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terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Escritor Paulo Castilho - Feliz Aniversário ao autor para o qual “O rigor é um imperativo moral” – Filho do diplomata, Guilherme Castilho, natural de Foz Côa – Terra que também abraçou com o mesmo afeto de seu pai - Seguindo-lhe até o seu magnifico exemplo: na escrita, na diplomacia e na vida.

Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista
Paulo Castilho, faz hoje anos – E, além de aproveitar o dia para aqui, vivamente o  felicitar, é também meu  desejo  reportar-me  à sua importante obra  - Não muito extensa em quantidade mas muito importantíssima em qualidade, de resto, já distinguida com prestigiados prémios literários -  Sim, porque, segundo diz Francisco Seixas da Costa (08/08/2011),  «Paulo Castilho não é um escritor regular. Passam-se anos sem que apareça um romance seu. Contudo, nunca desilude. Esse é o caso de "Domínio Público", recentemente editado.»



(…) «Paulo Castilho é diplomata. Há hoje muito poucos diplomatas que se dedicam à escrita de ficção. Além dele, apenas Marcello Mathias e Luís Filipe Castro Mendes publicam obras com alguma regularidade. Mas todos, sem exceção, com elevada qualidade, como a crítica sempre reconhece. O que é, "corporativamente", uma constatação muito agradável duas ou três coisas: Paulo Castilho

 Ainda na opinião da crítica, «Paulo Cstilho, “revelou-se como escritor nos anos 80, com a obra ‘O Outro Lado do Espelho' e, em 89, lançaria ‘Fora de Horas', livro que o afirmou como uma das vozes mais singulares das letras nacionais» Paulo Castilho vence Prémio Literário Fernando Namora

Este site, entre outros assuntos, tem dedicado especial atenção a Vila Nova de Foz Côa, terra onde nasceu o escritor, Guilherme de Castilho, diplomata (1912-1987) ensaísta e crítico de grande nível intelectual,  autor de uma das mais importantes biografias de António Nobre, entre outras obras, algumas das quais difíceis de encontrar.  .  
  

"Guilherme Castilho, um homem totalmente dedicado às letras. Pertencia a um grupo de pessoas, o grupo que se formou à volta da revista “Presença”, que lançou em Portugal o segundo modernismo, para quem a ligação às artes era a coisa mais importante. Tratava-se  de uma geração que tinha como ideologia a ideia de que só através do espírito se tem acesso à verdade sobre a vida e sobre o mundo. Era uma geração com um profundo desprezo pela vida mundana, pela publicidade, pelo sucesso, valores que hoje em dia se tornaram dominantes" - Palavras de Paulo Castilho, pronunciadas por ocasião do  centenário do nascimento de seu pai,   cerimónia, com que  o município fozcoense,  quis distinguir uma das suas mais distintas figuras, que contou com a presença dos seus dois filhos,  Paulo Castilho e  Manuel Castilho, bem como esposas e demais familiares e amigos.

"O meu pai nasceu em Vila Nova de Foz Coa, tal como o irmão António e a mãe Cândida de Jesus Margarido, Castilho por casamento. Trata-se de uma família de Foz Coa que depois, por circunstâncias da vida, acabou por se fixar em outros pontos do país, nomeadamente Matosinhos e Porto, onde o meu avô, ligado ao Vinho do Porto, exercia a sua atividade profissional. " - Referia, também, Paulo Castilho, que, tal como ele reconhece, em palavras que nos foram transmitidas, "embora nascido em Matosinhos, me posso considerar foscoense honorário."

Foi precisamente, nessa ocasião, em 2012, que  tive o prazer de me reencontrar, com o escritor, que já não via, desde os anos 80, altura em que o procurei para me prestar umas breves declarações,  para a Rádio Comercial RDP, a propósito do  “Outro Lado do Espelho (1984), distinguido com o Prémio Literário do Diário de Noticias.
Desse modo, é com renovado gosto, que aproveito este dia especial na sua vida para aqui recordar, não apenas alguns dados bibliográficos da sua obra, como também o excerto de uma interessante entrevista, que concedeu ao jornal de Letras,  na altura da sua estreia literária, conduzida por Eugénio Lisboa – E só não a reproduzo integralmente, porque é o único recorte que possuo. Porém, antes de passar à sua transcrição, não quero deixar de aqui subkinhar outras referências acerca da sua obra e da sua personalidade.

“Quem sai aos seus, não degenera” 
  
E, Paulo Castilho, é um desses belos exemplos. É  o que se pode dizer, o escritor que segue à risca o culto  da arte de bem escrever – “Os romances de Paulo Castilho confrontam o leitor com personagens envolvidas numa teia de relações deceptivas - uniões conflituosas e instáveis, no plano da amizade, do amor ou da família - que configuram enredos e intrigas de uma frivolidade - desconcertante. Eliminado o grande canário da História, a marcha inevitável ou convulsiva dos grandes momentos nacionais e colectivos e as causas mobilizadoras e exaltantes, sobra, no plano diegético. o dia-a-dia, os pequenos factos. gestos, palavras que formaram a trama da existência banalizada, os espaços e os tempos da vida quotidiana. Digo factos e não acontecimentos, gestos e não actos, palavras e não discursos porque se trata aqui ela "soma das insignificâncias" de quem não se reconhece como "sujeito histórico". – Cristina Robalo Cordeiro  - Da Faculdade de Letras de Coimbra 


Outras opiniões da crítica: 

«Paulo Castilho continua em Sinais Exteriores ( 1993) e Porte Incerto ( 1997) um retrato muito próprio de alguma classe média culta em fim-de-século urbano. O seu estilo frio, quase clínico, parente remoto de um certo contar à americana que afasta quer a melancolia quer o dramático, introduz um tom que não é comum na ficção portuguesa, mas ao qual não se pode negar uma pertinência descritiva cm relação às suas temáticas constantes, que talvez se pudessem condensar cm duas vertentes fundamentais: primeiro. a questão da incomunicabilidade ( ... ) depois impossibilidade ou o rotundo fracasso cios projectos de mudança qualitativa» Óscar Lopes e Maria de Fátima Marinho – In História da Literatura Portuguesa


O "extraordinário domínio da língua portuguesa", com "elegância e mestria" levaram o júri a distinguir com o Prémio Fernando Namora/Estoril Sol, o romance "Domínio Público", de Paulo Castilho, disse o presidente do júri, Vasco Graça Moura.

Em declarações à Lusa, o escritor Vasco Graça Moura afirmou que o júri notou "a maneira lúcida quanto irónica como [Castilho] caracteriza as personagens", destacando a "surpreendente narrativa como analisa as relações entre as personagens na sociedade portuguesa". – Excerto de Prémio Fernando Namora/Estoril Sol para Paulo Castilho


Paulo Castilho : “O rigor é para mim  um imperativo moral”

Filho de escritores (Guilherme de Castilho e Marta de Lima) sabe escrever? O livro de estreia de Paulo Castilho, «O Outro Lado do Espelhos, Prémio Diário de Notícias de Ficção, acaba de ser publicado. Em Londres, o autor aceitou o interrogatório cerrado, de Eugénio Lisboa, para o J.L
 J.L - O poeta americano Longfellow dizia que «grande é a arte de começar, mas maior é ainda a arte de acabar». Você não me parece que «funcione- multo em termos de carreira literária. Bastar-Ihe-á a carreira diplomática. Mas, chame-lhe você o que lhe chamar, acha preferível começar bem ou acabar bem?

Paulo Castilho - Eu não poria a questão nesses termos. Em primeiro lugar, quase que ainda não comecei. Ganhei o prémio, o livro acaba de ser publicado. Vou ter a possibilidade de o fazer da melhor maneira, com os deuses todos do meu lado. Resta ver se terei também os simples mortais do meu lado ... Depois, para continuar, preciso de achar que tenho qualquer coisa para dizer; não ao mundo (passe a expressão), mas, em primeiro lugar, a mim próprio. Para mim, escrever é uma actividade muito complexa e demorada, escrever e reescrever inúmeras vezes. Não posso, à partida, saber a que resultado vou chegar. E já nem falo de acabar: acabar, nesse sentido, é um ponto de vista de fora, sobre o qual me parece que a própria pessoa dificilmente se pode pronunciar.



JL - Em todo o caso, a pergunta que eu lhe fazia tinha um significado menos mondano do que à primeira vista pode parecer. Certos autores têm a preocupação de uma saída com “panache” , uma saída elegante. Não gostariam de se tornar o plágio de sí-próprios, como parece que foi o caso de um Hemingway, o que aliás parece que lhe criou toda aquela angústia final dos últimos anos, que o terá levado, eventualmente, ao suicídio. A minha pergunta tinha esse aspecto de uma antecipação muito longínqua, se para si seria gratificante saber que poderia sair da literatura (se é que alguma vez se sal da literatura) com a bandeira desfraldada, para usar uma expressão de caixa alta.

P. C. - Para além da resposta óbvia de que sim, eu pergunto como é que se sabe: este é o momento em que saio? Creio que isso compete ao historiador, já com alguma perspectiva. A minha dificuldade neste ponto decorre também de até há muito pouco tempo não saber sequer se alguma vez publicaria um livro. Foi, portanto, um problema que nunca  me pus. Mas, no fundo, está também a colocar-me a pergunta:  e agora? É, pelo menos, essa a pergunta  que mais de imediato me faço. Posso  dizer que escrevo praticamente desde sempre. Necessariamente com grande continuidade; mas por vezes com grande intensidade. A questão que se me põe  é saber o que interessa é saber o que é que me interessa fazer a seguir; e, posto isto, qual  o ponto de vista que vou adoptar em relação ao material. Esse ponto de vista é fundamental, é uma questão preliminar que acaba por condicionar o resultado final da sua globalidade. O Outro Lado do Espelho é, até certo ponto, a redução sucessiva de escritos anteriores que tinham uma maior amplitude. Fui excluindo coisas que se tornaram laterais em relação ao percurso que acabei por seguir. Poderei voltar a pegar nesse material que ficou de fora, ou então seguir um caminho inteiramente diferente. Ainda não sei. 
O diplomata e a distância 


JL  - O seu caso é um caso curiosamente significativo, porque tem vivido a maior parte da sua vida fora de Portugal devido à profissão do seu pai, que era diplomata de carreira. Foi o caso do Fernando Pessoa, que viveu antes do fim da sua adolescência no estrangeiro, na África do Sul, foi o caso do Eça de Queiroz, que viveu longos anos fora da sua própria paróquia linguística. O Garrett também, que viveu no exilo durante alguns anos. Foi o caso de multo grande escritor português e, curiosamente, daqueles que mais seguramente deram uma sacudidela grande na língua. O próprio Camões viveu muito tempo fora da sua paróquia linguística. O Jorge de Sena a mesma coisa. Curiosamente, ou não tão curiosamente como Isso, foram dos indivíduos que mais decisivamente empurraram a língua para a frente. Eu pergunto-lhe se o estar de fora constitui um factor negativo, ou se constitui um factor de estímulo: a pessoa, precisamente porque está fora, tem a necessidade, quase o desespero de se agarrar à língua, de ver como ela é, de uma certa perspectiva exterior, e tem uma possibilidade de a modificar que possivelmente os indivíduos que vivem com o nariz em cima dela não têm? 

P. C. - Há um preço que se paga pela perda ou atenuação das raízes. A minha experiência nesse domínio não serve talvez de exemplo, porque as minhas ausências de Portugal nos últimos anos têm sido cortadas por frequentes e às vezes longos regressos. Admito facilmente que um escritor expatriado por períodos muito longos possa sentir como que a sensação de uma fonte que se lhe seca. Para mim, para as coisas que escrevo, não seria possível largar inteiramente a âncora em relação ao País, aos portugueses, às suas preocupações. 




J.L. - Se tivesse que resumir o conteúdo e a Intenção deste seu romance - eu sei que estou a pedir-lhe uma quase heresia - como faria? 
P. C. - Como é que hei-de responder sem  soar  com as palavras que aparecem na contra-capa dos meus livros? Vou tentar. Trata-se do reencontro de um homem, que é o narrador, que se exprime na primeira pessoa do singular, e de uma mulher que em certo momento da sua vida mantiveram relações especiais e muito intensas, na fronteira entre o amor e amizade, mas que por razões várias, que são referidas no livro, ficam incompletas. Mais tarde dá-se o reatar, cujos elementos incompletos, cujas incógnitas, constituem uma obsessão do protagonista, mas para constatarem que, em última análise, o passado não se pode recuperar. Tudo se passa no presente. O resto são fantasmas. As pessoas têm a sua história. A história de cada um continua a desenrolar-se separadamente e por caminhos inevitavelmente diferentes durante o tempo em que estão separados. 

D.L. - É curioso, porque esse seu tema central - «nunca se regressa exactamente ao ponto de partida» .,.-  a  gente julga que regressa, mas chega à conclusão de que já não é o mesmo tempo as pessoas não estão já onde nós as deixámos . 
P. C. - As pessoas e nós próprios... 

D.L.  - Exactamente... é obsessivamente um dos temas da poesia do Jorge de Sena. O Jorge de Sena, isto é, a sua obra, tem muito a ver com a sua experiência de emigrante. Esse tal centro de referência que ele gostaria de ter constante, o porto de abrigo, o ponto de chegada, é precisamente a sua experiência que lhe vai permitir verificar que isso não acontece. Ele regressa ao sítio onde quereria encontrar os seus amigos e os seus amigos já se moveram e ele também já se moveu. Ele mudou as suas experiências, evoluiu, viajou, viajou interiormente; eles viajaram também Interiormente e às vezes até topograficamente e portanto não há círculos na nossa viagem pela vida, há quando muito espirais. Vamos ter a um ponto que é homólogo daquele donde partimos, mas que não coincide com ele. Pergunto se essa sua intuição aguda, que está na base deste seu livro, terá que ver com a experiência da pessoa que vive muito tempo fora de Portugal, se isso terá ajudado a alimentar esse seu fantasma? 


P. C. - Não sei ao certo. Evidentemente que as ausências prolongadas podem afastar as pessoas. Mas há muitas outras coisas que as afastam também, ainda que vivam na mesma cidade, na mesma rua. As pessoas seguem caminhos diferentes, impostos pelas suas próprias circunstâncias, pelo seu temperamento, pelos seus interesses. Mas o meu livro refere-se talvez mais às coisas que ao longo da vida vão ficando por fazer, com o tempo que passa e não se pode recuperar. É necessário fazer constantemente escolhas e ao escolher-se uma coisa abandonam-se todas as outras. Poderia quase dizer-se que há um lado da nossa vida que fica por viver 

Nada é demasiado importante


D.L. - Quando li o seu manuscrito, eu, que não pertenço à sua paróquia temporal - chamemos-lhe assim - julguei assistir ao desfilar de um mundo onde nada é nunca multo Importante: nem a arte que se frui, nem o amor, nem as ideias, nem as viagens, nem mesmo certos outros valores que agora não cito. Quero dizer desde já que posso estar errado. Estou apenas a dar Isto como a impressão cândida que tive e que pode resultar apenas do facto de termos aproximações diferentes em relação a certos modos de nos exprimirmos. Dir-se-la, sempre para mim, que o seu livro é uma pintura magistral, desenvolta, mas quase fria da inanidade de tudo, da quase inimportância de tudo. Nunca se penetra a fundo nos seres, não por Incapacidade de sondagem., mas por ceptlcismo. O seu livro alude algures a um «vazio Impecavelmente organizado». Noutro ponto fala de “uma espécie de pânico sereno». E ainda noutro no «caos suave”. Em certa passagem, o narrador (Pedro) diz: «mudei o rádio de estação à procura de coisa nenhuma». Faço-lhe uma pergunta cândida: trata-se de um universo particular seu, de uma sua visão do mundo, ou nem mesmo Isso: trata-se apenas de uma construção romanesca específica - ou pretende apontar para uma atitude geracional, para um modo de estar no mundo comum às pessoas da sua geração? 

P. C. - Não pretendi falar em nome das pessoas da minha geração. Duvido, aliás, que se possa utilizar o conceito de geração em termos tão amplos. As experiências e a situação específica das várias pessoas que cronologicamente pertencem à mesma geração são tão diferente entre si, que sou tentado a dizer que são maiores as diferenças  de que as afinidades. Mas, mesmo admitindo que, em última análise, existirá alguma coisa de comum, eu, pelo menos, não tive qualquer intenção de apresentar as personagens do livro como exemplares, de ultrapassar deliberadamente a sua dimensão singular. Em relação ao cepticismo  a que alude na sua pergunta, estou só parcialmente de acordo. Em primeiro lugar creio que há no seu livro personagens  para quem há muita coisa que é extremamente importante. Noutros casos: a “inimportância de tudo” é no fundo aparente, é uma defesa numa espécie de jogo, no monólogo que o narrador trava consigo próprio. Mas, por outro lado, um certo cepticismo, ou uma atitude de cepticismo, o que não é bem a mesma coisa, aparece quase como um imperativo que, creio, tem muito a ver com o facto de actualmente estarmos expostos a um grande número de fontes de informação, sujeitos a meios de comunicação que frequentemente nos transmitem dados tão numerosos como efémeros. E, por exemplo, impossível, a muitos níveis, não ter consciência de que fracassaram já no passado recente ou mais afastado ideias e experiências que, não obstante, não nos abstemos de repetir. Creio que no livro, em algumas das suas personagens, há, portanto, uma interacção permanente entre essa componente, que se pode designar por cepticismo, e as constantes morais e existenciais de que, apesar de tudo, não querem e não poderiam sequer prescindir.


D.L. - Vamos cair no conceito de Ironia, não é?

P.C. . - Quando tive o meu primeiro contacto com a Filosofia, no liceu, surpreendeu-me extraordinariamente o facto de aparecerem sucessivamente novos filósofos com explicações pessoais que contradiziam as explicações apresentadas antes. Com uma grande inocência, perguntava-me então: como é isto possível: Como é possível que pessoas que atingiram este grau de maturidade na investigação da condição humana não se coloquem preliminarmente a seguinte pergunta: não será possível, ou até provável, que também eu não tenha razão? E óbvio que a questão não pode pôr-se nestes termos simplistas. Referi-o apenas para ilustrar o facto de que me é pessoalmente muito difícil olhar para as coisas de um só ponto de vista. Mas há outro passo que eu queria destacar da sua pergunta: quando fala de não se entrar a fundo nos seres ...

D.L - Sim, «nunca se penetra fundo nos seres, não por Incapacidade de sondagem, mas por cepticismo». Excerto 


“LETRA E MÚSICA”

Há, de facto, na escrita de Paulo Castilho, além de letras, uma certa musicalidade, feita de pequenas frases, de parágrafos curtos  – Não  a estopada monocórdica de certos romances, em que o prazer da descoberta, por mais exercícios de imaginação a que o leitor se esforce, jamais o logra descobrir, mas muitas notas, com ritmo, harmonia  e fluência, a par da subtiliza com que utiliza o humor e a  ironia para descrever situações ou caraterizar  as suas personagens
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Um desses livros, tem justamente o título de “Letra e Música” – É a sua penúltima obra - Foi editada pela Oceanos, em 2008

Já, agora, vamos deixar-lhes aqui algumas linhas, que extraímos das páginas  25 e 26  -de Letra e Música

(…) Apeteceu-me ler o Cesário Verde. 1945, Editorial Ática. Como é que se resiste a um livro que inclui um poema chamado Num Bairro Moderno? 


O Cesário Verde ocupou o resto da minha tarde. Ninguém me procurou, nem pelo telefone fixo, nem pelo telemóvel. Por volta das oiro apareceu a tia Luisinha. A rua mãe disse-me que estavas aqui. O que é que te deu? Isco está pior que a casa do Psico. Mas, pronto, é lá contigo, diz que precisas de sossego para uma coisa muito importante que estás a fazer. Não sabia que fazias coisas importantes. Mas olha, não te tiro tempo nenhum, vim só buscar os pratas azuis, aqueles com os desenhos dos chinas todos, os da sala de jantar. A tia Luisinha avançou cheia de determinação direita à parede onde estavam pendurados os seis pratos. Tirou-os dois a dois e pousou-os em cima da mesa. Ficaram seis marcas redondas na parede. Está tudo combinado, falei com a tua mãe e com o tio Zé e estes ficam para mim. Tens aí um jornal? Esqueci-me do papel de embrulho. E não te admires, amanhã ou depois é capaz de aparecer aí o Hugo, diz que lhe dava imenso jeito a caixa dos charutos. É por conta da minha quota.

Tem quatro ou cinco filhos a tia Luisinha. Ou seis ou vinte. Não os distingo, misturo-lhes os nome. A tia também.

À saída, a tia cruzou-se com o homem da pizza. Resolvi comer na sala do rés-do-chão. Sentei-me no sofá onde a avó costumava ver televisão. Pousei a pizza e a cerveja na mesa de apoio ao lado. Comer na sala de jantar parecia-me um sacrilégio. E logo uma pizza. Apontei o remoto para a televisão. Nada. Pilhas mortas. Ou TV avariada. Não averiguei. Só então reparei que faltava na parede a natureza morta. Era um dos meus objectos favoritos. Imaginei-a sempre na minha casa. Paciência. Um dos 101 dálmatas da tia Luisinha foi mais rápido.

A noite. Não há mais desculpas. Nem sequer a desculpa de achar que o livro, despromovido agora para a categoria de manuscrito, não presta. Não presta. Duas palavras. O fruto, como se costuma dizer, de um labor de dois anos. E não presta. Repito estas duas palavras não por masoquismo, mas porque preciso de me convencer. Um tipo gasta dois anos da sua vida, dois anos de cérebro e emoções, é natural que não se deixe convencer logo à primeira. E não estou preparado ainda para o deitar fora. É portanto com ele que vou trabalhar, não obstante o email do Honorato. O homem descobriu o e-mail há pouco tempo e está fascinado. Diz que é o ideal para um editor, em duas penadas se manda o escritor à vida sem ter de lhe suportar a cara sofredora. Receita que logo aplicou a mim:

Não é que eu não queira publicar. É você que não quer publicar isco. Porquê? Respondo-lhe numa palavra: depressivo. Depressivo e negativo, transpira rancor por todos os poros. É o livro dum homem mal disposto, dum homem que gosta de dar más notícias. Gente assim antigamente era logo passada à espada ou atirada à fogueira. Não é um livro. É uma resmunguice. Ainda por cima, esse nicho de mercado já foi ocupado pelo Pulido Valente. Você não gosta do que vê à sua volta? Tem bom remédio, faça como toda a gente, homem, não repare, deixe andar, faça de conta, goze a vida. Arranje uma pequena, passa-lhe num instante, pode crer.


Sinopse  . de Letra e Música


Nos anos 60, Mónica Mendes, com 18 anos, deixa Portugal e parte para Londres, onde inicia, com algum sucesso, uma carreira como cantora rock com o grupo "Mon And The Rainmakers". Mais tarde muda-se para os Estados Unidos e começa a cantar blues, tornando-se uma cantora considerada "de culto".
Muitos anos depois, a sobrinha, Isabel, ao descobrir o diário de Mónica, quer saber mais sobre a tia, de quem a família não fala e que morreu cedo, deixando, além dos discos, alguns enigmas por decifrar.
Num estilo coloquial e directo, quase cinematográfico, com frases curtas e uma ironia que perpassa em todo o livro, Paulo Castilho dá-nos o retrato de duas épocas e de dois grupos de pessoas cujas vidas, embora separadas por mais de três décadas, acabam por se cruzar.

Críticas de imprensa

«Paulo Castilho] é uma das vozes mais interessantes da literatura portuguesa contemporânea. [...] Pode bem, com “Letra e Música”, dar de novo que falar, quando o júri da APE se reunir para escolher o Grande Prémio de Romance e Novela de 2008.»
Carlos Câmara Leme, Público


  OBRAS DE PAULO CASTILHO


O Outro Lado do Espelho (1983) (romance … Fora de Horas (1989) (romance)
Sinais Exteriores (1993) (romance)… Parte Incerta (1997) (romance… Por Outra Palavras (2000) (romance)… Letra e Música (2008) (romance)… Domínio Público (2011) (romance

Biografia - Filho do diplomata e ensaísta Guilherme de Castilho e da escritora Marta de Lima, efectuou os estudos primários e secundários na África do Sul, Hong-Kong, Macau e Lisboa. Licenciado pela Faculdade de Direito de Lisboa, é diplomata de carreira, tendo ocupado postos em Whashington (1970-71) e Londres (1980-85). Ocupou o cargo de director-geral das Comunidades Portuguesas, entre 1991 e 1995, e, posteriormente, o de Embaixador de Portugal na Suécia. A sua revelação literária dá-se na década de 80 com o romance O Outro Lado do Espelho, Prémio Literário Diário de Notícias. O êxito alcançado com Fora de Horas, obra galardoada com o Grande Prémio da APE, o prémio PEN Clube Português e o Prémio Eça de Queirós, lançou-o como um ficcionista atento aos desencontros ideológicos entre a geração de 60 e a geração de 80, sob o ponto de vista de personagens que, em momento de balanço existencial, constatam, com certo desencanto e amargura, que o idealismo e a esperança utópica dos anos 60 não tiveram qualquer repercussão sobre uma década dominada no presente pelo pragmatismo. Numa escrita que usa a técnica da alternância de pontos de vista na observação desapaixonada mas exacta do comportamento humano e da realidade quotidiana, o estilo novelístico de Paulo Castilho, com recurso à frase curta, frequentemente nominal, numa espécie de zapping construtivo, a que corresponde o estilhaçamento social, decompõe uma civilização dominada pelos media, pela publicidade, pelo kitsch, por uma visão do mundo construída a partir da indústria cinematográfica norte-americana".Paulo Castilho - W



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