embora existam precedentes célebres, não é nada vulgar que alguém consiga tornar-se um autor de reconhecida relevância numa língua com a qual só contactou já na idade adulta. É esse o caso de Ilse Losa, que poucas palavras conheceria em português quando a sua condição de judia a obrigou a deixar a Alemanha e a procurar refúgio no Porto, onde desembarcou em 1934, aos 21 anos. Do tempo que viveu no seu país natal, desde a infância passada com os avós numa aldeia próxima de Osnabrück até à sua fuga de uma Alemanha que acabara de levar os nazis ao poder, deixou-nos um notável testemunho no seu romance de estreia, O Mundo em que Vivi, escrito já directamente em português e publicado em 1949. Ficção fortemente autobiográfica, o livro conta a história de uma rapariga judia, Rose Frankfurter - loura e de olhos azuis, tal como Ilse Losa -, que escapa in extremis ao horror dos campos de concentração. https://www.publico.pt/2006/01/07/jornal/ilse-losa-19132006-uma-escritora-entre-dois-mundos-57080

Uma das várias obras escritas pela autora – Este livro conta-nos a história de uma menina que, na infância, passara a viver com seus avós na Alemanha dos Kaiser durante  a Primeira Grande Guerra Mundial  e depois com os pais até a eleição de Hitler como Chanceler do Reich. Uma menina judia perante a contradição dos costumes alemães com a tradição no seio de uma família a que pertence. Relata-nos, junto com a avó, como admirava as reuniões aos sábados na Sinagoga, e perguntava porque as mulheres ficavam separadas dos homens, nas cerimónias religiosas, também sentia-se fascinada quando liam o rolo e desfraldavam a bandeira de David na maneira de como era atraída pelas letras hebraicas. – Excerto O Mundo em Que Vivi – Wikipédia,

BIOGRAFIA - lse Lieblich Losa (Melle-Buer, 20 de março de 1913 — Porto, 6 de janeiro de 2006) foi uma escritora portuguesa de origem judaica. Nascida na Alemanha, frequentou o liceu em Osnabrück e Hildesheim e mais tarde um instituto comercial em Hannover. Ameaçada pela Gestapo de ser enviada para um campo de concentração devido à sua origem judaica, abandonou o seu país natal em 1930. Deslocou-se primeiro para Inglaterra onde teve os primeiros contactos com escolas infantis e com os problemas das crianças. Chegou a Portugal em 1934, tendo-se fixado na cidade do Porto, onde casou com o arquiteto Arménio Taveira Losa, tendo adquirido a nacionalidade portuguesa. Em 1943, publicou o seu primeiro livro "O mundo em que vivi" e desde dessa altura, dedicou a sua vida à tradução e à literatura infanto-juvenil, tendo sido galardoada em 1984 com o Grande Prémio Gulbenkian para o conjunto da sua obra dirigida às crianças. Em 1998 recebeu o Grande Prémio de Crónica, da APE (Associação Portuguesa de Escritores) devido à sua obra À Flor do Tempo. Colaborou em diversos jornais e revistas, alemães e portugueses, está representada em várias antologias de autores portugueses e colaborou na organização e traduziu antologias de obras portuguesas publicadas na Alemanha. Traduziu do alemão para português alguns dos mais consagrados autores. Segundo Óscar Lopes "os seus livros são uma só odisseia interior de uma demanda infindável da pátria, do lar, dos céus a que uma experiência vivida só responde com uma multiplicidade de mundos que tanto atraem como repelem e que todos entre si se repelem". Ilse Losa - Wook



sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Senhor, que és o céu e a terra, e que és a vida e a morte!” - Tributo ao poeta Fernando Pessoa

Senhor, que és o céu e a terra, e que és a vida e a morte!” – Senhor, humilde e serenamente, aqui me  elevo  à vossa Omnipotente Grandeza - Tributo a Fernando  Pessoa  

Peregrino da Luz - Heterónimo de Jorge Trabulo Marques nas suas vestes místicas peregrinas nos sagrados penhascos e hortos de oliveiras e amendoeiras da sua aldeia 


Tributo ao iluminado poeta  Fernando Pessoa  -  "Senhor, que és o céu e a terra, e que és a vida e a morte!” 

 Senhor, humilde e serenamente, aqui me  elevo  à vossa Omnipotente Grandeza  alcandorado  sobre a majestade destas graníticas pedras ou lado a lado  de enigmáticos   e pétreos  perfis,  em perfeita harmonia e comunhão, com a lonjura e a imensidão dos aéreos espaços que me envolvem,  sob a sumptuosa  e infinita cúpula azul dos Céus, na transfiguração da  humana condição de criatura terrestre ao peregrino da luz, da terra, dos mares e dos astros  a fim de purificar a  minha alma e fortalecer ainda mais os laços que me ligam à Vossa Existência,  escutando o Silêncio da  Vossa Voz   - Ouvindo os Rumores da Vossa Etérea Presença, esforçando-me  por ser o Mensageiro da Vossa Divina  Palavra na Sublimidade dos Caminhos e Mistérios da Vossa Essência - JTM

Senhor, que és o céu e a terra, e que és a vida e a morte!
Senhor, que és o céu e a terra, e que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu! Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também. Onde nada está tu habitas e onde tudo estás — (o teu templo) — eis o teu corpo.
Dá-me alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.
Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faz com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai.

[...]
Minha vida seja digna da tua presença. Meu corpo seja digno da terra, tua cama. Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.
Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.
Senhor, protege-me e ampara-me. Dá-me que eu me sinta teu. Senhor, livra-me de mim.

Fernando Pessoa - 1912?

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Antoine – Como conheci o cantor e compositor e navegador solitário francês - Um dos mais famosos e populares cantores franceses da década, sessenta e setenta – Obrigado amigo pela oferta da carta marítima do Golfo da Guiné – Foi a primeira pessoa a saber que tencionava fazer a travessia de canoa S. Tomé à Nigéria – Foram 12 dias numa frágil piroga – Leia os pormenores mais à frente


Jorge Trabulo Marques – Jornalista, navegador solitário e investigador

"Existem três tipos de homens: os vivos, os mortos e os que andam no mar."..


Antoine, és só um ano mais velho que eu mas ambos somos amigos do mar, ambos somos tocados pela mesma paixão. Eu tive a  felicidade de ter vivido 12 anos numa das mais belas ilhas do mundo, em S. Tomé, onde aprendi a arte de navegar nas frágeis pirogas dos pescadores, meus primeiros mestres, precisamente na ilha  onde  te encontrei  à beira do teu veleiro,  junto ao qual me ofereceste uma carta marítima e me destes as tuas opiniões sobre as correntes no Golfo da Guiné, palco de várias das minhas aventuras. 

Tu dizes que tiveste “a sorte de ser um viajante e quase nunca ter parado  de viajar desde então. J'ai eu la chance d'être un voyageur et je n'ai presque jamais cessé de voyager depuis.



"Nasci em um lugar muito exótico , em Tamatave, Madagascar, onde meu pai trabalhava em Obras Públicas da então chamada França Ultramarina ... não me peça lembranças de Madagascar, eu tenho saiu aos 2 ou 3 anos e não me lembro de nada ... Em 1946, minha família se mudou para Saint Pierre e Miquelon por duas estadias de quase 3 anos. Se, para lá, eu cruzar o Atlântico quatro vezes em transatlânticos, e se eu navegar modelos de veleiros nas mesmas lagoas onde patinamos no inverno , a chamada do Mar não me afeta. ainda não conseguiu!  Mais pormenores em https://www.futura-sciences.com/planete/personnalites/voyage-antoine-1277/

"Antoine , nome artístico de  Pierre Antoine Muraccioli, um cantor pop francês e também um marinheiro, aventureiro, escritor, fotógrafo e cineasta de origem corsa, nascido  em 4 de junho de 1944 em Tomasina ( Madagáscar,  então parte do império colonial francês no qual seu pai estava trabalhando. Quando criança, ele viveu em São Pedro e Miquelon, Marselha e Camarões franceses, retornando definitivamente à França metropolitana em 1958. Ele se formou no Lycée Champollion em Grenoble, destacando-se em matemática avançada.

Como músico, ele fez parte de uma nova onda de cantores e compositores franceses de meados do final da década de 1960, comparável de alguma maneira a Bob Dylan ou Donovan,  mas também evidenciando alguns dos hard rock de garagem. estilo semelhante ao Rolling Stones, The Animals e Them, e alcançar alguma medida do estrelato pop.
Marinheiro
Em 1969, Antoine descobriu-se a  velejar por acaso, depois de alugar uma casa na Riviera Francesa, que incluía um bote. Embora ele nunca tenha parando de escrever e tocar, em 1974 ele também se apaixonou pelo mar e para outras atividades.




A procura do divino, a maneira de sentir ainda mais de perto a presença de Deus, contam-se, entre as várias razões, que me levaram a enfrentar a solidão dos mares.
A primeira aventura  foi a  travessia de São Tomé ao Príncipe. Estávamos em 1970. 


Larguei à meia-noite, clandestinamente, pois sabia que, se pedisse autorização, me seria recusada, dada a perigosidade da viagem,   levando comigo apenas uma rudimentar bússola para me orientar. Fui preso pela PIDE,  por suspeita de me querer ir juntar ao movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, no Gabão, o que não era o caso. Levei três dias e enfrentei dois tornados. À segunda noite adormeci e voltei-me com a canoa em pleno alto mar.Esta era minúscula e vivi um verdadeiro drama para me salvar, debatendo-me como extrema dificuldade no meio do sorvedouro denegrido  das águas.

Cinco anos depois, numa piroga um pouco maior, fiz  a ligação de São Tomé à Nigéria. Uma vez mais parti sem dar a conhecer os meus propósitos, ao começo da noite, servindo-me apenas de uma simples bússola. Ao cabo de 12 dias chegava a uma praia ao sul deste país africano, tendo sido detido durante 17 dias  por suspeita de espionagem, após o que fui repatriado para Portugal. Os jornais nigerianos destacaram em primeira página o feito. 


Novembro 1975 – Algures na grande solidão do Golfo da Guiné – Esta bandeira da pátria santomense, ainda com cerca de meio ano após a independência, desfraldada num dia de calmaria, foi-me confiscada e rasgada na cadeia da morte, em Malabo, sob o tenebroso regime de Macias Nguema, na qual fui preso para ser executado por suspeita de espionagem - Quis o destino que o então jovem Obiang Nguema, atual Presidente da Guiné Equatorial, contrariando as ordens do seu tio, me libertasse no dia em que ia ser enforcado - Conhecida por Black Beach, o "buraco do inferno" 

Os objectivos destas travessias visavam demonstrar a possibilidade de antigos povos africanos terem povoado as ilhas, situadas naquele Golfo, muito antes dos nossos navegadores, ali terem chegado, contrariamente ao que defendem as teses coloniais,  que dizem que as ilhas estavam completamente desabitadas  - E a verdade é que, entretanto, já foram encontradas antigas cartas em arquivos, do tempo dos árabes, que provam, justamente, esses contactos com povos que, de há muito, ali viviam. Factos históricos que, de modo algum, poderão pôr em causa o mérito dos nossos arrojados marinheiros

Larguei da praia Gambôa, por volta das oito da noite: quem me conduziu ao local foi o saudoso professor Ferreira da Silva, a quem disse que ia passar uns dias de retiro no ilhéu das Cabras, devido às perseguições e espancamentos que estava a ser alvo por parte de um grupo de colonos, devido aos meus artigos na revista Semana Ilustrada, que não se conformavam com a liberdade de imprensa, instaurada pela revolução do 25 de Abril – Pois, além dos primeiros artigos, na imprensa, do massacre do Batepá, também cheguei a dar  destaque às manifestações pró-independência.

A única pessoa que sabia da minha intenção era a minha companheira Margarida, que também me acompanhou na viatura do Prof Ferreira da Silva –E que, segundo mais tarde vim a saber, além das lágrimas que verteu quando me deu o último beijo de despedida, nessa noite ficou muito preocupada, pois também se apercebeu do violento tornado que nessa noite se abateu sobre a cidade e aquela área e que ainda me surpreendeu muito próximo da costa – Lá me safei com extremas dificuldades, pois os tornados são muito mais perigosos junto a terra de que no alto mar.

DE SIMPLES PRAIA DE PESCADORES A UMA DAS PRINCIPAIS CIDADES DA NIGÉRIA

Na altura, a praia onde aportei,  além da existência das  instalações  petrolíferas, pouco mais era que uma humilde aldeia de pescadores – Hoje, certamente, já terá dado ligar a grandes construções, que é o que depreendo pelas imagens que pude consultar na Internet

Mesmo vila ou cidade, Eket, que existia nas imediações,  comparada com o que é hoje, parece-me muito diferente – É referido que pertence ao estado  de  Akwa Ibom, um dos 36 estados da Nigéria, com uma população de mais de 5 milhões de pessoas e cerca de 10 milhões de pessoas em diaspora. Foi criado em 1987 do antigo estado Cross River e é uma das principais áreas produtoras de petróleo no país. A capital do estado é Uyo, a casa de mais de 500.000 pessoas e um centro acadêmico proeminente Universidade de Uyo. Akwa Ibom, que  tem dois grandes portos marítimos.

Ao cabo de 12 dias chegava a uma praia ao sul deste país africano, depois de ter passado uma confusa noite, sem saber bem para onde me dirigir, numa zona com vários poços de petróleo, em plena laboração, tendo mesmo passado a navegar por baixo da ponte de um deles. O maior problema, porém, podia ter-me surgido  quando me aproximei junto da ré de um petroleiro, que se encontrava fundeado ao largo, supondo-se tratar-se de um porto:  mal me aproximei, fui imediatamente repelido pelo movimento da hélice ,  que se encontrava a trabalhar, possivelmente para produzir energia elétrica: a minha sorte foi não ter sido puxado no sentido inverso, pois quando não teria logo sido desfeito e desaparecido.

Ás tantas, vejo um barco de cabotagem na minha direção, que deveria estar a fazer ligação entre algum petroleiro e a terra: vendo que não se desvia desse rumo, amarrei-me a uma cordo pronto a atirar-me o mar. Ao mesmo tempo que apontava a luz da lanterna para o pano da vela para se afastarem de mim, Mas, uma vez mais a minha boa estrelinha, esteve ao meu lado: o barco passou a uns escassos metros, ao ponto de ouvir mesmo o falatório da sua tripulação mas  não me viram e o perigo lá passou.

 Continuei a velejar com luzes em vários pontos: quando amanheceu voltou a passar outro barco por mim: era um pesqueiro: o barco  abrandou a marcha e ainda me passaram uma garrafa de água. Depois, já muito cansado por não ter dormido em toda a noite, acabei por adormecer, tendo sido acordado com abordagem de três pescadores, que, supondo que a canoa andasse perdida, entraram a bordo da mesma e me ofereceram uma bebida à base de uma fermentação e, amavelmente, me ajudaram a conduzir a canoa para a praia.

Como esta era baixa e o mar estava um bocado picado, e sendo a proa da minha canoa  mais baixa de que a deles, prenderam a canoa deles à ré da minha e,  ora progrediam ora recuavam,  com os seus remos, que me pareceram ainda mais pontiagudos que os de S. Tomé, envergando apenas umas simples tangas.  

Quando a canoa alcançou, já lá tinha a aldeia, talvez em peso à minha espera, pois já os humildes pescadores, que ali viviam numas modestas cubatas, deveriam ter passado a mensagem de que andava uma canoa à deriva à frente à sua aldeia, pelo que, quando ali embicou,  supondo-me naufragado, nem sequer cheguei a pisar o areal, tendo sido levado ao colo para junto de uma cabana, onde uma mulher me abraçou, chorando e procurando confortar-me, supondo que fosse mais um dos náufragos sobreviventes das muitas odisseias que eles ali já conheciam.

Como ainda tinha várias latas de comida comigo, troquei esses mantimentos por saborosos frutos, que gentilmente me ofereceram também – Umas duas horas depois, de carinhoso convívio, sou então conduzido por dois jovens, que me levam numa das suas motorizadas ao longo da praia até à sede das instalações de petróleo.
Sou recebido por um dos chefes, um americano, que me pergunta se quero ficar a trabalhar na refinaria, eu respondo-lhe que não é essa a minha intenção, após o que então ordena que seja levado à esquadra da polícia

Depois de me identificarem, pois levava comigo o passaporte português,  mesmo assim, fotografaram-me em vários perfis, e, como eu estava com a pele mal tratada pelo sol, muito queimado, supondo, certamente, que eu precisasse de assistência médica, conduzem-me ao  Immanuel Hospital, donde só tenho alta,  após fazer uma greve de fome, pois eu sentia-me bem e, apesar de estar a ser bem tratado, o que eu queria era estar em liberdade.

Dali  sou então encaminhado para a cidade de Calabar, onde fico detido numa das celas do Departamento de Emigração para averiguações.  Mas também ali não tive razões de queixa, sempre me forneceram alimentação e nunca me molestaram,  senão o de me sentir aprisionado.
Curiosamente, uns dias depois, entra o chefe na minha cela com um jornal na mão, que mo oferece, com a manchete da noticia do português que tinha aportado solitário às costas da Nigéria.

Depois de ali ter estado uns oito dias,  conduzem-me de avião para Lagos, capital do país, donde sou repatriado para Portugal ao fim de 17 dias de permanência, com o carimbo de repatriado no passaporte.

Regressado a São Tomé, ainda no mesmo ano, e já com São Tomé e Príncipe independente, tentei empreender a  travessia ao Brasil, com o propósito reforçar a minha tese, evocar a rota da escravatura através da grande corrente equatorial e  contribuir para a moralização de futuros náufragos, à semelhança de Alan Bombard.  Segundo este investigador e navegador solitário, a maioria das vítimas morre por inação, por perda de confiança e desespero, do que propriamente por falta de recursos, que o próprio mar pode oferecer. Era justamente o que eu também pretendia demonstrar - Navegando num meio tão primitivo e precário,  levando apenas alimentos para uma parte do percurso e servindo-me, unicamente, de uma simples bússola, sem qualquer meio de comunicar com o exterior, tinha, pois, como intenção, colocar-me nas mesmas condições que muitos milhares de seres humanos que, todos os anos, ficam completamente desprotegidos e entregues a si próprios  - Porém,  quis o destino que fosse mesmo esta a situação que acabasse  por viver.