plantada por meus pais há
duas dúzias d'anos,
ao pé da qual verti a
lagrima primeira
de vida amargurada em
tristes desenganos..."
Orlando Marçal
- Mais à frente o
poema completo -
É a festa da amendoeira em Flor, com as encostas, as mais ingremes ladeiras, canadas e vales da chamada terra quente, como que engrinaldadas por uma brancura alva, imaculada ou rosácea. Foz Côa, Moncorvo, Freixo de Espada à Cinta, Figueira de Castelo Rodrigo, e algumas aldeias do concelho de Meda, digamos que as margens do Côa e Douro Superior, das suas ribeiras e ribeiros, vão oferecer-se, como dádiva sublime, vestidas por inúmeras amendoeiras floridas, recheadas de um perfume inebriante.
Em termos de eventos locais, do município fozcoense,
é a chegada da tradicional quinzena da amendoeira, que vai decorrer de 20 de
Fevereiro a 8 de Março, com vários espetáculos musicais, exposições, culminando
com o desfile etnográfico..
Embora a desertificação esteja a deixar muitas zonas despedidas, onde dificilmente até cresce o mato, mesmo assim ainda há magníficas panorâmicas para admirar . E, pelos vistos, Foz Côa, tem razões justas para saudar estes quinze dias festivos. Já que, à semelhança dos anos anteriores, não deixarão de confluir alguns milhares de visitantes. Tanto assim que é já a imprensa, mais cotada internacionalmente, a considerá-lo um destino turístico cultural e paisagístico de excelência
A VOZ A UM POETA DE FOZ CÔA – QUE TAMBÉM
CANTOU A NATUREZA
Sim, por isso mesmo, nestas coisas, sobretudo quando a Natureza se reveste de flores, dado o caudal de emoções, das inagens e dos sentimentos que, geralmente, a natureza em festa infunde aos espíritos, mais sensíveis, não há como dar voz aos poetas . Já aqui o fizemos, com Manuel Daniel, e outros autores, agora vamos dar a vez ao poeta Orlando Marçal, nado e criado em Foz Côa, que, pelo que nos é dado saber, cedo se revelou (com vários livros de poesia, romance e contos) mas que cedo também partiu para a eternidade.
Sim, por isso mesmo, nestas coisas, sobretudo quando a Natureza se reveste de flores, dado o caudal de emoções, das inagens e dos sentimentos que, geralmente, a natureza em festa infunde aos espíritos, mais sensíveis, não há como dar voz aos poetas . Já aqui o fizemos, com Manuel Daniel, e outros autores, agora vamos dar a vez ao poeta Orlando Marçal, nado e criado em Foz Côa, que, pelo que nos é dado saber, cedo se revelou (com vários livros de poesia, romance e contos) mas que cedo também partiu para a eternidade.
Orlando Alberto Marçal, advogado, poeta e
escritor, pais de José António Marçal e mãe Balbina Cândida de Almeida Marçal
(Vila Nova de Foz Côa n.8-3-1884,m.20-3-1947 Parede), formado em direito pela
Universidade . de Coimbra (1910), poeta de alta inspiração e prosador vigoroso
e combativo ,fez parte do Partido Republicano Radical; publicou:
"Esfolhadas", Maria Mocidade Florida ","Os Baldios" –
Manteve correspondência com Alexandre Herculano, em 1910 “relativa a casos que
tratou como advogado entre o fim da década de trinta e os últimos anos da sua
vida (faleceu em 1947). Entre esses documentos de 1910 inclui-se
correspondência com Brito Aranha.- Referência In - Ephemera
"NA ALDEIA"
Há
risos argentinos nas quebradas
que
atravessam o azul em meigo arfar;
nos prados verdejantes sinto errar
soluços
abafados de levadas…
Nos
campos as tarefas d'esfolha
seguem,
serenamente, sem parar;
a cânticos d'amor; a doudejar
andam
pastores, a rir, pelas esreadas
Que
paz, que olôr, distante da cidade,
onde
tudo é mentira e é maldade…
dessa
raça decrepita e perdida!
Que
bem-dito viver o desta gente.
sempre
a sorrir e a amar e que nem sente
os turbilhões malditos d´esta vida".
com o sol iluminado os altos montes,
firmei enlevo divinos, insontes,
mais belos que a epopeia gloriosa!
Cantava em mim, qual arpa misteriosa
a natureza em flor: e a voz das fontes,
fendendo a vastidão dos horizontes,
erguida a
melopeia harmoniosa.
Que lindo sonho! - d'eterial noivado,
almas fruindo a mesma claridade,
embalando um grande amor sem Igual ...
Um filho no teu colo, outro a meu lado,
Abrindo os olhos para a imensidade …
-Bendita sejas sempre, oh meu ideal!
Do livro“A Mocidade Florida ” de Orlando Marçal
Floriu no meu pomar essa
linda amendoeira,
plantada por meus pais há
duas dúzias d'anos,
ao pé da qual verti a lágrima primeira
de vida amargurada em
tristes desenganos...
Fica ao fundo do orto, à
sombra dum lilás,
que desabrocha agora em pétalas
radiosas,
onde já desfiei nos tempos
de rapaz
meus segredos cantantes,
como qu'esparsas rosas.
Uma viçosa planta de verde
engalanada,
onde, li fina flor de
imaculados linhos,
quero sentir, febril, haustos de namorada,
envolto em sol doirado e
musica de ninhos.
E´ meu altar sagrado, um níveo
bem-me-quer,
estrela d'alva e gula em
pedregosos trilhos,
onde ei-de acalentar
lindos sonhos, mulher,
acarinhando em luz nossos
pequenos filhos.
Soluços derramados por
ilusão e dor
fui depô-los bem perto,
esfolhando-os pelo ar;
ha-de aí reflorir nosso profundo amor,
quando vieres, enfim,
iluminar meu lar.
Filhas, quando as tiver,
eí-de bordar pra elas
o que outrora, feliz,
arrancava à minh'alma,
sob a paz da paisagem e o
fulgor das estrelas,
cheio de graça e fé, d'encantadora
calma.
Ei-de cantar meus simples
versos peregrinos,
a reacender dar-orna e de terna saudade,
ensinando enlevado a esses
florões divinos
tudo quanto criei na minha
mocidade.
Nossos filhos ditosos!
outros lírios em flor,
a aquecer a existência como
um sol d'alvorada,
prenderão com mais febre o imorredouro amor
que sinto em nosso peito,
oh mulher adorada!
Filhos! lindos miosostia
d'olor inebriante,
gotas puras d'orvalho a
sanar uma ferida,
arminho doce e bom em
caricia constante,
orgulho cordial vibrando
em nossa vida ;
alva luz do luar, belos
contos de fada,
frescos e botões em flor do nosso beijo o fruto…
não demores teu passo, oh mulher encantada,
de 'corpo altivo e nobre e
tranças cor de luto.
Tua alma imaculada, como
aurora de neve,
em seus transportes castos
de paixão e candura,
espelha-se em meu intimo, a tremer, ao de leve
em ósculos d'amor da
meiguice mais pura.
Que tristeza não houve em
desditosas eras
de sofrimento amargo e de lutas magoadas,
hoje na dentro de nós risonhas primaveras,
recendentes de brilho e
rosas perfumadas.
Outrora, à ténue mancha
desta planta em flor,
esforçava o olhar por descobrir a senda,
onde havia nascer o teu
divino amor,
de santa de balada ou
rainha de lenda.
Vestidinha de branco indo
para um noivado,
Semelha aconselhar adoração,
constância,
tanto aceita por nós esse
tronco sagrado,
nívea pomba da pz, farol
da minha infância.
Estrela salvadora e
confidente irmã,
bem-dita sejas sempre, oh
arvore florida,
que vou saudar alegre, ao
romper da manhã,
sombra do meu vergel,
sonho da minha vida!
1906
UMA REVELAÇÃO MUITO SAUDADA NO SEU TEMPO
De seguida alguns
excertos das muitas referências à sua obra
- Muito saudada pela crítica, mesmo até estrangeira, com rasgados
elogios e referências em quase toda a imprensa, e, em Portugal, nomeadamente,
por figuras ilustres do seu tempo, como seja Teófilo Braga, que disse: -«Como
o meu silencio poderia parecer qualquer indiferença, do velho para o rapaz, não
quero que tal sombra lhe passe pelo espírito. Quebro o silêncio para dizer, que
li com encanto o seu livro. Gosto muito daquele género, desde que li os Poemas
em prosa do Beaudelaire. Parabéns.
Fialho de Almeida: “que interessantemente li e
pelo qual muito felicito o autor. É um
escritor que chega e quem me apresso a saudar"
Da revista A Cidade, escreveu o seguinte :-Sob uma arvore verde da Avenida, no terrasse do bar, sob o calor de 32,6.0, tomando uma li monada, o meu amigo Leandro, perguntara-me: -Já lês te Marçal, Orlando Marçal, o artista do Iluminuras?
De Abel Botelho: - "é por muitos títulos primoroso.
Não é uma tentativa mas uma afirmação. Vê-se que está concebido e escrito com
alma – a única maneira de eternizar a obra de arte na memória dos homens. Dá-me
sempre um quente e íntimo prazer a aparição de promissoras primícias, como
esta, na sáfara aridez da nossa produção
intelectual."
Da revista A Cidade, escreveu o seguinte :-Sob uma arvore verde da Avenida, no terrasse do bar, sob o calor de 32,6.0, tomando uma li monada, o meu amigo Leandro, perguntara-me: -Já lês te Marçal, Orlando Marçal, o artista do Iluminuras?
Eu já havia lido Marçal,
em páginas admiráveis, nos jornais lusos e brasileiras. Respondi.
Já. É um belo temperamento
de emotivo e esteta.
-O livro Asas, continuou o
meu amigo á quietude verde das árvores sob a soalheira tremenda, é um encanto.
Marçal não é apenas o esteta, o estilista, o sonoro: é o psicólogo. As suas
páginas vivem, as suas personagens vibram, andam, choram, palpitam.
Leandro estava
entusiasmado. Quási uma hora levou-me a falar de Marçal. No outro dia mão
carinhosa me oferecia exactamenle o Asas, do jovem escritor luso. Abri-o. No
pórtico apenas isto: Tout homme qui écrit un livre, c’est live,
c’est lui - Victor Hugo,
Agradou-me tal frase, que o livro, diga-se, não desmentiu. O escritor é o
livro. Sente-se uma alma de inquieto desejo de perfeição, de mocidade quente,
de beleza. O livro é todo cheio de sentimentos bons, de ideias nobres, de
alegrias, de esplendor, Agrada. Torna-se querido, de quem o lê, como uma pessoa
que a gente por conhecer-lhe a bondade, mais a estima depois disso.
…Li-o numa tarde; li-o e
gostei. Não sei porque, minha alma deixou-se fixar na paisagem espiritual
da-Pagina Coimbrã-tarde de melancolia violácea, de tons cinza de há doloridos
arpejos de amarguradas saudades. É uma página de recordação, de adeus à terra
trovadoresca, terra de boémia livre nas noites de guitarradas lânguidas, terra
de estudo e de poesia. E' falando a uma tricana que dele a vida separa, que
diz: “-Tenho pena, oh! que pena imensa, inenarrável e eterna de ler ido acordar
cm teu peito o eco adormecido de uma ventura iminente… e um sentimento nos
prendeu, como raiz de arvore frondosa, perenemente vicejante, a enlear-se ao
coração da terra. E sobre a nossa vida, como sobre a pedra calada dum sepulcro,
ficará a pairar o claro raio desta ilusão e em nossa alma pousará sempre,
ruflante e carinhoso, o reflexo desta saudade” - E segue na sua roxa
peregrinação de tristeza, na sua dolente romagem de exortação. Lembra-se depois
de urna grácil e estonteante madona
italiana-cuore e mente-a contezinha de Sammito. Lembra-a e sente espasmos
longos de tédio, grilos de exaltação, no fremer das saudades pungentes..
.
Do Dr. Trindade Coelho:- ... pode muito
bem fazer Arte, porque revela, no amor e no exilo com que trabalha a prosa,
qualidades de artista. Mas debaixo desse exclusivo ponto de vista, que é aquele
porque deve encarar-se- excelente I Sem lisonja, nem afetação, é um verdadeiro
escritor que eu saúdo com muito afeto e admiração.
De João Grave, Diário da
Tarde, Porto:- … em verso, dum esplendido vigor, duma seiva forte e duma larga
inspiração, revelando um verdadeiro temperamento estético e um estro caloroso e
fácil. O Sr. Orlando Marçal possui uma perfeita técnica e as suas estrofes,
sempre coloridas e puras, ondulam e correm espontaneamente, sem torturas de
imaginação e sem exotismos que lhes embaciem a límpida beleza.
Do Dr. Teófilo Braga:- … Como o meu silêncio poderia parecer
qualquer indiferença do velho para o
rapaz, não quero que tal sombra lhe passe
pelo espírito. Quebro o silencio para
dizer que li com encanto o seu livro.
Gosto muito daquele género. Desde que li os poemas do Beudelaire . Parabéns,
De Humberto de Araújo :- …Li-o,
página por pati tenho pena de que não seja maior. O artista que é autor,
revela-se ali, examina-se o seu espirita naquelas páginas. Neste livro não há
manifestação mórbida, não há revelação de uma alma decadente. É por isso que eu o li
com amor. Nele, sentem-se as genuínas paisagens da vida, que ora parecem de
oiro, ora de filigranas emolduradas em saudades. Alma de poeta, de português de
taça, Orlando Marçal é um esteta perfeito e um coração de apóstolo. Eu
compreendo-o, admira-o com esta minha amizade espiritual que vê, que examina,
que indaga. Este seu livro é mais uma prova do seu talento fecundo, uma completa
manifestação progressiva da sua arte.
Do Comercio do Porto : -
... o distinto autor deste livro, Sr. Orlando Marçal, já suficientemente
conhecido no mundo das letras pelas suas obras, algumas de real valor, e nas quais
se tem afirmado um talento privilegiado e progressivo de escritor e artista
delicado e perfeito-consegue dar-nos um saliente aspeto da sua personalidade e
do seu temperamento de emotivo que sabe deixar impresso em paginas musicais,
cheias de ritmo e de imagens caprichosas e rutilas como joias que um perdulario
semeasse a esmo, prodigamente. E são verdadeiras joias Iliterárias em que,
suavemente, a alma de um poeta e de um sonhador descreve, com raro brilho, as sensações
que recebeu, numa prosa límpida e harmoniosa, onde há o vago perfume das coisas
belas .
• • • é um livro encantador,
em cujas paginas continua a afirmar-se o temperamento original do brilhante
autor do Asas, em que há contos primorosos de urna doce edialidade.
D'O Jornal de Noticias,
Porto:- ... O Dr. Orlando Marçal, escritor que já hoje conta um lugar nas fileiras dos contistas portugueses, acaba de
brindar-nos com um formoso livro de crónicas. O titulo é tudo quanto há mais expressivo. De facto, no presente
volume não marulham imprecações nem catadupam sarcasmos, mas alindam-se
delicadas telas impressionistas e deslisam serenas evocações de horas
felizes. Nem o rumor do odio, nem o cascalhar das apóstrofes. Apenas hossanas
de alevantado espírito, O distinto publicista, alheando-se do torvelinho de em
volta, acalmou-se na pacificação do estudo dos seus escritores mais afetivos e
de alma enternecida na sua prosa fluente, brandamente romântica, foi registando
as impressões da paisagem que o surpreendeu, dos poemas que o seduziram e das
emoções que o impressionaram. Espelham maravilhas de colorido e alvoroço de
alma. O torrão natal, com suas serranias altas, sua alegria rural e o esplendor
dos seus agros, é evocado com enlevos de poeta exaltado com superioridade de linguagem.
O livro confirma os excelentes creditas do seu autor, impondo-o como um dos
prosadores mais distintos da geração nova.
Do Diário Pernambuco, Brasil
:- … Este brilhante escritor português, um dos fortes rebentos da nova geração literária
em Portugal, que é um poeta de inspiração se nos revela agora com este novo
livro um esplendido conteur, através
do qual bem se acentua o seu talento maleável. Nessas produções, porém, há um
paisagista perfeito apanhando integralmente a natureza nas cambiantes de suas cores,
nos seus cantares, na espessura de suas arvores verdes onde pelo interstício da
folhagem um sol ruborizante entra e se escoa. Os seus contos são ligeiros,
sóbrios, dão-nos a figura dos personagens através dum riso, dum olhar, duma
palavra, deixando transparecer os intuitos que a revelam.
.
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