Luis de Raziel - Heterónimo de Jorge Trabulo Marques
Mário Soares - De visita às gravuras do Côa |
Donde vimos e para onde vamos?... Há vida para
além da morte física? – Esta a grande interrogação de qualquer ser humano,
que não olha apenas para o firmamento ou para as estrelas, como o boi olha para
um palácio, apenas sacode os cornos e
passa adiante
(enxertos de uma longa dissertação)

Se me perguntarem se acredito em Deus, é claro que eu responderei que acredito - E, afinal, quem é que não acredita em Deus?!... Tenho, no entanto, o meu próprio conceito:

Afinal, nós é que podemos invocar Deus, porque, ao invocar aquilo que de mais sagrado e profundo existe em nós: a alma espiritual, o pleno e harmonioso desenvolvimento do ser interior e da transcendência corpórea, que faz com que nos sintamos mais conscientes e humanos
E sobretudo, desperte, no mais recôndito do nosso ser, as mais renovadas e puras energias, por forma a que estejamos em paz connosco e com o mundo que nos rodeia. Por isso, é bom que o invoquemos, sempre que pudermos – Pois só assim cumpriremos, em elevação, o nosso destino da poeira cósmica, na qual nada se perde o se imobiliza, porque continuamente se renova, purifica e transforma

É preciso entrar nos mistérios da nossa mente e devassá-la - Pois dizem os mitólogos que apenas se faz uso de 10% do nosso cérebro - Certo que pensar dá trabalho à gente mas não hesite: Puxe pelo seu caco e pense - De entre as figuras a quem dirigi as minhas cartas: umas por admiração, outras apenas por impulsos inexplicáveis - - Se lhe sobrar tempo não deixe de ler o que escrevi sobtre uma outra das figuras que muito admirei - Francisco Sá Carneiro -


Nuns casos enviei, noutros, simplesmente, acabaram por figurar no arquivo das minhas elucubrações do foro mediúnico e espírita.- Alguns excertos foram editados neste site, mas remetidos para arquivo, sem visibilidade pública, aguardando oportunidade de serem trazidos à luz, com a data que foram editas, quando se achar oportuno. - E assim tem sido


Era uma forma epistolar mais de reflexão e de introspecção de ordem espiritual de que propriamente com carácter temporário e politico. - Mário Soares, foi uma dessas figuras - Umas cartas foram-lhe enviadas, outras, por tão extensas, ficaram inacabadas e por enviar - É o caso do texto que a seguir aqui apresento, acerca das suas reencarnações, que comecei a escrever em Dezembro de 2002.
Mas há outros textos anteriores a esta data. Porém, pelo facto de se terem tornado demasiado extensos, acabaram por figurar no rol das cartas inacabadas. Pois, sempre que, as retomava, surgiam-me novos pensamentos ou dissertações, e acrescentava-lhes sempre algo mais
Também lhe enviei por e-mail outras cartas, sobre as mais diversas questões, incluindo as minhas previsões para o Ano 2001, com o título Ano 2001. O Ano de Todas as Odisseias", como que antevendo o 11 de Setembro, Algumas das quais igualmente editadas, neste site, sob o título de Mário Soares - Um Predestinado - E "Mário Soares - Mar - A Simbologia de Um Império" , mantendo-se na pasta de arquivo, mas só serão reveladas, tal como esta e com a mesma data, quando se achar oportuno.
AVISO O LEITOR QUE OS EXCERTOS DOS TEXTOS EPISTOLARES QUE DE SEGUIDA AQUI PRODUZO NÃO FORAM ESCRITOS AO JEITO DE CARTOMANTES PARA SEREM FACILMENTE ASSIMILADOS E COMPREENDIDOS - Exigem disponibilidade intelectual e tempo - Mas também de receptividade e espírito aberto, tal como tem sido a vida atual de Mário Soares -
Carta
(…)
sou a mesma pessoa que, em 27 de Março de 2001, e através da carta, a que atrás aludi, lhe
disse, textualmente, o seguinte, a
propósito das densas nuvens que via, então, pairar no horizonte: “Sem
com isto pretender ser alarmista, penso que o Ano de 2001(ironia das ironias),
o tão badalado e tão profetizado Ano da Odisseia do Espaço), vai ser,
certamente, um ano para esquecer - o ano de todas as “odisseias” -
E, ao que parece, ainda agora a procissão vai no adro.” - Estas minhas proféticas palavras,
escrevi-lhas eu na 2ª página da dita carta (registada), tendo acrescentado, na
3ª página, ainda o seguinte: “Como disse, vejo com apreensão o decurso do
Ano 2001(não é um ano bom: no que já nos trouxe e naquilo que de negativo nos
poderá trazer - a nós e aos outros
Monarca a seu modo |

(...) Sem dúvida, a tal triste
odisseia do 11 de Setembro, é um sério aviso, aos governos, às nações, à
humanidade, em geral, que, pelos vistos, apesar do futuro, não lhe ser muito
risonho, tem andado muito distraída
Não
se pense que a trágica e vil odisseia perpetrada por uns quantos fanáticos, no
11 de Setembro, é pura obra de lunáticos!
Essa gente, pese todos os seus fundamentalismos, não faz o tal
denominado terrorismo, apenas pelo simples prazer de provocar o pavor e a
destruição - O seu apodado suicídio, não é propriamente um suicídio ou acto
gratuito. Eles representam pensamentos e valores, que, de forma alguma deverão
ser subestimados - e, a verdade, é o que o têm sido, de forma humilhante.
Especialmente por parte da maior potência
bélica - Na qual , a ascensão ao poder de Bush ao mais alto patamar do império do capital, na
minha perspectiva assume o significado
da verdadeira encarnação da genuína besta!, no alvor do presente
milénio, a que tantos poetas, videntes e profetas, se referiram, desde há
muito, nos seus inspirados e visionários transes - Aí está, de regresso, a mais
sinistra cruzada, forjada no mais
hediondo, perverso e caduco catolicismo, de espírito de casta, de espírito
dogmático, despótico, retrógrada, de falsos guardiões do Templo e da
Humanidade
CHEGOU A BESTA....
CHEGOU A BESTA....
Silêncio! - Ó Céus, Ó estrelas, Ó longínquo Firmamento!
Chegou
o “messias”, a parda sombra que vem
substituir-se a Cristo!
Se
achais que a Hora é Alta,
então
declamai, lá bem do alto, dos Infindos espaços,
e
com todo o esplendor que está ao vosso alcance,
a
chegada do preclaro emissário,
ao
pobre planeta Terra!
(...) ... aí está, ó maldição das maldições!
Ó
ironia de todas as ironias!
Ó
vil tirania, ó vil pecado!
Aí
está, de regresso, a besta,
(...)
Vejam,
o desplante, o arrojo,
a
descarada hipocrisia do seu furor!
Agora,
em vez da cruz, ou da Bíblia,
não
é que, esse mesmo impostor,
vem rodeado de poderosa artilharia!
(excerto)
Exposto este meu pensamento, presumo que exprimi em que consiste a minha fé ou a minha crença e também os grandes princípios pelos quais julgo nortear a minha vida e fundamentar as capacidades de médium vidente e de espírita
Dito isto, espero, mais adiante, fazer-lhe uma espantosa revelação!... Estou esperançado que a minha mente me conduzirá a esse iluminado estado de clarividência.... O momento parece-me propício...
Entretanto permita-me a seguinte pergunta: Já alguma vez pensou ou admitiu que poderia ter tido outras existências anteriores à que hoje vive?... Pois, olhe que, dentre todas as coisas que se afiguram impossíveis à mente humana, a da encarnação, creio que não é das menos inverosímeis. Se não quiser acreditar, peço-lhe que não tome esta minha ousadia como capricho de mera especulação ou fruto de algum cérebro desarranjado e perturbado que não tem mais em que ocupar o tempo do que vir falar-lhe de algumas banalidades e crendices. Nada disso.

Aquilo a que nós chamamos alma, para o Homem da Era da Pedra, não era mais do que a intercepção material com o imaterial O princípio vital da própria existência. A sua mentalidade era simultaneamente infantil e contemplativa: por isso mesmo, de amplitude universal. Tudo o assustava e maravilhava. A sua vida interior estava intimamente ligada ao meio que o rodeava. Agrupado em pequenos grupos étnicos ou familiares, vivia da caça e da pesca, completando as suas refeições com os frutos silvestres que apanhava. Dir-se-ia um ente solitário num mundo ainda totalmente desconhecido, mas ao mesmo tempo integrado no conjunto de todas as espécies vegetais, de todos os seres vivos que lhe asseguravam a sobrevivência ou com os quais partilhava o mesmo ambiente


Assim, resta saber em que medida é que, o homem de hoje(disperso num sem número de crenças e vazio de ideologias) se alcandorou na sua íntima relação com o meio, a que planos acedeu em termos de harmonia e de convivência com a Natureza, a que nível de percepção soube correlacionar-se com o seu lado transcendental ou divino. Certo que já foi à Lua e enviou sondas a pontos afastadíssimos no espaço?... E a vida e a morte?!... Terá ele já a perfeita noção de onde vimos e para onde vamos?!...Claro que continua ainda mergulhado em dúvidas. No entanto estou em crer que um dia virá em que ele saberá responder a todas essas questões que agora o inquietam e a que, por não ter uma resposta concreta, as relega para o domínio do inexplicável, do incognoscível e do misterioso.
As civilizações nascem , desenvolvem-se e desaparecem, mas também, depois delas, e sobre as suas ruínas ou cinzas, outras jornadas humanas se levantam e florescem.... O homem é, em si, também consciência e evolução do mundo que o rodeia. E, num futuro, não muito distante, mais do que consciência e evolução, caber-lhe-á um maior papel determinante e interventivo
Ao contrário das velhas teorias que viam o espaço nocturno como se fosse um infinito lampadário de estrelas amarrado a um tecto, ou então recuando ao tempo em que se acreditava que era o sol que girava em torno da Terra e que esta era o centro do mundo, tais conceitos ruíram por completo: o universo não só é mutável como se comprime, expande: é um força em permanente mutação!
É, pois, meu pensamento que, muito antes que o Sol deixe de iluminar a Terra, e esta conclua o seu curso, surgirá no nosso planeta uma civilização muito superior à actual, capaz de superar-se e transcender-se em vários níveis: do espaço e do tempo! E muito além dos limites actualmente imagináveis ao Homem de Hoje - Aconteceu em Marte (donde emigrou, quando a vida ali se extinguiu) e, dia virá em que, na fase derradeira de completar a sua passagem pelo ambiente terreno, a vida humana acederá a um plano ainda mais elevado, a partir do qual transmigrará para outro ponto do Universo, que povoará! – Mas não é um processo único! Há já outras civilizações, noutras regiões do Cosmos, com estágios bem mais avançados do que aquele para onde se encaminha o ser humano..

No dia em que o homem se convencer que pouco mais poderá ganhar com os avanços da ciência e da tecnologia, nessa altura voltar-se-á, inevitavelmente, para dentro de si, para a interpretação e compreensão das coisas que ainda hoje mais o intrigam - o mistério da vida e da morte!.. A bem dizer é o passo que até hoje, verdadeiramente, nunca deu. Ao desinteressar-se das coisas materiais, uma nova estrada se abrirá à sua frente, um radioso e luminoso horizonte rasgar-se-á os seus olhos.
De ora avante ele não caminhará no sentido horizontal, mas em direcção às incomensuráveis alturas do Universo! - Isto porque, embora com os pés na terra, os seus olhos jamais se irão despregar do Centro do Grande Arco da sua Origem - A sua mente ocupar-se-á, essencialmente, numa profunda e continuada reflexão. Não para adorar um hipotético Deus, mas para se dar conta de que o Grande Deus, está dentro de si mesmo, bem no centro do seu cérebro e no mais fundo do seu espírito. Nada lhe será estranho e inexplicável. Desaparecerão segredos e barreiras que agora o perturbam e o deixam confuso. Atingirá um fantástico grau de lucidez e de sensibilidade, de tal ordem, que as suas capacidades de intuição e de percepção( até agora em grande parte adormecidas), desenvolver-se-ão em flecha!....

O seu espírito voltará a ser o viajante cósmico.... Concluída a incursão pelo sistema solar e após haver integrado o Espírito de Marte e da Terra, soltar-se-á em sonho... Período que poderá também ser explicado como o Período da Encarnação Final - Último degrau da escala evolutiva na sua viagem terrena. Porém, tal não significará que a sua missão espiritual seja dada por terminada - De modo algum! Outro período se seguirá!
O Universo, como entidade inteligente, mutável e perfectível, reservar-lhe-á tarefas ainda mais aliciantes e ousadas....Em planetas que gravitam em torno de outras estrelas, noutras galáxias longínquas ou mais próximas...- Sobre este assunto, publiquei, nos finais dos anos 70, num dos suplementos do Diário Popular, um desenvolvido artigo de duas páginas, em que expus a minha tese e a que dei o título: A ERA DO PÓS-HOMEM
Depois desta minha dissertação(talvez demasiado maçadora), passo então a outro tipo de revelações que têm a ver com a chamada encarnação - A tal fase pela qual os espíritos humanos vão transmigrando até concluírem o chamado GRANDE CÍRCULO DO CORPO E DA ALMA.

Com a devida modéstia, direi que tais experiências, de carácter mediúnico, também já me ocorreram. Não para rasgadas e surpreendentes laudas de escritor ou de poeta, que não sou nem tenho pretensões a ser, mas para dar vazão às imagens que, em certas circunstâncias, me afluem à mente com a sequência e a nitidez de uma tela de cinema. Em muitos aspectos tem algo de verosimilhante; correm em caleidoscópio mas são muito diferentes das cinematográficas.... Ou têm como origem a memória oculta do fundo dos tempos - De um mundo que não é visível ao olhar comum , mas que a percepção dos meus sentidos vai buscar e recuperar. Fenómeno que poderia apelidar de uma espécie de terceira visão, ou, por outras palavras, como factos que espontaneamente irrompem, tal como se os visse surgir de um futuro ainda ignorado, longínquo, mas claramente já programado, predestinado!

.“O Homem do Século; a Figura mais Notável de Portugal nos últimos cem anos” - dizia-me, num destes dias, um seu amigo, no café da Brasileira, entre uma bica e dois dedos de conversa. Pessoa que tem de V.Exa, não apenas simpatia e admiração, mas autêntica veneração! - E, frise-se, com absoluto fundamento! É que o acompanhou, de muito perto, durante 10 anos, tendo do Dr. Mário Soares, uma amizade e um carinho, verdadeiramente indestrutíveis à prova de fogo!...
Pois bem, o que ouvi de viva voz a esse seu muito amigo, vem confirmar alguns aspectos das minhas interpretações mediúnicas que fiz sobre várias encarnações pelas quais passou o espírito de V.Exa.
Na realidade, anteriores percursos existenciais, qualificam-no, inquestionavelmente, como um espírito de rara lucidez e clarividência! De um espírito que sempre se caracterizou por uma longa e espantosa via de ascensões!.. Incorporando níveis de sensibilidade e de inteligência particularmente avançados para o seu tempo! – Destacando-se em cada migração terrena por que passou!....
De esclarecer que, nem sempre, o tipo de profissão, o estatuto social ou até a natureza da encarnação tem a ver com o grau de espiritualidade - Pode ser um indicador, mas não é uma referência conclusiva.

Na encarnação seguinte, à de valoroso Rei Portugal (...), foi capitão-mor de uma nau na carreira das Índias, porém, o dito navio (...)em que navegava, naufragou, noite alta e cerrada, devido a uma inesperada tempestade que rebentou junto ao cabo da Boa Esperança....Em verdadeiro mar aberto!.. Panorama medonho!...Num mundo de agitação e de trevas!....Horas antes, já um pôr do sol flamejante, a que se seguiu um rápido crepúsculo raiado a vermelho e a ouro, tingido por uma luz violácea, deixava antever maus presságios.
Ao mesmo tempo, seduz-me e apavora-me a tragédia!... Por isso, vou concentrar-me de modo muito particular na visão que já tive. Vou deixar que a minha mente flua livremente e o meu sexto sentido me transporte de novo aos escaninhos mais recuados desse ancestral guardador de tesouros, de naufrágios, de vidas e despojos...
Confesso, no entanto, que tenho algum receio de lhe vir falar destas coisas que já pertencem ao passado...E a razão é simples... É porque tudo isto me soa a um mistério que já não é de agora.. Voltar a falar dele, não só me perturba como se me afigura um exercício inútil.......E, de certo modo, até me entristece... Pertence ao passado... Já foi!... E, como compreenderá, cada realidade e cada mistério têm o seu tempo próprio de existência... Direi que retomar o fio condutor destas coisas assume quase o mesmo desencanto da criança que vê quebrar-se à frente dos olhos maravilhados, sua linda bola de sabão, que um simples sopro projecta e quebra! Enquanto se ergue no espaço, toda sua leveza e brilho a fascinam, após o que se desfaz, todo o seu sorriso esmorece...

Bom, mas tenho que recuar no tempo... Certo que é mais aliciante quando o pensamento nos transporta para o futuro, de que quando intentamos recuar ao passado. Em todo o caso, seduz-me essa incursão... Até porque, vista a narrativa numa perspectiva histórica, há que reconhecer que se trata de uma situação verdadeiramente épica!... Um dos episódios mais sublimes e corajosos na vida de um grande marinheiro!...
Que eu saiba, o drama não foi descrito. Pois não houve sobreviventes que o pudessem contar!... Jaz no fundo dos abismos e pertence ao imenso rol das grandes provas de coragem que foram sepultadas no fundo dos mares e que ficaram para sempre ignoradas e esquecidas no mundo dos vivos.
Vou pois dirigir a minha mente a um plano para o qual não existem nem noites nem dias, mas apenas séculos, anos e datas para que, através desse obscuro e mágico calendário, possa transformar a visão dos meus olhos numa espécie de voo de ave nocturna, que vai a toda a parte, não encontra barreiras e não se assusta nem a impede, coisa alguma!

Sorte bem diversa, teve, porém, a sua existência, na dita encarnação, igualmente num mar antigo, numa dada fase da sua vida, aí pela casa dos quarenta, em que empreendeu uma viagem, bem ousada, mas sem regresso... É esta, pois, a odisseia, vivida nesse tormentoso mar, que eu agora aqui lhe quero recordar...
Como compreenderá, viajar com a mente para tão longe no tempo e no espaço através de tão complexa incursão, além de exigir um profundo silêncio, requer uma introspecção muito profunda! Pede-me a mente que os meus pensamentos se libertem e voem soltos – voem livremente! Tal como gaivotas quando levadas pelos ventos da maresia... Mas eu penso que, neste preciso momento, encontro o ambiente propício e estão reunidas as condições exigidas.
Para lhe ser sincero, por vezes, até fico com a ideia de que este pequeno espaço se compara a um caixão - Mas isso em vez de me incomodar, pelo contrário, facilita a minha concentração....Conduz-me a outra subtil realidade....
Sim, é bom que não percamos nunca de vista que a morte é a permanente companheira de todas as nossas noites e de todos os nossos dias, a fiel amiga que nos acompanha desde o nascimento até ao último suspiro, após o que toma conta do nosso corpo – e a que passa a chamar de seu – Enquanto, por outro lado, liberto o espírito desse efémero invólucro, este transfere-se e enceta a sua caminhada para uma outra jornada ou novo recomeço - Se já é um espírito evoluído, para o seu tempo, inevitavelmente acenderá a um patamar superior! De outro modo, até poderá conhecer outro tipo de encarnação, que não seja propriamente humana.

A noite da cidade fere a minha sensibilidade e atordoa-me os sentidos. Já houve um tempo em que andei por aí à deriva, tal como ainda hoje vagueia por aí certa fauna. Também me atordoei nalguns desses locais de diversão nocturna – Hoje não faço isso – Não penso que seja pela idade, mas pela exigência e pela necessidade. São locais demasiados ruidosos e poluídos para a minha mente. Confesso que foi um tempo de vazio e um tempo perdido. De inútil atordoamento. Ainda bem que despertei a tempo e dei outra orientação e sentido à minha vida. E, por isso, é com alguma pena e que vejo tanta juventude a desperdiçar, de forma tão perdulária, o seu tempo de lazer e não consegue dar-lhe outra orientação mais proveitosa, no sentido de se distrair e até na obtenção de um prazer mais consistente e duradouro. Atordoam-se nos copos e na fumaça! Não sei bem o que quererão do futuro!...Em todo o caso, convivem e aliviam algum do stress que também já os apoquenta. Muito mais que quando eu tinha a sua idade.
Porém, na paz do meu desvão de águas furtadas, a noite a mim tranquiliza-me e transmite-me um forte sentimento introspectivo, de profunda serenidade e de aliciante divagação espiritual! A bem dizer, eu amo a misteriosa noite! Sinto que o meu coração se lhe entrega com toda a fidelidade e que faz dela a sua mais confidente e secreta mensageira.
E, é por isso, que nestas horas de silêncio, como esta hora da madrugada em que agora discorro, mesmo sem fazer qualquer esforço, lá estou eu a divagar ou aprofundar os meus pensamentos. Um dos quais é precisamente aquele que faz com que seja tentado, como que a debruçar-me através de uma das janelas voltadas para o passado; para a decifração de histórias antigas e de alguns dos seus enigmas para os quais me sinto inclinado, viajando como nos sonhos, sem esforço e sem cansaço... Vejo-os avançar livremente ao meu encontro. Vindos de um passado distante povoado de mar!....
Oh! mas o que é passado?...O que é que ele, no fundo, representa?..... É ou não apenas o último despojo, pedaço de ruína ou vulgar destroço de tudo o que a erosão do tempo não consegue desgastar ou destruir e que a memória regista e faz perdurar nos seus mais discretos escaninhos?!...É ou não o que agora acabo de pensar?... Do que pensei há instantes e mesmo que o volte agora a pensar, será sempre pensado noutro instante ou noutro plano diferente!...
Acaso haverá alguma fronteira a separar-nos do passado?... Senão vazio e memória?!....Lembrança que se esfuma, que se diluiu, não somente ao longo de uma vida, mas através das sucessivas vidas em que encarnamos.... . Esquecemo-nos; somos humanos... Todavia, memória é também espírito, é um lastro que se perpetua e não desaparece completamente... Instala-se e repousa nos domínios do sonho..
Ora, o sonho não se apaga.... Esvoaça com a voragem do próprio tempo... Porém, tendo vida própria, caminho separado, pode viajar pela eternidade sem contudo se desintegrar ... Sim, olhando agora, e uma vez mais a ondulante superfície daquelas escuras águas, em que, há uns momentos atrás, o via a navegar sobre o dorso sombrio, viscoso e escorregadio de alterosas vagas, quer parecer-me que, em boa parte, até já nem sou propriamente o pensador que se detém a olhar por uma janela voltada ao passado, mas mais no lugar do pescador que, tendo à frente dos seus olhos uma vastíssima e turbulenta paisagem, no que pensa é somente em rodar o carreto da sua cana e lançar ali o chumbo e o anzol da sua linha e apanhar algum peixe.
Porém, para seu e meu desencanto, o que se nos depara não são peixes em profusão mas o mar enfurecido e a tragédia a pairar por tudo quanto é mar e solidão!
Oh, que pavoroso cenário! É o mar de antanho que se alteia e expande sobre uma superfície negra e vastíssima !.. É o mar antigo e longínquo!... Perturbadora e marulhenta visão! Apesar de coberto por uma densa e tempestuosa noite, descubro-lhe os contornos, lívidos e esfumados, do imenso círculo em que tumultua e alastra...
Há em tudo o que distingo um misto de memórias ancestrais e de tragédia... O céu cobre-se de um veludo negro! Tem a cor do luto e da morte...O ambiente é confuso, lúgubre!. Ronda por toda a parte o presságio do agouro, o pesadelo da incerteza e de ameaça!...
Oh, sim, revejo o crucial momento!...Revejo como tudo outrora se passou....É algo atraente e ao mesmo tempo aterrador!.. A nau navega!...Navega à superfície de um mar negro e encapelado!...
Eu estou de lado de cá, junto ao parapeito de uma janela, ampla e tranquila, não posso sentir medo. Mas, na verdade, impressiona-me olhar para o lado de lá! Para a paisagem marítima que desfila aos meus olhos, com tanto realismo, como se à minha frente se escancarasse, subitamente, uma enorme tela e através dela estivesse assistir à rodagem de um pavoroso filme!.. É um ambiente de tempestade que me fascina e assombra, simultaneamente!

O mar não pára de crescer!... As velas vão retesadas, mas é duvidoso que o rumo se possa aguentar por muito mais tempo.... Pede calma!...Manda reforçar o mastro e o cordame que já vibra sob acção demolidora das constantes rajadas do vento e das vagas!... Segura-se a um dos ovéns do mastro... Robusta e imponente figura!... Parece impassível!!... Olha apreensivo a ondulante escuridão, que os constantes relâmpagos vão iluminando, tal como o seu rosto e a sua vestimenta, que vão escorrendo ensopados em água e que mais parece a imagem nítida e fantasmagórica de algum super-herói, que não se intimida, mesmo quando aqueles sinistros raios rasgam e fulguram os escuros céus, o horizonte e toda a ondulante vastidão!!..

.
No entanto, admiravelmente, uma vez mais uma voz ecoa e se destaca, no meio da ruidosa solidão... É a voz do comandante!... Que não quer resignar-se à eminência da fatalidade que se estende por toda a parte e se mostra estampada perante o seu atónito olhar
Grita ao homem do leme e dá ordens ao piloto para corrigirem a rota e mudarem a nau de direcção...E até já o vejo a largar a ponte e a tentar dirigir-se, como alguém que balança na corda de um trapézio, para junto do timoneiro e dos restantes marinheiros para os encorajar ainda mais, juntando às mãos deles as suas firmes mãos, auxiliando-os no titânico esforço!!... – Partilhando, lado a lado, no sobre-humano sacrifício a que tempestade, impiedosamente, os está forçando até à exaustão!...

Rangem os mastros, uma parte das velas já se rasgou!... A ventania não cessa de uivar Cresce um clamor surdo de vozes e de gritos!... que se mistura à violência e ao fragor das vagas!....Que avançam de todos os pontos do negro horizonte, em sucessivos cachões, deixando nos curtos intervalos, a arrepiante sensação de um vazio de morte, a vertiginosa imagem de um sufoco de afronta e destruição!!...
Visão aterradora!...O que eu vejo não é o mar que tanto gosto de contemplar à beira de uma praia tranquila e banhada por um sereno e luminoso luar... É um mar de agouros!... Um imenso palco de agitação e de abandono!... Pelo qual já desfilam imagens de assombro e de tragédia!... Não se descobre uma estrela!!...O céu é um fugidio manto de azeviche!... E sob o mesmo tecto ondula e corre uma não menos imensa e desoladora negridão!...
Meu Deus! Vai solitária a nau!!...Não navega!!....Vai perdida!!... Não tarda afundar-se. Perante tão devastador cenário, que irá na mente do corajoso capitão?!... Que dirão os valentes marinheiros ?!... Haverá alguém que queira render-se à morte?!... Não creio!... Não vejo que alguém queira cruzar os braços e dar-se por vencido?!... Não vejo que alguém queira aceitar um destino que não programou!...
Já lá vão algumas horas desde os primeiros sustos!...Mas no seus corações deve já ter-se instalado a noite mais longa das suas vidas!... - Uma noite eterna, medonha e sem fim!!...
Fecham-se ainda mais as escotilhas! Aferram-se cabos! Reforçam-se os mastros e mastaréus! Enrolam-se velas! soltam-se ou esticam adriças, brandais e enxárcias! As bombas e os garrotes nem por um instante deixam de cumprir a sua função! A água invade, alastra os porões!... Urge escoá-la!... Mas é assustador!... O mar continua a não dar a menor trégua!... É a desolação, o desamor!!..
Mesmo assim , a coragem ainda grita alto!!.. Grita ao vento e à fúria do mar!!.... Ninguém desiste de lutar!!...Num derradeiro esforço, comandante e alguns dos seus homens, firmam-se com incrível valentia à cana do leme!...”A orçar!... a orçar!... Força! ao leme!!. Azeite à água!!”- ouve-se uma voz solitária! Apela-se à última resistência para aproar a nau ao vento e espalham-se óleos para tentar quebrar a rebentação.
Mas de pouco lhes valerá! As águas estão enfurecidas e o leme já não responde... As velas, umas, já foram enroladas; outras, não resistiram!... estão esfarrapadas!... A nau, balouça! Balouça de través!... Vai desgovernada, em árvore seca para destino incerto......Vai até que um próximo vagalhão a mergulhe para sempre num dos sorvedouro abissais!!...

... Mundo de trevas! Mundo de convulsa solidão!..
A nau corre solta e desgovernada... Vai dar de bordo!... Vejo que vai rodopiar sobre o seu eixo, sob um céu negro, pesado e baixo, que mais parece querer pousar sobre os seus inclinados mastros e afundá-la, de uma só vez , desde a ré à proa!... Sim, vejo que é mesmo aquele enorme vagalhão, que agora sobe e envolve o seu costado, que subitamente se arremessa contra o seu cavername, com inaudita violência, que a vai mergulhar para sempre nas profundezas!...Perdendo-se no meio de fundos vales e negras montanhas de agitação, de efervescente água e novelos de espuma!....
A nau corre solta e desgovernada... Vai dar de bordo!... Vejo que vai rodopiar sobre o seu eixo, sob um céu negro, pesado e baixo, que mais parece querer pousar sobre os seus inclinados mastros e afundá-la, de uma só vez , desde a ré à proa!... Sim, vejo que é mesmo aquele enorme vagalhão, que agora sobe e envolve o seu costado, que subitamente se arremessa contra o seu cavername, com inaudita violência, que a vai mergulhar para sempre nas profundezas!...Perdendo-se no meio de fundos vales e negras montanhas de agitação, de efervescente água e novelos de espuma!....
Eis, pois, Meu Caro e Ilustre Cidadão, Meu Bom Português, e Distinto Cidadão do Mundo, como acabo de rever e lhe recordar a odisseia pela qual passou, numa das suas anteriores encarnações, ao comando de uma das frágeis caravelas da Coroa de Portugal, quando, em noite alta, foi surpreendido por uma violenta tempestade nos mares do sul,!... Porém, tanto quando me é possível percepcionar, através da janela que me permitiu empreender uma viagem ao fundo da memória do tempo, outras encarnações teve, igualmente valorosas, cuja descrição de seguida vou procurar fazer-lhe.
Excerto da carta começada a escrever em Dezembro de 2002
Luís de Raziel