Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador - O video documental que hoje me fez toldar os olhos de lágrimas e longas horas ao computador e de vigilia e sem dormir, tal como naquelas noites de incerteza e de tormentosa solidão na vastidáo do mar
Hoje, dia 9 de Abril 2023, Dia de Páscoa – Tempo de pronunciar a palavra Aleluia! E as palavras Ressurreição e Gratidão. Recordando o dia em que fui rezar a uma linda igreja de Malabo, em Julho de 2017, junto de um grupo de humildes cidadãos católicos e também noutro local da cidade de Bata, numa vulgar praça ajardinada, por ter sido salvo da força no reinado do terror de Francisco Macias e sobrevivido aos 38 tormentosos dias a bordo de uma canoa no vasto mar do Golfo da Guiné.
Munido apenas de uma simples bússola, sem qualquer outro meio de navegação, arrastado pelos ventos e as correntes, mais das vezes à deriva de que pelos precários meios que dispunha: com uma vela feita de sacos de farinha e provido de um tosco remo improvisado, visto ter perdido o remo principal e os mantimentos que levava, logo na primeira noite em que fui surpreendido por um violento tornado. Nunca me deixei vencer pelo desânimo ou cruzei os braços.
UMA ODISSEIA DRAMÁTICA NO MAR E OUTRA NÃO MENOS INTENSA E PERIGOSA EM TERRA
A canoa foi carregada num pesqueiro, em S. Tomé, para ser largada a sul de Ano Bom, na corrente equatorial em direção ao Brasil. Em vez disso, o comandante propôs-me ficar a bordo e deitar a canoa borda fora. Recusei a proposta e optei por regressar - Um violento tonado à noite, deixou-me sem a maior parte dos mantimentos e do remo principal - Era o principio de um enorme pesadelo - Tendo, por fim, aportado numa pequena baía de Bioko, nas costas do Bokoko, em cuja ilha acabaria por viver um curto mas bem afrontoso pesadelo, ao ponto de me recriminar contra a sorte de não ter matado a fome às foices de algum dos tubarões que me atacaram e que sacudi à catanada.
S. Tomé - Outubro 1975 |
Aproximação à Ilha de Bioko Nov 1975 |
A SORTE PROTEGE OS AUDAZES - SALVOU-ME DE ME PERDER NO MAR DOS TORNADOS E TUBARÕES E DE SER ENFORCADO EM TERRA
Creio que fui um protegido, não só pela preparação maritima que já dispunha, em dezenas de treinos nas canoas dos pescadores, que fazia aos domingos, sempre que podia, como também pela minha inabalável coragem, acalentada pela divina graça de Deus, que sentia proteger-me nas arriscasas aventuras em que me envolvi - E foram várias.
Tal como já foi publicamente afirmado, por ocasião das comemorações do 42º aniversário do Golpe da Liberdade, "o Tenente-Coronel magnânimo e humanista que, quatro anos antes, mandou libertar da cadeia e do caminho para a execução, por espionagem, um aventureiro português que naufragou o seu caiuco nas praias de Malabo, após uma tempestade, foi o mesmo que, em 1979, com um grupo de oficiais saídos da Academia Militar de Saragoça, achou demais a destruição, o caos e o niilismo do regime de Francisco Macías".https://www.embarege.com/716183_42o-aniversario-do-golpe-da-liberdade
O ENTÃO JOVEM OBIANG SALVOU-ME DA EXECUÇÃO - Pouco mais velho que eu, hoje não me restam dúvidas, que, se daquela ilha pude sair vivo, o devo graças ao humanismo e à generosidade do então Comandante Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, atual Presidente daquele país, descoberto no século XV pelos navegadores portugueses - Neste dia especial, aceite, pois, os meus votos de uma Páscoa feliz e que Deus lhe dê forças e saúde para continuar a servir o bem-estar e o progresso do povo da Guiné Equatorial
FRANCISCO MACIAS, NÃO ACEITAVA SER CONTRARARIADO - Habituado que estava a mandar executar sem dó nem piedade - Pelos mais fúteis e variados pretextos. Macias era então o primeiro presidente pós-colonial (1968-1979) da Guiné Equatorial, Em 1972, autoproclamou-se presidente vitalício e chegou a elogiar publicamente a figura de Adolf Hitler, Africanizou" seu nome como Masie Nguema Biyogo Ñegue Ndong em 1976 depois de exigir o mesmo do resto da população.As condições chegaram a ser tão nefastas que até sua própria esposa, Mónica, fugiu do país.
Muitos professores, intelectuais, políticos, profissionais liberais, entre outros com alguma qualificação educacional, foram perseguidos, presos e executados. Os poucos que escaparam, exilaram-se em países vizinhos, resultando em uma fuga de cérebros do país. O número de mortos sob a sua ditadura estima-se entre 50.000 e 80.000, entre 1/6 e 1/4 de uma população de umas 300.000 pessoas .https://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Mac%C3%ADas_Nguema
Jorge Marques com o Embaixador Tito Mba Ada |
Voltei lá, em junho de 2017, graças à amável compreensão, apoio e sensibilidade do Embaixador Tito, em Lisboa para lhe manifestar a minha gratidão pela coragem e humanismo do seu gesto, ao contrariar decisão soberana do então todo poderoso e implacável Francisco Macias.
Estive em Malabo e em Bata, participei na abertura do 6º congresso do Partido Democrático da Guiné Equatorial, e, no encerramento, assisti, filmei e fotografei a conferência dada pelo Presidente Obiang às várias cadeias de televisão - Tendo desfrutado da oportunidade de andar tranquilamente por onde quis com motorista à minha disposição.
Andei à vontade e tranquilamente por onde quis: vi um pais, completamente diferente daquele que observei em 1975, onde as barracas deram origem a bairros sociais, usei a Internet, sem restrições, editando postagens neste site - Não fui, como jornalista mas como convidado especial - Privei e convivi com diplomatas, altas figuras do Estado, tendo tido mesma a assistência médica do próprio médico pessoal do Presidente, devido a um desarranjo intestinal, que me vinha preocupando, desde há dois anos, e convivi com o administrador do seu palácio e um dos seus familiares; fui recebido pelo Secretário-Geral do PDGE - Com Obiang ficou prá agendar. pois ele lembra-se de mim e manifestou também desejo em receber-me falámos e sorrimos com gente simples e anónim
Mais tarde, em Portugal, em Junho de 2022, tive oportunidade de ser recebido por ele, aquando da sua participação no plenário da Conferência dos Oceanos das Nações e de lhe manifestar pessoal a minha profunda gratidão
DEMONSTRAR QUE AS ANTIGAS CANOAS PODIAM TER LIGADO O CONTINENTE COM AS ILHAS ANTES DA COLONIZAÇÃO - E de prosseguir com a experiência de Alan Bombard- Este um dos vários obe«jetivos das minhas aventuras em frágeis pirogas
Local onde pude acostar a canoa em Bioko |
Quando os europeus, alcançaram as principais ilhas do pacifico, constataram, com espanto, que as mesmas já eram habitadas, pese as distâncias que as separavam dos continentes . Defendo que as ilhas do Golfo da Guiné, também poderiam ter sido ligadas desde as costas limítrofes africanas, através dos mais antiquíssimos meios de navegação, os ancestrais troncos escavados com os seus machados de pedra. E creio já ter encontrado vestígios arqueológicos da sua presença nas investigações que fiz nalgumas praias de S. Tomé, bem como da chegada dos navegadores portugueses, que terão aportado na chamada Lagoa azul e não no sítio onde foi erguido um padrão.
Quanto à sobrevivência em longos percursos, também esses povos os deviam conhecer, habituados que estavam a uma vida íntima com a Natureza, conhecimentos que viriam a perder-se com a chegada de culturas externas, alheias e adversas à sua e à prevalência do seu domínio.
Demonstrar aos pescadores das canoas, que não pensassem que "só gente de feitiço" é que se poderia salvar, quando arrastados pelos tornados ou por terem perdido a terra de vista. Que aproveitassem o pescado para comer nos dias em que andassem perdidos, bebessem a água das chuvas, chopassem o sangue dos peixes, que não é salgado ou, mesmo, à falta de chuva, bebessem de vez em quando uns golitos de água do mar para matarem a sede - Ouvi-lhe muitas histórias de sobrevivência . E conclui, que, se as canoas, involuntariamente, eram arrastadas para outras ilhas ou para a costa africana, eu voluntariamente também o podia fazer.
O biólogo e médico francês Alain Bombard, conhecido como "náufrago voluntário", demonstrou que a maior parte das vitimas dos naufrágios resultam mais por desespero e perda de confiança de que pela ausência dos recursos que o mar pode proporcionar- Este foi também um dos objetivos dos meus 38 dias numa frágil piroga no Golfo da Guiné, depois das travessias solitárias de canoa de S. Tomé ao Príncipe, em 3 dias, e de S. Tomé à Nigéria, em 13 dias.
Tal como documento no meu diário gravado, cujo gravador e máquina fotográfica pude preservar num vulgar contentor do lixo, de plástico, nunca cruzei os braços, sobrevivi bebendo água das chuvas e do mar, das aves que vinham pousar à noite na canoa, que, com grande dor de alma, cheguei a sacrificar por algumas vezes. E de alguns peixitos que apanhei à linha, enquanto tive anzóis e à mão, quando se me acabaram e vinham catar as pequenas lapas que surgiam no costado da canoa. entre os quais alguns tubarões.
E até de um coco que encontrei a boiar, que apelidei de coco divinal. Além disso, rezei e cantei – E também chorei, não propriamente por desespero, mas pela emoção de algumas situações. Por sentir que, apesar da extrema e avassaladora ameaça que estendia em todo o meu redor, lá ia resistindo e sobrevivendo. Tal como ainda hoje se me toldam os olhos de lágrimas, quando recordo aqueles longos e penosos dias de incerteza e de solidão e me interrogo de como pude resistir a tantos e tão constantes perigos.
JÁ LÁ VÃO QUASE 48 ANOS - UM DRAMA DIFÍCIL DE ESQUECER - TANTO NO MAR COMO EM TERRA
Na manhã do dia 4 de Dezembro de 1975, deu-se, pois, a feliz e milagrosa coincidência, que vem determinar o meu salvamento: quando menos esperava, um carcereiro chegou à porta da minha cela, algemou-me e ordenou-me que o acompanhasse - Senti logo um embate no meu coração, que não deveria ser levado para melhor destino - Mal transpus a a estreita cela, onde apenas dispunha de um balde para fazer as necessidades e, a servir de cama, um banco da largura de uma tábua, pelo que preferia deitar-me no chão, tal como fazia no fundo daquele tronco escavado, sou imediatamente agarrado por outro guarda, tendo à minha frente o Comissário da Cadeia, que já me tinha torturado com infindáveis interrogatórios para me conduzirem ao sítio das execuções.
Sucedeu, porém, que, momentos depois, por um feliz acaso, talvez milagroso (pelos vistos, a sorte protege os audazes), soa o telefone no corredor da morte - O Comissário manda suspender a caminhada, enquanto vai atender o telefone. Era o então Comandante Obiang, a solicitar a minha presença no seu gabinete para me comunicar a decisão do seu tio – Por isso, em vez de continuar pelo malfadado e sinistro corredor, sou desviado por uma escadas de pedra até um piso superior.
Depois de vários degraus acima, tanto quanto me ocorre, vejo-me confrontado com a luz do dia num pequeno terraço e, logo à minha direita, há uma porta que se abre para um amplo espaço, após uns toques das costas da mão do Comissário sobre a mesma: os carcereiros ficam de fora encostados à parede, aguardando novas ordens e só aquele alto funcionário é que me vai conduzir algemado à sua frente.
Mal transponho a soleira de entrada, sou então posto de pé à frente a uma mesa, ao mesmo tempo que a porta é fechada pelo próprio Comissário e este se recosta a um cantos do mesmo portão, aguardando pela chegada do então supremo comandante das policias e das forças armadas, que, inicialmente, me recebeu de forma austera e desconfiada: com estas palavras: " O que se passa contigo?!... Porque te metiste num caiuco e o que vieste aqui fazer?!.. .Quien te ordeno entrar al espacio de guinea ecuatorial?!...
Lamento mas tenho que cumprir as ordens de Sua Excelência e tenho de o executar hoje mesmo!...
Minha reposta: - Soy un pobre náufrago!.. pido apoyo y comprensión…
- ¿Cómo puedes demostrar que eres un náufrago?...
Tendo, ainda, num dos meus bolsos, a mensagem do MLSTP, que pretendia ler quando concluísse a travessia, que ousava realizar de S. Tomé ao Brasil, pedi que me retirassem as algemas e lha mostrasse.
Confirmando a sua autenticidade, puxou a cadeira de vime, que estava sobre uma mesa, sentou-se e mandou-me também sentar à frente da sua secretária soltando até sorrisos de admiração, pedindo que lhe contasse o que se havia passado comigo – Acreditou nas minhas palavras eaté elogiou a minha coragem.
¡Este hombre es un hombre valiente! .. ¡Mándalo a un hotel!
Porém, quem, pelos vistos, não gostou do seu generoso e humanitário procedimento, foi o autoritarismo ´déspota seu tio, que, por certo, até da sua própria sombra, devia desconfiar, tendo ordenando a minha saída no dia seguinte, por qualquer fronteira da Guiné Equatorial, tal como ficou registado no meu documento de identificação, num antigo passaporte colonial, que trazia comigo, pelo que não me restou outra alternativa senão aceitar o voo da Ibéria, com destino a Madrid
Recordando, também, o que então pensei - Obrigado minha canoa!.. Sou um retrato desfigurado de mim mesmo mas não me sinto derrotado. Ainda não me levaste a terra mas antevejo esse momento de suprema felicidade... Sinto um encantamento inexprimível, inefável!... Porém, começa a sentir-se muito calor.....Mas, por agora, estou bem.....Dá-me a impressão que até já me sararam as feridas e me passaram as dores do meu corpo. Estou mais tranquilo. Vejo que tenho aqui a terra, relativamente próxima. ...Oh, meu pobre coração!.. Tão maltratado tens sido!.... Depois de tanta angústia e de tanta incerteza, como esta visão te descomprimi e tranquiliza um pouco mais!...
https://canoasdomar.blogspot.com/2019/11/perdido-no-golfo-da-guine-33-dia.html
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