CONTINUAÇÃO
III
A intenção deste trabalho não é apresentar explicações nem respostas, mas apenas fazer o levantamento de pedras deste planalto das Lapas, em Chãs, que possam ter tido importância para quem lá viveu há milhares de anos. Mesmo este levantamento não tem a pretensão de ser exaustivo; olhares mais perscrutadores e mentes mais perspicazes poderão vir a identificar mais marcadores deste tipo.
Mas marcadores de quê?
Qual a ideia subjacente a estes marcadores, a estas marcas no terreno?
E com que meios se conseguiu a sua implantação tão rigorosa para os fins que certamente haveria em vista?
A esta última pergunta, respondo com exemplos de semelhante envergadura, que é o mesmo que responder com mais perguntas: pirâmides de Gizeh, monólito de Baalbek, as figuras da ilha de Páscoa… resultados de exercícios de hercúleas forças ou de processos entretanto dissolvidos no solvente tempo… Alguns dos monólitos de Stonehenge, as pedras azuis, pesando umas quantas toneladas cada, vieram, não se sabe bem como nem por que motivo, das montanhas Preseli do País de Gales, para as planuras de Salisbury. Duzentos e tantos quilómetros por terra e mar! No enorme dólmen de Newgrange, na Irlanda, o Sol, ao nascer no Solstício de Inverno, entra pelo corredor central para iluminar a câmara situada ao fundo.
Investigações de âmbito arqueoastronómico realizadas por António Carlos Valera e Helmut Becker em Xancra, a sul de Cuba, no distrito de Beja, permitiram concluir que o alinhamento das entradas dos três recintos possui claramente orientação astronómica e cosmológica, nomeadamente segundo o nascer do Sol nos solstícios de Verão e de Inverno[1].
As grandes catedrais góticas e muitos milhares de templos cristãos têm a fachada virada a poente.
A movimentação de grandes pedras e a sua orientação pelo Sol, bem como a de muitos outros tipos de monumentos distribuídos por todo o mundo, são, afinal, fenómenos recorrentes ao longo de milénios.
A ovóide Pedra do Solstício A, em Chãs, “nasceu” onde se encontra, ou foi aí colocada?
A Pedra da Cabeleira B “nasceu” onde se encontra, ou foi lá colocada, ou, pelo menos, orientada?
A ‘Porta do Sol’ na Pedra C é uma abertura natural, ou foi aberta com um fim bem determinado?
E a Fonte da Tigela F e as pedras H e G?
Perguntas, perguntas a que nem tento dar respostas, embora algumas me aflorem ao espírito como rebentos brotam da terra. Se esses rebentos são comestíveis ou ervas daninhas…
Os solstícios são pontos de inversão do movimento "oscilante" do Sol, que parece gerar as hastes de uma cruz de Santo André. O poente no Solstício de Inverno assinala o fim de um período de redução constante da duração da luz diurna: é o fim da morte lenta e anunciada dia após dia.
O amanhecer do dia seguinte, porém, marca já o início do primeiro dia de aumento do tempo de luz diurna. É o ressurgimento, é a nova vida: No Natal, salto de pardal; em Janeiro, salto de carneiro.
Rodeando o Ponto D ou junto da Pedra H, os planeadores ou autores dos “Templos do Sol” de Lapas e Tambores, em Chãs, juntamente com o resto da população, festejariam, certamente com júbilo – mas talvez também com a tristeza de uma despedida – o desaparecimento, no Solstício de Inverno, do Sol, alinhado com a Pedra da Cabeleira e com a Pedra do Solstício. Nem a tristeza seria muita, porque era o fim do desfalecimento do dia, nem o júbilo seria enorme pelo desejado início do aumento do tempo de Sol no dia seguinte, visto que nunca tinham a certeza de que o Sol, no dia seguinte, comparecesse à sua ronda diária. Na aurora do dia seguinte, então sim, o júbilo dessas ansiosas criaturas seria grande e autêntico, porque plenamente justificado. No amanhecer desse dia, possivelmente após uma noite inteira de vigília, súplicas e, quiçá, imolações na Fonte da Tigela, todos esses adoradores do Sol se colocariam ao longo da linha que une os pontos C e D, talvez com um chefe ocupando exactamente o Ponto D, para assim acolherem condignamente, de braços abertos e com brados de júbilo, o astro que dava justamente início a um novo ciclo de vida. Deste e daqueles.
Na Fonte da Tigela, solitário, o sacerdote encerra as cerimónias de acolhimento do Sol, dominando e talvez abençoando toda aquela multidão em júbilo, lá ao fundo, distribuindo-se o longo da linha CD, de olhos presos na ‘Porta do Sol’ da Pedra C, onde o Sol surgira magnífico e seguro, assim iniciando um novo ciclo de vida, o renascimento.
O imperador romano Constantino, que estabeleceu por decreto que no dia 25 de Dezembro se comemoraria, a partir de então, o nascimento de Jesus Cristo, por alguma coisa o fez, pois sobrepôs o nascimento do Salvador a uma festa pagã, ela também de nascimento.
Com o passar do tempo – três meses na nossa contagem – outra celebração: o cumprimento de metade do trajecto do Sol na sua caminhada para Norte, até ao seu ponto de altura máxima. É o primeiro equinócio do ano, testemunhado por todos os que se encontram junto de um ponto de observação a poente da Pedra da Cabeleira. O tempo de sol de cada dia continua a aumentar dia após dia. Aproximadamente outro tanto tempo depois e eis que o Sol atinge o seu ponto mais elevado, formando os braços superiores de uma cruz de Santo André, respectivamente ao amanhecer e ao anoitecer no Solstício de Verão.
Junto à Pedra do Solstício A, como já vimos, a população local acompanha o ocaso do Sol no Solstício do Verão. Também na ‘Porta do Sol’ da Pedra C, o Sol se despede no mesmo dia, desaparecendo atrás da enorme pedra que aqui se designa de ‘Cogumelo’, no prolongamento da linha que une a ‘Porta do Sol’ C e o Ponto D. É uma despedida com alguma tristeza por ser o fim do aumento do tempo diário de sol.
Na Fonte da Tigela F, solitário, o sacerdote encerra as cerimónias de despedida do Sol.
No fim dessa noite, a mais curta do ano, começa a surgir a alvorada de um novo dia. Lá cima, do ‘Observatório’ sobranceiro à Pedra do Solstício, olha-se com ansiedade para a Pedra da Cabeleira. O Sol voltará? Ansiedade! Mas a aurora já se faz anunciar e não tarda que o Sol comece como que a surgir das entranhas da terra, alinhado com a Pedra H, com o Ponto D e com a própria Pedra da Cabeleira.
Júbilo!
Na Fonte da Tigela, solitário, o sacerdote encerra as cerimónias de acolhimento do Sol.
Meses depois, o Sol, descendo já para a haste inferior da cruz de Santo André, surge, ao nascer no Equinócio de Outono, novamente ao fundo do túnel da Pedra da Cabeleira.
Aproximadamente outro tanto tempo depois, renasce no Solstício de Inverno, no reinício da vida, no primeiro dos dias em crescimento, desta vez, porém, assomando espectacularmente à ‘Porta do Sol’ C – atentamente guardada pelo perfil de velho, como se mostra nas fotos seguintes – abençoando mais uma vez os seus expectantes adoradores distribuídos ao longo da linha CD.
Núcleo de Investigação Arqueológica, Apontamentos de Arqueologia e Património, nº 7, pág. 23 – Jan. 2011
É de notar que o Sol, no seu movimento diurno aparente, não se põe nem nasce perpendicularmente ao horizonte, mas sim ao longo de uma trajectória cuja inclinação depende da latitude do lugar.
Vamos então assistir com eles ao nascimento do Sol no Solstício de Inverno, tomando lugar, por exemplo, no ponto X assinalado no mapa do GoogleEarth (Fig. 39), com as coordenadas 40,99452º N / 07,17593º W, de onde foram tiradas as fotografias (Figs. 40 a 44) e foi feito o filme para a 'Porta do Sol' (C) no DVD anexo.
Não consigo descrever a sensação e a emoção que senti ao ver o Sol surgir, efectivamente, pela fenda que designei por 'Porta do Sol'. Eu tinha fortes suspeitas de que isso aconteceria e os cálculos dos engenheiros António e Miguel Lázaro assim o confirmaram, mas... como S. Tomé, quis ver para crer, quis testemunhar pessoalmente o acontecimento. Aquele primeiro momento em que a esfera solar, amarela e fulgurante, emergiu no fundo da abertura, fez-me levantar os braços e bater palmas. A emoção não esmoreceu ao seguir o movimento do Sol, elevando-se no firmamento numa trajectória inclinada para a direita. O nevoeiro que, como algodão em rama, enchia o Graben atrás de mim, trouxe-me por momentos algumas preocupações, porque por vezes também cá em cima passavam ténues manchas de nevoeiro. O nevoeiro ia subindo encosta acima, disso não restavam dúvidas, mas nessa corrida entre o surgir do Sol e o afogamento do planalto em espesso nevoeiro, o Sol venceu. Gloriosamente! Depois, como que sentindo-se vencido, o nevoeiro foi-se dissipando.
A observação do nascer do Sol neste local poderá para muitos ser uma experiência mística, pois todo aquele afloramento granítico parece ter sido ali colocado para receber o Sol, ou, numa outra perspectiva, para parir o Sol nascente no primeiro dos dias em crescimento. É um duplo nascimento: do Sol, nesse dia, e da criança que, dia após dia, não deixará de crescer até ao Solstício de Verão.
A deslocação lateral para a observação deste fenómeno é confortável, porque a 'Porta do Sol' não é um ponto, mas sim uma abertura com quase 2 metros de largura, o que permite que uma fila dupla de pessoas colocadas lado a lado, ombro a ombro, ao longo de várias dezenas de metros sobre a linha CD testemunhe o fenómeno em simultâneo.
Passado o inicial deslumbramento causado por este impressionante espectáculo natural, o sacerdote, solitário, na Fonte da Tigela, encerra as cerimónias de acolhimento do Sol
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Por amável deferência do Dr. Gordon Freeman (Professor Emeritus M.A., University of Saskatchewan; Ph.D., McGill University; D.Phil., Oxford University; Department of Chemistry, University of Alberta, Edmonton, AB, Canada), apresento a seguir uma fotografia tirada do livro de sua autoria Canada's Stonehenge – Astounding Archeological Discoveries in Canada, England and Wales (2009). Trata-se do nascer do Sol nos equinócios visto na fenda de um afloramento rochoso na Província de Alberta, Canadá, em tudo semelhante à "Porta do Sol" de Chãs.
Nota
Ao longo dos cerca de 6 minutos do filme, nota-se uma progressiva perda de nitidez da imagem, facto que se torna mais intenso e rápido após o aparecimento do círculo solar.
Isso deveu-se à progressiva formação de uma película de gelo na lente, de que só me apercebi no final. Foi também essa a causa de o filme terminar com todo aquele espectacular efeito aureolado e irisado.
Não se trata, portanto, de efeitos especiais artificiais, mas sim de um fenómeno natural.
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