
Realizou-se o terceiro passeio pedonal
promovido pela Associação Foz Côa Friends, com vista a pugnar pela reativação
do troço Pocinho-Barca D’Alva – A semana decorrera fria e chuvosa.
Sexta-feira proporcionara alguma abertas, que até foram aproveitadas por alguns
membros desta associação para ensaiar novos passeios para novos desafios, por
veredas do Vale do Côa, mas pairava alguma incerteza sobre como
iria portar-se o Sábado de Aleluia – Felizmente, portou-se muito bem.

Excedendo todas as expectativas. Antes das nove da manhã, dois autocarros
da Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa, largavam os audazes caminheiros na
velha Estação da CP de Almendra, depois de se haverem reunido, cedinho,
já bem dispostos, alegres e prazenteiros, na Praça do Município,
uns vindos de longe, outros de mais perto, mas com o pensamento comum numas
horas de descoberta e de agradável convívio por uma boa causa.
SÁBADO PASCAL A FAZER JUZ À
MITOLOGIA PAGÃ E CRISTÃ
O tempo tem andado variado. Dizem os
especialistas que “este é dos meses de Março mais chuvosos e
frios dos últimos 40 anos. Mas, o Sábado de Aleluia, fez jus ao
significado pascal. . Proporcionou excelentes abertas, tanto de manhã, como de
tarde. Entre Março e Abril varia o tempo e também varia o calendário
da Páscoa. Que ocorre no primeiro domingo depois da lua-cheia que se
segue ao Equinócio da Primavera e que pode cair entre 21 de março e 24 de
abril – Este ano o Sábado de Aleluia calhou no dia 30. Ainda bem. Pois,
foram as férias da Páscoa, mais o cheiro primaveril, que levaram os
organizadores da Foz Côa Friends a escolher esta data.
CUMPRIU-SE MAIS UMA BELA JORNADA DE LUTA,
FALTA ALGORA CUMPRIR-SE DOS GOVERNATES A SUA PALAVRA
Se a vontade dos governantes estivesse
sintonizada com a vontade das autarquias e populações da região – mas também de
todos aqueles que amam as belezas deste rio - não havia necessidade
de se promoverem jornadas de luta – O mau é que, o Terreiro do Paço, fica demasiado longe do Alto Douro. Promessas para a reabertura da linha que um dia ligou
o Porto a Salamanca, não têm faltado – Até o atual Presidente da
República, Cavaco Silva, ele que lhe deu a estocada de morte, em 1988, chegou a
manifestar o seu apoio e empenho pela sua reativação, na campanha eleitoral
– Mas, antes dele, também Durão Barroso, fizera idêntica
promessa, em 2004. No Governo de José Sócrates, voltou a falar-se da sua
reabertura, pela voz da ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima

Em Janeiro de 2007, escrevia o DN que “A
construção do Museu de Arte e Arqueologia do Vale do Côa poderá ser o impulso
que faltava para que os comboios voltem a circular no troço da linha férrea do
Douro, entre o Pocinho e Barca de Alva. A ministra da Cultura, Isabel Pires de
Lima, defendeu, em Vila Nova de Foz Côa, a "activação da linha
exclusivamente para fins turísticos". (...) "A reabertura à
circulação daquele troço de 28 Km, encerrado desde 1988, é defendida há algum
tempo, sobretudo por autarcas e outros agentes locais. Opinam que, uma vez que
do lado espanhol existe vontade de reactivar a linha entre La Fuente de San
Estebam, próximo de Salamanca, e a estação de Barca de Alva, o Governo
português deveria promover o mesmo do lado de cá da fronteira. Entendem que se
abriria uma porta de entrada ao apetecido turismo castelhano para os vales do
Douro e Côa, ambos detentores do estatuto de Património da Humanidade. Linha do
Douro permanece abandonada, para tristeza de autarcas e agentes da região
Empresários interessados Não admira, portanto, que autarcas como os de Vila
Nova de Foz Côa e de Figueira de Castelo Rodrigo tivessem ficado duplamente
satisfeitos”- Excerto extraído de Eventual reabertura Pocinho-Barca de Alva
TAMANHO ABANDONO E DESAMPARO, ANTE TANTO
PRODÍGIO E TANTA BELEZA – ATÉ QUANDO ESTA INCÚRIA E ESTE DESPREZO?!
O Douro “Não é um panorama que os
olhos contemplam: é um excesso da natureza” – Escreveu Torga. – Precisamente,
por isso, é uma dor de alma ver, a cada passo, tanto silêncio e tanto
abandono, numa via férrea, cortada a pá e a picareta, com hercúleo
esforço, rasgada em abruptas veredas de xisto ou assente em muros que
mais parecem emergir do fundo da margem do rio de que da própria vertente.
Talvez, por esse facto, uma panorâmica que
devia ser apreciada, com paragens constantes, a cada instante, até parecia que
toda a gente estava a participar numa maratona, que o importante era chegar o
mais depressa possível ao termo da via, passar testemunho e toca andar, tal era
a pressa evidenciada desde o momento da partida. E, a bem dizer, até havia
algum fundamento nessa predisposição. Pois, quem é que, de coração escancarado
e olhar sensível ao estado de degradação em que a linha se apresenta, podia
deixar de sentir, a par da beleza envolvente, um misto de angústia e de
tristeza, impossível de superar o lado rústico, dramático e belo que ao mesmo
tempo se lhes estampava?!...

Sim, não era dos tais passeios, em que o
ver coisas bonitas ou feias, ultrapassar este ou aquele obstáculo, com maior ou
menor grau de dificuldade no acidentado do percurso, faz parte do roteiro
e é um teste à audácia, à resistência, à pericia e ao espírito de
aventura dos participantes. Pelo contrário, ali, já toda a gente sabia (ou
calculava) que ia deparar-se com derrocadas, umas mais recentes, outras
de há mais tempo, caminhar sobre as travessas apodrecidas – e até
escorregadias, devido às chuvas dos dias anteriores, tendo havido quem
escorregasse – e com fracas possibilidades de escapadelas de trilhos ao
longo das margens dos carris, ou por serem demasiado estreitos e semeados de
pedras, capazes de fazerem rolar quem as pisasse ou por estarem infestados
por vegetação silvestre, consequência de mais de duas décadas de
esquecimento e de abandono –

Mas não só: atravessar túneis, que são agora o esconderijo predileto de
morcegos, onde o ambiente é escuro e claustrofóbico, sendo mais a
tentação de passar adiante e não parar, pois não se sabe se há um perigo oculto
que espreite por cima ou dos lados, pronto a desabar – Pelo menos, foi o
cenário com que todos depararam, à saída de um extenso túnel, aliás, o
único,
neste percurso. Onde era hábito ficar de serviço um funcionário da CP
para alertar o maquinista se devia ou não abrandar ou suspender a
marcha do comboio. Esta a versão que ouvimos de um dos filhos, de quem ali
chegou a trabalhar. De resto, a mesma vigilância era feita por toda a
linha, daí a razão dos pequenos edifícios, que foram erguidos de onde em onde
e que agora estão completamente esventrados e envolvidos por mato e
silvas – Mostrando o mesmo aspeto, para não destoar, em que se encontram
as velhas estações.
CENÁRIO IDÍLICO, DEPOIS DA TRAVESSIA DE UMA PONTE
DE CORTAR A RESPIRAÇÃO, – AGUARDAVA-NOS PARAGEM RETEMPERADORA DE SUMARENTAS LARANJAS E DE UMA PAISAGEM DE ENCHER OS OLHOS, EMOCIONAR O CORAÇÃO, VERDADEIRAMENTE INESQUECÍVEL
Passeios pedonais são frequentes na linha
desativada do Douro, mas, com esta índole, com estes objetivos, são únicos.
Nada foi deixado ao acaso. Até quando era necessário atravessar uma ponte, com as passadeiras laterais,
reduzidas a umas estreitas vigas de ferro enferrujado e ponteado de parafusos
para dificultar ainda mais a passagem, provocando um vertiginoso vazio com os
varões exteriores de apoio. Mas lá estava o Zé Pilério e o Zeca
Ribeiro, Veríssimo e também alguns dos caminheiros mais afoitos a fazerem artes
circenses de malabarismo, prontos a darem uma mão amiga aos mais timoratos. Ponte
altíssima, com a Ribeira de Aguiar, correndo lá em baixo, sob as suas potentes estruturas férreas, convidando mais a olhar em frente, de que para os lados ou para o volumoso caudal, que ali ia
desaguar e juntar-se às águas do Douro que também transbordava.

Confesso que, tendo optado pela faixa da
esquerda, a mais desguarnecida, me senti, não direi atrapalhado, mas algo turvado
e muito cauteloso – Eu que escalei o Pico cão grande em são tomé - clique o linke e veja
, considerado
uma das agulhas mais difíceis no seu género, não deixei de pensar, todavia, como vão
longe já esses dias da minha juventude em demadas solitárias por vastos mares do Golfo da Guiné e em escaladas de paredes verticais . Foi, sem dúvida, o momento, mais
arrojado desta nossa jornada. Ainda bem que, atravessada a ponte, nos esperava
o tónico vitamínico de uns belos caixotes de laranjas. E também o que o Douro
tem de mais majestoso, amplo e singular, nesta fase do seu percurso:
- onde se nos deparou um pouco de tudo

Tanto numa margem como na outra. Vinhas,
pomares e olivais. E a paisagem agreste, revestida por um verde tenro.
Instalações, do lado de lá, que denotam continuar vivas e pujantes. E, do lado
de cá, na margem esquerda, as instalações de uma quinta, que foram magníficas e
que agora estão em ruinas, em completo estado de abandono.
Várias casas de
xisto e granito, ali sobranceiras ao rio, num lugar deveras aprazível,
dir-se-ia privilegiado, erguidas ao cimo de uma suave colina, ladeada por
duas linhas de água, que escorrem lá dos altos e ao fundo de
belíssimos e xadrezados montes de olivais, que noutros tempos, regurgitavam de
vida, com danças e cantares no seu vasto terreiro, antecedendo a ceia ou depois
da mesma ou então festejando o fim da apanha da azeitona e que agora
são a imagem de um tempo de abundância e de riqueza, que parece perdido no
tempo, não voltar mais a repetir-se.
E é triste pensar-se no que foi e no
abandono em que aquelas portas, varandas e janelas nos transmitem. Onde não
faltava o tradicional forno do pão e os corrais do gado muar e caprino. Tanta
riqueza desprezada, oh Deus! - Claro, consequência também do encerramento da linha. Por
arrasto, foi a perda do comboio e muita vida que finou - Mas será que o homem
não é merecedor de ser prendado com tais prodígios da natureza?!... Claro que
sim. Basta que os governantes não esqueçam os seus deveres para com o genuíno
povo e as suas verdadeiras raízes.
Confesso que se apoderou de mim um
sentimento de tristeza que jamais me largou pelo resto do dia. O meu pai nasceu
na Quinta da Santa Maria, agora conhecida por Ervamoira,
situada na margem esquerda do Côa. Ainda lá dormi algumas vezes em
criança. Ao ver as casas abandonadas desta quinta, não deixei de pensar
naquelas casas de xisto onde viveram os meus avós paternos e noutras, cujas
instalações deixaram de ter qualquer utilidade. Sim, exste lá o museu do sítio.
Mas o que é isso, comparado com a vida que ali já existiu?!..

O resto do percurso fez-se praticamente sem história e foi rápido. Mal se
contornaram uns montes, eis que se nos apresentava aos olhos o vasto cenário de
Barca d’Alva. Na margem direita, as altas arribas do Douro, como sentinelas
de várias colinas, a curiosidade de, no topo de uma delas, se nos deparar a
Quinta da Batoca, do poeta Guerra Junqueiro, rodeada de belos
olivais – Mais à frente, alguns amendoais que denotavam estado de abandono.
Viemos a saber que foram dos tais “projetos” que, depois de sacados os
subsídios, ficaram à espera da poda do dia de São Nunca. Sorte diferente, e
para melhor, tiveram os laranjais – E ali o fruto é mesmo de primeiríssima
qualidade. Não fosse
aquele microclima tão benfazejo.
–Da margem esquerda, e à nossa frente
(neste caso, à nossa direita, visto caminhamos de jusante para montante, ali
estavam também uns belíssimos olivais junto ao rio, muito bem tratados, no
termo dos quais, surgia a típica ponte dos arcos, Sarmento Rodrigues, mandada construir
pelo “Estado Novo”, ligando o distrito da Guarda com o de
Bragança. E, naturalmente, o pequeno aglomerado de Barca D’Alva,
que, no tempo em que o comboio por ali passava, era a grande porta aberta que,
em Portugal, se abria, a Espanha e ao resto da Europa.


Agora é mais uma aldeia, em progressivo envelhecimento, esquecida e
sem perspetivas de futuro, tal como, de resto, está atualmente todo
o país. É um facto que, os cruzeiros do Douro, que ali aportam para
encaminharem os turistas de autocarro até Salamanca, sempre quebram alguma
rotina ao pacato burgo, no entanto, nada que possa ser comparado
aos tempos em que os caminhos de ferro
transportavam passageiros e produtos. E todas as instalções - e são
muitas - funcionavam, espellhavam progresso e vida. E agora o que são: não há
palavras para transmitir tamanho desprezo! - Choca ver tanta insensatez!
A este propósito, convirá recordar ainda as
afirmações de Isabel Pires de Lima "Não me parece que haja condições para
uma reativação da linha pela CP nos moldes tradicionais, mas faz todo o sentido
que seja reativada para fins turísticos",
E também do autarca de Figueira de Castelo
Rodrigo, António Edmundo, tendo afirmado ao JN que preferia a reativação da
linha férrea até Barca de Alva como complemento à via fluvial, do que ter uma
via rápida a ligar a vila ao rio Douro

Por seu turno, também Associação de
Municípios de Trás-os-Montes e Alto Douro, defende "a remodelação de toda
a linha ferroviária do Douro até Barca d'Alba". Escusado será referir
que, depois que o comboio deixou de parar na estação de Barca d'Alva
em 1987, a vandalização do edifício da estação - que dispunha de
cafetaria, restaurante, posto alfandegário e da Guarda Fiscal - tem
sido contínua, espelhando o que de mais irresponsável e desprezível,
certas mentes, nutrem pelos bens públicos - Do lado de Espanha, a Renfe,
conquanto tenha encerrado o troço até Salamanca, tem procurado preservar a
linha e as estações.
UM PIQUINIQUE A CONDIZER
COM O ESFORÇO DA CAMINHADA – PENA QUE O LOCAL NÃO TIVESSE A VIDA DE OUTROS
TEMPOS

Terminada a jornada
pedonal, toca de ir às merendas, molhar as garantas, estreitar ainda mais os
laços de convívio. Cada um levou o seu farnel. Uns nos sacos que transportavam
a tiracolo, tal foi o meu caso, outros tendo aproveitado o transporte que foi
colocado propositadamente para o efeito. Mas ali a palavra de ordem era juntar
farnéis e toca de atacar. Nuns casos, a carrinha a servir de mesa, noutros o
muro de um dos cais da velha estação. Ninguém ficou com fome – Pelo menos,
comida e variada não faltou. E também boa pinga para quem a apreciasse.
Depois,
ainda houve tempo para ir até aos cafés da aldeia. Partilhar o convívio com as pessoas ali nadas e criadas - e até com velhos amigos. E continuar ouvir as magníficas exibições do acordeão de Reinaldo
Monteiro – O homem, que, com o Veríssimo, ao longo do trajeto que percorremos, ao
mesmo tempo que seguiam na testa do "pelotão" de caminheiros, servindo de batedores do
terreno, iam enchendo as mãos de espargos – De resto, não só ele. Houve quem
colhesse flores e também quem trouxesse os filhos às cavalitas. Sem dúvida,
mais de que um passeio, uma bela jornada de luta. Quem fez fotografias - e muitos foram - já tem muito para recordar. Oxalá sirva de reflexão a
quem tem obrigação de pensar que, o Portugal profundo, precisa de ser escutado e
não desprezado.

UM PALAVRA DE LOUVOR À EQUIPA QUE NOS ACOMPANHOU DE PRONTO SOCORROS DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS
DE V.NOVA DE FOZ CÔA
Felizmente, não foi
necessária a intervenção do pronto-socorro. Salvo umas tropeçadelas, mas sem
contudo terem causado problemas físicos ou dificuldades de progressão, o
passeio correu às mil maravilhas. No entanto, fora do nosso grupo, houve quem
precisasse de ser socorrido. Foi o caso de uma mulher espanhola, que, tendo
tropeçado na antiga ponte do Águeda,
sofreu um grande golpe na testa. O facto terá passado despercebido à
maioria dos nossos companheiros do passeio, visto ter ocorrido à hora em que se
acervam dos farnéis, e também porque foi bastante afastado do local onde almoçavam
– Mas estava lá a nossa reportagem e pôde registar o episódio. Ficamos sem
saber quem os contactou. Do que fomos testemunho, é que eles chegavam ali a
correr com as caixas na mão e que, a dita mulher, pese o seu azar , teve a
pronta assistência de que necessitava. Além disso, a ambulância ainda a levou
para o hospital de Figueira de Castelo Rodrigo – Faz bem e não olhes a quem-
Este o lema que norteia os soldados da paz, que, uma vez mais, foi tão manifestamente dedicado, altruista e voluntarioso.
Jorge Trabulo Marques
Nº 680.Jornalista profissional