Sporting vence F.C. do
Porto 2-1 mas com uma vitória pouco folgada e convincente – Até Jesus se
endiabrou e teve de ser expulso para fazer sermão nas bancadas, na companhia de
um dos seus discípulos. – Os leões ganharam mas não brilharam. E quem os
assustou, logo quase ao início da jogada, foi um tal Filipe de pontaria bem afiada.
Vão com dois de avanço sobre o Benfica mas ainda há pela frente muita jornada
Fiquei com a impressão,
que este Sporting, não é a mesma equipa da época transata – Ainda é muito cedo
para tirar conclusões mas, pelo que vi neste domingo em Alvalade, quis parecer-me que nem de perto nem longe denota ser a mesma fornada dos exímios
leões que só por um pontinho e por muito azar não se
sagraram campeões da temporada passada.
O Porto abriu as hostilidades,
aos oito minutos e, para surpresa geral das claques, tudo indicava que iam ser
os dragões a levarem os três pontos de
uma assentada – Sim, se pelo menos o
jogo se mantivesse com a mesma toada, mas não tardou que ambas as equipas se envolvessem
em jogadas mais talhadas ao empate do que para lograrem vitória alcançada. – E, talvez, até
teria sido este o desfecho final, se o arbitro,
em vez de primar por tirar, tantas vezes,
a cartolina amarela da algibeira, acertasse mais na apitadeira.
Pois, tal como é reconhecido
por quem viu o jogo, com os olhos de ver, Felipe não faz falta
sobre Slimani mas esta é assinalada. A
bola chutada por Bruno César, vai ao poste,
e, na recarga, por defesa incompleta de
Casillas, a bola é despachada por um Slimani,
sempre muito oportuno e certeiro – Sem dúvida, o grande herói do jogo.
REENCONTRO DE VETERANOS NA FOTOGRAFIA
Momentos antes do inicio do jogo, pude reencontrar-me e dar um abraço a
um velho amigo, que é o repórter fotográfico
do F.C, do Porto e o mais antigo do veteranos: eu sou um pouco mais novo, mesmo
assim, deveremos ser os únicos, que andam nestas lides, acima do setenta.
A minha vida foi mais da imprensa e da rádio de que da fotografia.
Começou em S. Tomé, em 1970, como correspondente da revista angolana, Semana
Ilustrada, e, algum tempo depois, como operador de rádio. Porém, acabaria por
ser em Portugal, como repórter da Rádio
Comercial, que eu daria maior expressão à minha atividade jornalística: a
ligada ao fotojornalismo, seria mais tarde e unicamente movido pelo exclusivo prazer
da fotografia – O equipamento é modesto mas assim terá de ser, a reforma não dá
para outras veleidades. Vão-se fazendo uns bonecos, na medida do possível,
nomeadamente nas equipas da grande Lisboa, pois é por aqui que eu tenho a minha
residência – E dar um saltinho a um estádio de futebol, muito perto de casa, acaba
por ser mais fácil de que se tivesse que me deslocar a outras bandas, tenho pena mas não posso.
Estralejam
foguetes e morteiros, passa a procissão
Com
os anjinhos à frente do palio, devotos erguem velinhas na mão (contamos atualizar com novos vídeos)
Como é linda a procissão na
minha amada aldeia e todos vão alegres, felizes, cheios de fé e contentes!: é o 15
de Agosto! – Que belas imagens de um maravilhoso dia para recordação! - “Tocam os
sinos da torre da igreja,/Há rosmaninho e alecrim pelo chão.//Na nossa aldeia
que Deus a proteja!/ Vai passando a procissão. (..)Olha os irmãos da nossa confraria!//Muito
solenes nas opas vermelhas!//Ninguém supôs que nesta aldeia havia/ Tantos
bigodes e tais sobrancelhas! /Ai, que bonitos que vão os anjinhos!/ Com que
cuidado os vestiram em casa!/ Um deles leva a coroa de espinhos. E o mais pequeno perdeu uma asa! /Tocam os sinos
na torre da igreja,/ Há rosmaninho e alecrim pelo chão./ Na nossa aldeia que
Deus a proteja!/ Vai passando a procissão. Excerto – de A Procissão -António Nobre
É uma vez por ano e nos dias 14,15 e 16
de Agosto, os mais desejados por todos os filhos da terra, quer dos que aqui
mourejam, todos os dias, quer dos que emigraram e vêm matar saudades, da sua
linda aldeia, que, tal como tantas outras pelo pais fora, por este nosso maravilhoso Portugal, cada vez mais se desertificam e descaracterizam, mas talvez por isso
mesmo, todos os que aqui nasceram e aqueles aos quais o destino da vida os
levou a percorrer outras paragens, em França, nomeadamente, no Brasil (em
África, agora já nem tanto), se esforçam por vir festejar este dia com os seus
amigos e familiares, aliás, com todos os conterrâneos, pois, no fundo, todos
fazem parte da mesma comunidade e da mesma estimada família
O ano passado, por esta altura,
encontrava-me em S. Tomé, muito longe mas com o pensamento naquele meus tão
queridos horizontes – Hoje, e desde sábado, aqui de novo, retorno ao meu torrão
sagrado.
O céu não tem o mesmo azul e a transparência dos
dias anteriores, refrescou um pouco, corre uma brisa agradável, o calor
suporta-se bem, o que até é desejável para que o dia de festa se torne, ainda
mais atraente
As festividades que, se iniciaram, ontem
ao fim do dia, com o desfile dos andores da igreja, até à capela de Nª Srª de
Assunção, no alto do povo, onde, após missa ali celebrada pelo pároco da
freguesia, se voltou ao adro da igreja, agora já com o andor da padroeira e ao
som de uma pequena banda filarmónica, composta por uns quantos voluntariosos
jovens da aldeia, que persistem em manter a herança das duas bandas que já
existiram, há uns anos atrás.
Há noite houve espetáculo no adro, com a presença de um grupo musical popular,
que proporcionou alegres e divertidos momentos de dança, ao mesmo tempo que,
junto ao edifício da Junta de Freguesia, também entusiasticamente empenhada em
dar o melhor da sua colaboração, se serviam apetitosos comes e bebes, cervejolas, boas pingas e febras apetecíveis.
Hoje, está previsto, além do cortejo das
oferendas, a tradicional procissão, abrilhantada com banda filarmónica, contratada
e muita alegria e diversão.
HÁ 4I ANOS – UNS MESES DEPOIS, EM OUTUBRO
E NOVEMBRO DE 1975, ANDAVA EU PERDIDO A BORDO DE UMA FRÁGIL PIROGA, VIVENDO
DRAMÁTICOS MOMENTOS E COM CORAÇÃO PRESO À TERRA QUE ME VIU NASCER
SÓ A VOZ DO MAR!...
Levanta-se o dia. O Sol resplandece!...
O azul do espaço toca o infinito!...
Os meus pensamentos bóiam à flor das águas...
vagos, indefiníveis, indistintos!...
Beleza vã e enganadora!...
Ó saudosa e branca aldeia!
É domingo. É o sagrado dia do descanso!
Repicam os sinos! - Não os ouço!...Imagino-os!
Aqui só se ouve a voz do mar!...- Do seu dorso
apenas me separa a grossura de uma frágil tábua!... Que, todavia, é um madeiro escavado - Este é o meu soalho!... Mas eu sei que lá longe o dia é uma promessa!...
É a hora de todos os fiéis devotos se dirigirem à igreja!...
– De irem à santa missa! Entoarem os seus cânticos
e consagrarem as suas orações ao Altíssimo!...
- Um gesto humilde e piedoso, em torno da liturgia cristã,
onde cada um vai buscar o reconforto, que o fará ao mesmo tempo retemperar
das rudes agruras e fadigas da vida! - Oh! ares límpidos! Puríssimos espaços azuis! Quantos sacrifícios e fadigas Quanto suor já testemunhaste através dos olhos devorados pelo sol dos esplendores deslumbrados na imensidade ardente e calma dos largos espaços!
Oh, não estou desesperado mas vejo que nem sempre
posso dar o rumo que quero à minha piroga:
a tempestade levou-em quase tudo - Por isso,
face a tantos perigos e ameaças, afloram-me à mente,
pensamentos desencontrados, as mais díspares emoções
- Umas vezes de fé e de esperança, outras
de dúvida ou descrença ! - Oh, quanto não daria
para celebrar, com os meus,
a tranquilidade e a paz de um santo domingo!... - Num ímpeto de alma
e de intimidade, percorrer distâncias, fundir-me
nos horizontes que me cercam,
desde os próximos aos mais longínquos e transladar-me,
fisicamente, espiritualmente, a esses amáveis lugares
da minha infância e adolescência - Apesar de saber
que a vida, ali, é bem madrasta!... Amarga e difícil!
Por isso, muitos vão procurar o seu ganha pão
em paragens longínquas do Brasil, em França, em África! – Foi assim, em busca de melhor vida, que um dia parti
em demanda de uma ilha nestes mares, em cujos águas me encontro agora à deriva!....Desconhecendo, a que praia,
a que desconhecido lugar poderei aportar - Por isso,
vogando que vou nesta incerteza, nesta contínua errância,
quanto não daria para agora poder contemplar
a beleza incomparável da linda Ilha, donde parti
ou poder regressar à liberdade dos tempos
dos meus humildes dias de criança.
Sim, relembro a alegria das airosas
manhãs primaveris da minha criação
e tenho ainda bem presente o adro ao domingo....
Vejo a igreja, o campanário e o velho negrilho
no centro do adro - E revejo-me à sombra dele
naqueles lânguidos e quentes dias de Verão.
Ou nas tradicionais Festas de Nossa Senhora de Assumpção!
Todo ele enfeitado no centro do coreto! - Que dias maravilhosos!
Com os foguetes a estralejar e a filarmónica
acompanhando a procissão - Ou já a despedir-se
e a dar a volta ao povo, parando e tocando
junto à casa de cada novo mordomo.
Oh, quem não se lembra de 15 e 16 de Agosto?!
Quem é que, ali, não teve desses dias as melhores recordações?!..
Dias alegres e felizes, de convívio e de reencontro: dos que emigram
e ali voltam a matar saudades! - Dias banhados de sol
e de longos crepúsculos! - Tão diferentes dos dias incertos
em que agora vogo e me encontro perdido- As noites são sempre iguais:
o dia despede-se rápido e a noite cerrada avança para a claridade do dia,
quase sem me aperceber, sem se dar por isso, sem alvorada.
- Mal se põe o sol, anoitece. Logo o mar e o céu se cobrem de penumbra
e, à minha volta, todo o horizonte se tolda e dilui-se em sombras e trevas.
Novembro de 1975 - Domingo
O meu calendário no mar
não é todavia o mesmo de quem pisa terra firme -
Conto os dias e gravo-os nos meu diário
(sim, disponho de um modesto gravador que guardo
num simples caixote de plástico, igual aos do lixo)
mas não tenciono fazer o registo do dia da semana ou do mês.
Não perdi o tino mas vivo num permanente mar de dúvidas e angústias:
- pois não tenho a certeza se a minha piroga resistirá
às constantes investidas das vagas - E o que agora me interessa
é registar o tempo de vida em que assim vivo:
Um violento tornado fez-me perder os remos e quase tudo
- Fiquei praticamente desprovido de alimentos e de água potável.
Este suplicio vai durar quase 40 dias. Mas neste momento
ignoro o meu destino, o longo e tormentoso calvário que me espera.
Sirvo-me apenas de uma modesta bússola - Não disponho
de quaisquer outros meios de navegação ou de comunicação.
Sei a direcção pela qual me arrastam as correntes e os ventos.
Por vezes navego, com um remo improvisado,
mas é um trabalho demasiado penoso e quase inglório.
Não sei se estou muito longe, se muito afastado
de uma qualquer das luxuriantes ilhas do Golfo
ou de uma qualquer misteriosa enseada da costa africana.
O que eu sei é que este é o tempo dos tornados!
Das inesperadas e violentas tempestades tropicais!
Quantos tormentos, oh Deus!... Se o barco me largasse
na corrente equatorial, não os enfrentava - azar meu!
Morto ou vivo seria arrastado para o outro lado do Atlântico -
Mas pregou-me uma partida: queria que abandonasse
a canoa e ficasse a bordo a trabalhar
- Mas não era esse o meu objectivo.
Todavia, embora longe dos horizontes
da terra onde nasci, tenho bem presente
na retina dos meus olhos, as ladeiras com os olivais,
com as suas figueiras e amendoeiras floridas, o vale dos areais,
as fragas dos Tambores, cobertas de giestas em flor, a Cova da Moira,
Pedra da Cabeleira de Nossa Senhora, o nosso Lavor do Ferro
e o Vale Cardoso, o Cabeço D'oiro, a Serra,
o Vale das Boiças, o antigo solar
do Vale Cheínho ou do Vale Cheiroso,
que tão perfumado é no tempo das maias.
Oh! e então a antiga Quinta de Santa Maria,
no Côa, onde meu pai nasceu e onde íamos a crestar
as colmeias por altura da Primavera! - E a quinta do Muro,
alcandorada na encosta dos Areais, onde vivi
os melhores dois anos da minha adolescência,
subindo as encostas dos Tambores, a levar
a marmita ao pastor, que ali guardava o gado.
Debruçada sobre os choupos da ribeira,
com as suas folhas a desprenderem-se no seu constante rumorejar
à mistura com os sonoros chilreios e estribilhos da passarada!
As vinhas, depois de vindimadas, colorindo-se
de mil tons e amarelos brilhantes! - Oh,
mas que bela e surpreendente aguarela!
Como agora o meu coração, se enche de lágrimas e se comove!
ao sentir a ausência da saudosa aldeia onde vim à luz do dia e cresci
- Não tanto pela distância que dela o separa - bem longe!
Mas pela imensa e sofrida incerteza de não saber
se a voltarei mais a ver.
Recordo a minha saudosa mãe
a ir lavar a roupa à Ribeira dos Picos,
carregada com o cesto à cabeça - E depois
vejo-a a subir aquela íngreme ladeira...
Mesmo cansada, ainda ir ter que fazer a comida!
- Oh, tão sacrificada a sua vida foi - Já nos deixou
E era ainda nova - Chorava por trás do postigo
quando se despediu de mim: "Filho!
Nunca mais te vejo! - E assim aconteceu.
Parece que avinhava - Eu tinha 18 anos e ela 52.
O DIA EM QUE CAÍ A UM POÇO
Em casa, à mesa, juntávamo-nos seis.
Eu era o do meio. Quem havia de imaginar
que uns anos mais tarde, e não tão tarde quanto isso,
pai e mãe, haveriam partir tão cedo para a eternidade...
E eu haveria de ser um dia o mais velho - Só ficaria
eu e o meu irmão mais novo - Que corajoso
não foi o Fernando, naquele dramático dia
em que eu e a minha imã caímos a um poço!...
Eu estava uns metros abaixo do picanço
a desviar o caldeiro de uma pedra. A vara desprendeu-se
e a minha irmã precipitou-se sobre mim
e rolámos os dois para o fundo - Eu tinha nove,
ela treze, o Fernando sete anitos - Vendo que faltava
Eu estava mais ou menos resignado... Já só via a morte...
Meus olhos turvos e embaciados, só faltavam cerrar-se...
Quando vinha à superfície, afrontado, tossia e soluçava...
E depois fechava a boca para não engolir mais água...
Sentia que nada nos podia valer.... Arregalava os olhos...
Arregala-vos e via que a triste sorte parecia iminente....
Ela gatinhava na margem barrenta do poço.
Mas em vão.... Arranhava a margem íngreme
e gritava por Nossa Senhora de Fátima...
Nossa Senhora de Fátima!!!..Parece
que ainda a ouço gritar... Estávamos longe da aldeia.
E ninguém mais ali nos podia acudir.
Ficou com os dedos todos esfolados.
Nesse dia o José não foi regar a horta.Ficou em casa.
Não sei como não ficámos lá todos!...Sorte a nossa...
Vêm-me as lágrimas aos olhos só em pensar nisso...
Quando me vi livre do poço, nem queria acreditar que estava vivo...
Cambaleava e vomitava água...Parecia um bêbado!..
Mas que ideia agora a minha!.. Porquê essa memória?!...
Não devia pensar em tal episódio: - o afogamento é coisa horrível!
- Voltei a ver essa mesma imagem, quando a canoa
se voltou na viagem de São Tomé ao Príncipe.
Era noite alta... Solidão ameaçadora e escura!...
Adormeci rolando com a minúscula piroga num estranho remoinho...
Tudo era negro... Negro, líquido e tumultuoso...
Até o vento...Que parecia empurrar-me,
envolver-me e confundir-me com as próprias trevas..
Acordei com a estranha sensação de asfixia!..
Água a entrar-me subitamente nos meus ouvidos e pela boca adentro!..Foi horrível!...
Autêntico milagre ter escapado.
Deveria ter juízo mas o mar continua a chamar-me!...
Que hei-de eu fazer?!... - Talvez não seja eu o culpado
mas o mar que agora me arrasta...e não sei para onde...
Não sei para que ponto do horizonte ele me leva...
Já me estou a desviar demais... Falava eu do Outono..
Sim, parece-me que ainda estou a ver o meu pai
a lançar as sementes à terra e a lavrar
as encostas da fraga alta, pegando na rabiça do arado,
indo atrás do macho, encosta pejada de fragas,
por entre alguns carrascos e ladoeiros, terrenos agrestes
que, na Primavera, farão despontar as lindas verdes searas,
polvilhadas de rubras papoilas, para que, depois no Estio
se estendam como doiradas e ondulantes mares.
- Oh que dias de fadigas e canseiras!
- Mas também de espanto e descoberta!
Hoje é domingo - Mas que nostálgico e solitário domingo!
Por lá, o Outono já vai adiantado e o Inverno está quase à porta. - Os dias vão minguando, as noites, mais frias, vão crescendo - Pelo que as chuvas já terão enlameado as ruas da aldeia, pois não estão calcetadas como as da cidade. Usam-se os tamancos - é o calçado mais barato e dos pobres. Não se atolam tão facilmente. Como é hora da missa, pressinto que devem estar quase desertas, despovoadas Ali, aos domingos, a igreja é sempre concorrida. Porém, o silêncio nunca é completo: os gatos miam
nos telhados, as galinhas cacarejam e andam à vontade
e há sempre um galo montês fora da capoeira a ferir o espaço! - E um cão desatinado que ladra ostensivamente aos ares
e desencadeia, em uníssono desafino, a ira de outros.
Um azino tresmalhado, dentro ou fora do palhal,
a quebrar o silêncio cósmico - De um momento para o outro desata a zurrar!...
As três badaladas do campanário já foram dadas...
sinal de que as pessoas já entraram para a igreja
e que o senhor padre já vestiu os paramentos, deixou a sacristia e se dirigiu para junto do altar.
Cá fora, não há ninguém, o adro está deserto, do interior da igreja ressoa um religioso recolhimento. Alguém tosse ou uma ou outra criança, desata a chorar no colo da mãe - Sim, ali não há damas a tomarem conta dos bebés, nem creches nem biberões que substituam o apego e o leite maternal - O campo absorve quase todos os dias do ano e da vida - Não se descansa. Só o domingo é sagrado - Mas não inteiramente livre. Há quem trabalhe. Cumpra as obrigações religiosas e vá regar a horta ou buscar água no cântaro à cabeça ou nas aguadeiras à fonte . Mas, antes disso, vai à missa - Há por lá quem pratique o paganismo às ocultas - Mesmo assim, para disfarçar a sua heresia, não deixe de mostrar que não é do rebanho a ovelha mais tresmalhada.
Sim, é hora da missa e a igreja está completamente cheia, apinhada: - Mas a distribuição dos fiéis não é toda por igual: os homens e os mais novos, envergando as farpelas domingueiras, estão à frente, de pé e próximos do altar. As mulheres, lá mais atrás, cobertas com os seus xailes e lenços negros, são em maior número e vão até ao fundo da porta principal -- Entretanto, o celebrante já ergueu os braços e deu início ao sagrado sacrifício da Eucaristia!... - Há cheiros e fumos brancos de incenso - Não se usam perfumes. As roupas têm o cheiro da naftalina - As casas de banho, quem as tem?!... Vai-se atrás de uma parede. E ainda bem que o incensório se agita e fumega nas mãos do sacristão ou ou do senhor abade - Purifica, diviniza e harmoniza o ambiente.
Ecoam os primeiros cânticos - Paira no ar não apenas o cheiro do incenso mas uma mística solenidade... - O sacerdote, concentrado no seu ofício, não tardará a fazer o ofertório e a repartir a sagrada comunhão a quem se aproximar
da mesa de Cristo e dela se ajoelhar...
A atmosfera é pois de aparente e visível religiosidade...
Perpassa por todos os rostos um silencioso recolhimento
Transparece, algo que os fará esquecer de uma semana de esforços e de labuta - São ainda os tempos em que a fé religiosa anda de mãos dadas com o analfabetismo endémico e algumas trevas.
O povo acorre porque é também esta a única via de ligar o homem à pedra e à terra, lhe minorar o sofrimento, no elo comum dos mistérios do divino, do absoluto e do Universo.
Momento de devoção, belo! Abençoado!...
Hora alta! Etérea e solene!... – Um cântico comovente e devoto, volta a ecoar por todo o templo, invade os corações avidos do sagrado que os reconforte e os retempere das longas jornadas da semana, dos dias que vão de sol a sol, do acordar cedinho e do regressar ao lusco-lusco-fusco, quase à noitinha.
Oh, sim, é domingo...
- Mas que domingo mais solitário e triste!...
Quem me dera viver este dia no coração
da minha aldeia - Chegar ao fim do dia
e, tal como em criança e à luz da candeia,
sentar-me à mesa da cozinha,
ali junto à lareira, comendo o caldo verde
e as batatas, regadas com o azeite
das nossas oliveiras, um pouco de fumeiro,
mais das vezes quase sem peguilho
- A ementa era apetitosa mas não variava muito:
Raramente se ia à mercearia: era tudo colhido da horta;
havia dois fornos comunitários, a minha mãe amassava
a farinha do nosso trigo ou centeio
que os moleiros moíam nos moinhos
da ribeira ou do Côa e depois levava
o pão a cozer no tabuleiro
Uma sardinha, coisa ali rara,
por vezes, não era inteira, mas dividida.
O pior era a fumarada da fogueira: pois havia
que aquecer a água da beberagem para o "vivo"
E o caldeiro ficava sobre a lareira e desviava
o fumo da chaminé. - A vida da lavoura,
dá tantos trabalhos, Deus meu!... E para nada...
Vida dura!... Nunca tive um brinquedo
de feira, senão aqueles que eu próprio construía.
Os meus quatro irmãos, a mesma sina!
Mesmo assim... que saudades!...
Quão longe estou eu desses lugares!
Quão distantes me parecem agora esses tempos?!..
Que todavia não me saem da retina dos meus olhos..
Tão perto os sinto do meu coração! - Oh ânsia!...
Oh impossibilidade de transformar
os meus pensamentos num voo de pássaro,
capaz de me fazer vencer todas as barreiras e mares!
Para que num único voo fosse capaz de lá chegar
- Mas não posso!...
O que os meus olhos, em verdade vêem,
é um outro mundo... Outros horizontes, outros espaços!...
Uma vasta superfície azul ondulada e deserta... - Tudo a unir-se
no mesmo azul esbranquiçado num imenso círculo
a perder-se-me de vista....Olhe para onde eu olhar,
só vejo mar e o céu ! ... Seja para que ponte for que me voltar...
A mesma solidão infinda... O mesmo azul infindo do mar!...
Que cenário este meu Meu Deus!... O pior é à noite...
Depois do sol se pôr... Escurece e a tristeza é ainda maior.
E, então se chove ou se houver alguma trovada!...
Oh, nessas trevas soltas o que sou eu, afinal?!..Não sou nada!...
Não sou nada!..Não tenho palavras...Não tenho palavras..
Quando não há luar fica tudo escuro como breu.
É o negro vazio... É a noite assolada!....A noite no mar!...
Metido neste casco de árvore..Por vezes sinto que não existo..
Mas a vida!... A vida!... Não há milagre maior que a vida!
Não me resigno!...Não me dou por vencido!
Sozinho!... Lá vou sendo arrastado... Às vezes à vela ou a remar.
Não me rendo e não desisto de lutar... Não me rendo!
Oh, para onde me arrastarão estas águas?!.. A que ponto?!..
Até quando esta incerteza!...Até quando?!..
Ó inclemente oceano! Ó mares largos! Ó impiedosos céus!
Onde está o altivo campanário da antiga igreja, o adro, o negrilho?!.
Oh que saudades dos ondulantes montes de centeio,
dos rolheiros nas eiras e da azáfama das ceifas e das malhas!
O brilho das espigas de milho e o dourado mar
das lindas searas de centeio e trigo.
A ribeira com o marulhar dos choupos, o cantar dos pardais
nas belas manhãs e tarde primaveris, de estio ou outonais.
As suaves noites de Verão de luar prateado,
banhando o planalto, ladeiras e montes e o Vale dos Areais!...
Só o mar! O mar a bramar! A bramar!!..
O mar!...O mar!!... E eu perdido!..
Eu sozinho! O Céu e o Mar!..
Ó aldeia querida que me viu nascer!
Ó horizontes dos longos e verdes dias triunfais!...
Quanto vos recordo!... Quão longe da minha vista estais!...
Quanta tristeza vai no meu coração atribulado!...
Em que ermo ponto, deste imenso horizonte, agora estais?!.